O Governo já decidiu qual vai ser o valor do ajustamento final dos pagamentos a realizar às centrais da EDP até ao fim dos contratos de venda de energia, os chamados CMEC (custos de manutenção do equilíbrio contratual). Em despacho, o secretário de Estado da Energia homologa o valor proposto pelo regulador em outubro do ano passado. A ERSE limitou a 154 milhões de euros as compensações, também chamadas de rendas, a suportar pelo sistema elétrico (os consumidores de eletricidade) a favor da EDP até 2027. São menos 100 milhões de euros, em números redondos, que o valor reclamado pela EDP. Mas o corte nos pagamentos futuros à elétrica poderá ser maior do que o indicado pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos.
O despacho de homologação de Jorge Seguro Sanches, a que o Observador teve acesso, deixa em aberto a possibilidade de este valor final vir a ser ajustado em função do desfecho de dois processos distintos. E esse ajustamento será sempre para baixo.
- Por um lado, o custo futuro destes contratos terá de refletir a eventual existência de sobrecompensações pagas às centrais da EDP no mercado dos serviços de sistema. A matéria foi objeto de uma auditoria independente, cujas conclusões ainda estão a ser finalizadas.
- Por outro lado, o montante do ajustamento final pode ser reavaliado, se se chegar à conclusão de que o diploma de 2007 que concretizou a aplicação destes contratos introduziu alterações face ao quadro legal que criou o regime dos CMEC em 2004. Caso se confirmem, os “aspetos inovatórios”, e tendo como fundamento um parecer do conselho consultivo da Procuradoria Geral da República, todas as decisões dos responsáveis políticos pela energia que homologaram os pagamentos à EDP nos últimos dez anos — num total de 2.500 milhões de euros — podem ser declaradas nulas. E nesse cenário, o acerto final de contas com a EDP terá de ser refeito, em função dos benefícios que a empresa terá obtido, graças às tais inovações introduzidas em 2007 que podem ser afinal nulas.
Tal como o Observador já noticiou, os cálculos a estes dois impactos ainda estão a ser elaborados pela Direção-Geral de Energia e Geologia em colaboração com o regulador. Contudo, dada a complexidade e incerteza temporal sobre a sua finalização, o Governo decidiu que os titulares dos CMEC — centrais da EDP — não podiam ser penalizados pela demora na conclusão do cálculo final às compensações devidas ao abrigo deste regime. Mas considerou também que “não poderão, da mesma forma, o sistema elétrico nacional, e consequentemente, os consumidores, ser prejudicados por um ajustamento final, sem aquelas precauções”. Ou seja, o despacho assinado por Jorge Seguro Sanches deixa em aberto o valor do acerto final de contas da EDP.
Contactada pelo Observador já esta segunda-feira, fonte oficial da EDP afirma desconhecer o documento referido e acrescenta. “Assim que tomar conhecimento do mesmo irá analisá-lo e tomará as medidas e decisões que achar adequadas”.
Um dos acertos que pode baixar ainda mais a fatura devida à elétrica, ou até anular qualquer pagamento, tem a ver com o investimento feito na central de Sines, para reduzir as emissões de enxofre, e cujos custos foram parar aos preços da eletricidade. O investimento da ordem dos 200 milhões de euros foi iniciado em 2006 e o seu impacto na remuneração daquela central foi compensado pelos pagamentos feitos ao abrigo dos CMEC, de acordo com as regras fixadas em 2007. Esta poderá ser uma das inovações introduzidas face a 2004 que terá beneficiado a elétrica e que pode, segundo o parecer da PGR, fundamentar a nulidade dos atos do Governo que homologaram os valores recebidos pela EDP ao longo destes anos. Uma decisão que poder ter consequências financeiras, mas também judiciais, já que estes contratos estão a ser investigados pelo Ministério Público por suspeitas de favorecimento à elétrica.
De fora da conta final, ficará o cálculo também elaborado pela Entidade Reguladora dos Serviços de Energia (ERSE) que aponta para um ganho de 510 milhões de euros obtido pela EDP com a passagem do regime dos CAE (contratos de aquisição de energia) para os CMEC. O despacho do titular da pasta de energia considera que esta avaliação foi um ato opinativo com uma preocupação pedagódica para preparação do cálculo final ao valor das compensações, que era a missão dada pelo Governo ao regulador. Da mesma forma, não serão seguidas as propostas de alteração feitas pela ERSE para baixar ainda mais os encargos com estes contratos porque tal implicaria “alterações legislativas, sendo até discutível a constitucionalidade de tais soluções, independentemente do seu mérito e justeza”.
EDP deve receber menos 165 milhões por ano. E até pode pagar
O outro fator que pode pesar na conta final são as conclusões da auditoria realizada pelo Brattle Group aos ganhos das centrais da EDP no mercado dos serviços de sistema, obtidos graças ao regime dos CMEC. Esta auditoria foi pedida pelo ex-secretário de Estado da Energia, Artur Trindade. Um despacho de 2014 determinou que se fossem verificadas sobrecompensações pagas à EDP, esses valores seriam contabilizados no cálculo final dos contratos. Apesar de ter detetado margens anormais nas centrais da elétrica, sobretudo entre 2012 e 2014, a primeira avaliação do consultor internacional não foi suficiente para sustentar o pedido de devolução ao sistema elétrico de ganhos de 73 milhões de euros, que foram contestados pela EDP. E essa avaliação continua a ser feita.
O que são os CMEC
↓ Mostrar
↑ Esconder
A sigla CMEC significa custos de manutenção do equilíbrio contratual. Os CMEC nasceram em 2004 para incentivar a EDP a vender no mercado a energia produzida pelas suas centrais, permitindo o Mercado Ibérico da Eletricidade (MIBEL). Os CMEC devem funcionar como uma espécie de seguro para as centrais da EDP, neutralizando os riscos e garantindo a remuneração prevista nos contratos iniciais. Se as receitas obtidas em mercado ficassem abaixo dessa rentabilidade, a EDP teria direito a ser compensada pela diferença nos preços pagos pelos consumidores. Entre 2007 e 2017, foram pagos 2.500 milhões de euros ao abrigo dos CMEC.
Governo aceitou razões da ERSE na guerra de metodologias
Para já, fica apenas definido que o Governo reconhece e valida a conta apresentada pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) em cumprimento da lei do Orçamento do Estado de 2017 e que aponta para 154 milhões de euros, um valor que tem sido contestado em tons duros pela EDP em várias frentes — a empresa chegou a colocar a ERSE em tribunal para ter acesso ao estudo concluído em outubro do ano passado — com argumentos metodológicos e legais.
Rendas. EDP contesta contas do regulador e reclama mais cem milhões até 2027
Sobre as razões invocadas pela empresa, ouvida em audiência prévia antes da homologação do valor final dos CMEC, o secretário de Estado da Energia recusa que a responsabilidade pelo cálculo dos ajustamento final seja de um grupo de trabalho composto pela própria EDP e pela REN (Redes Energéticas Nacionais). Esta foi a prática seguida para definir os pagamentos anuais à elétrica até 2017. Estes valores foram validados pelo Governo (Direção-Geral de Energia e Geologia) e pela ERSE, e homologados em despachos, que poderão vir agora a ser postos em causa se se concluir pela nulidade destas decisões.
Mas no Orçamento do Estado de 2017 ficou definido que seria a ERSE a calcular o ajustamento final dos contratos, ainda que seguindo o modelo ValorÁgua que permite estimar os custos futuros das centrais e simular as margens em função de preços de mercado. A conta do regulador é inferior em cerca de 100 milhões de euros à soma apresentada pela EDP e pela REN. Uma “diferença considerável” que, segundo o despacho do Governo, é explicada pela decisão da ERSE de ajustar a média de preços verificados nos últimos dez anos à taxa de inflação neste período. Uma opção justificada em argumentos de racionalidade económica e coerência de método, que a EDP diz não ser consistente com os procedimentos para o cálculo final dos CMEC definidos na lei, mas que o Governo aceita.
O despacho acaba por validar o cálculo apresentado pelo regulador em outubro do ano passado, e que estabelece os 154 milhões de euros como o valor dos pagamentos futuros à EDP até 2027, no quadro da componente variável dos contratos CMEC. Colocando, no entanto, duas ressalvas que podem mudar este número: as conclusões da auditoria aos ganhos anormais nas centrais da elétrica e à verificação da existência de inovações no quadro legal de 2007 que concretizou estes contratos que beneficiaram a empresa.
Atualizado às 12.20 com comentário da EDP.