A taxa de absentismo dos enfermeiros atingiu o “valor histórico” de 12%, segundo a Ordem que os representa, que denuncia situações de exaustão e de profissionais que chegam a não conseguir comer ou ir à casa de banho. Em entrevista à agência Lusa, a bastonária dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, refere que a taxa de absentismo atingiu este ano os 12% de média a nível nacional.

“Numa classe isto é elevadíssimo e temos de perceber o que se passa”, comentou, indicando que peritos internacionais, que há poucas semanas estiveram em Portugal, alertaram para a “falta de muitíssimos enfermeiros”. Ana Rita Cavaco assume que os profissionais estão “muitíssimo desmotivados” e que a taxa de absentismo reflete muito a “forma como são tratados e as condições de trabalho”, além da exaustão.

São profissionais altamente qualificados que levam para casa menos de mil euros por mês. Quando o salário mínimo for de 600 euros, provavelmente para o ano, vamos estar a pagar aos enfermeiros dois salários mínimos ilíquidos. Isso devia envergonhar o país”, afirmou, numa entrevista em vésperas no Congresso dos Enfermeiros, que começa na sexta-feira em Lisboa.

A Ordem calcula que faltem no sistema de saúde em Portugal cerca de 30 mil profissionais, 20 mil no Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde atualmente trabalham cerca de 41 mil. Há 15 mil enfermeiros a trabalhar no estrangeiro e Ana Rita Cavaco sublinha que todo os anos a saída de profissionais está a aumentar. “Em Portugal os enfermeiros não são bem tratados pelo Governo ou pelas instituições. Passa-se o contrário. São coagidos, ameaçados. Lá fora, dão-lhes formação e oportunidade de subir numa carreira. É evidente que se vão embora”, disse.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Situação semelhante acontece com as saídas para o setor privado, nomeadamente com os enfermeiros especialistas que não recebem um ordenado diferenciado no SNS, mas são mais bem pagos no privado. Ana Rita Cavaco volta a denunciar que “há pessoas internadas nos serviços que estão em risco”, devido à escassez de profissionais, no caso, de enfermeiros.

Há normas com critérios internacionais para a quantidade de enfermeiros de acordo com cada tipo de serviço e tipologia, mas a bastonária sublinha que “nenhum serviço em Portugal cumpre essas normas”, à exceção de alguns cuidados intensivos.

E é para cumprir essas “regras de segurança” que a Ordem indica que faltarão 30 mil enfermeiros no sistema de saúde em português. A média indicada pela OCDE é de 9,2 enfermeiros por mil habitantes, quando em Portugal são 6,2 por mil habitantes e, no SNS, 4,2 por mil habitantes. “Isto põe Portugal na cauda de tudo, atrás da Letónia, da Estónia, da Eslovénia”, comenta Ana Rita Cavaco. A bastonária socorre-se de exemplos para ilustrar a “carência brutal” de enfermeiros.

Se tenho um serviço de medicina com 40 camas e numa manhã tenho dois ou três enfermeiros, vamos ser sérios… há muita coisa que fica por fazer. Não é possível vigiar as pessoas como devia ser. Estamos a fingir que prestamos cuidados e a culpa não é dos enfermeiros, que fazem o melhor que podem. Chegam a não comer, a não ir à casa de banho, isto é desumano”, descreveu.

A bastonária assume que tem “muito medo de chegar a velha e dependente” nas atuais condições do SNS. O financiamento e a forma como é gerido o SNS deve ser um dos temas centrais do Congresso da Ordem dos Enfermeiros, que decorre de sexta-feira a domingo, em Lisboa, com a organização a estimar a presença de cerca de mil pessoas.