No final de 1991, o mundo recebeu um dos videojogos mais influentes de sempre, The Legend of Zelda: A Link to the Past, um exclusivo da Nintendo saído da mente de Shigeru Miyamoto e Takashi Tezuka. A Link to the Past definiu os jogos de ação e aventura, cimentando as fundações do género e perpetuando The Legend of Zelda como uma das séries mais aclamadas da História. A sua influência é tão grande que não se limita às fronteiras dos videojogos e pode até ser sentida noutros meios culturais, como o cinema ou a animação. Ter uma geração de programadores de videojogos inspirados por si não é surpresa, como podemos comprovar por The Swords of Ditto, lançado a 24 de Abril, pelo estúdio indie onebitbeyond.

O apelo imediato deste jogo indie passa pela direção de arte reminiscente das séries de animação contemporâneas, em especial pela Adventure Time (que é curiosamente um dos exemplos influenciados por Zelda), com o seu visual colorido, traço forte e uma construção de mundo e personagens que mistura humanos com criaturas simpáticas. The Swords of Ditto é visualmente brilhante em cada momento, cheio de detalhes deliciosos que conseguem empalidecer muitas séries de animação por comparação.

O jogo começa como tantas outras histórias: o protagonista é indicado como o escolhido na luta contra a maléfica feiticeira Mormo, tornando-se o herói conhecido como a Espada de Ditto. Cabe-lhe a missão de confrontar a vilã, orientado pelo espírito de Puku, o escaravelho-de-estrume que serve de guia espiritual, mas acabar por morrer neste confronto. Cem anos depois, acordamos com um novo personagem a quem Puku informa que foi escolhido para ser a nova Espada de Ditto e que temos quatro dias até confrontarmos Mormo novamente.

É com esta diferença temática que percebemos a premissa de The Swords of Ditto e é o que faz dele tão diferente e divertido. Este jogo abraça a ideia que os heróis são perecíveis — e em muitos aspetos descartáveis — já que podemos morrer a qualquer momento, dentro dos quatro dias que temos ou, terminando esse período, no confronto obrigatória com a bruxa.

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Tradicionalmente, estamos habituados a que os heróis sejam quase infalíveis e, especialmente nos videojogos, temos esta ideia de tentativa e erro até alcançarmos o nosso objetivo final. O herói nunca morre. O vilão, quando é derrotado, é-o (quase sempre) de forma definitiva. Aqui não. Cada morte do herói e/ou do vilão leva apenas a que o ciclo seja reestabelecido cem anos depois, num Groundhog Day gigante, até encontrarmos forma de eliminar a bruxa de uma vez por todas.

Quando renascemos num novo corpo, cem anos depois, basta-nos encontrar a espada do herói, para que as suas memórias e poderes sejam “passadas” para o novo personagem e para que ele (ou ela) progrida a partir de onde o antecessor ficou. Mas, para mantermos o jogo “fresco”, sempre que morremos o mundo é gerado de forma a ser sempre diferente e que cada reencarnação seja uma experiência “nova”. Os poderes e upgrades permanentes que encontrámos continuam connosco, mas a configuração do mapa é inteiramente nova.

Quando ganhamos uma nova vida, a decisão do que há a fazer dentro dos quatro dias passa apenas pelos utilizadores. Podemos ir diretamente ao castelo de Mormo para defrontá-la (ainda que nas primeiras horas de jogo é provável que não tenhamos o poder, equipamento e perícia necessárias para derrotá-la) ou podemos investir em evoluir o personagem. O único senão desta ideia é o facto de termos de percorrer o caminho que começa na cama onde acordamos no início de cada “vida” e que termina no cemitério, onde obtemos a espada sempre que renascemos — o que leva a uma repetição desnecessária que o resto do jogo não possui. É algo que é facilmente solucionável se os criadores encontrarem forma de atalhar este momento que tem de ser feito tantas vezes.

Esta ideia de morte e renascimento em personagens novos, que “herdam” habilidades dos seus antecessores não é nova. Já em 2013, um jogo indie chamado Rogue Legacy baseava toda a sua jogabilidade na ideia da efemeridade dos nossos heróis, e de passarmos as suas características como herança para os descendentes.

The Swords of Ditto consegue misturar na perfeição um jogo desafiante com uma excelente premissa com um visual e um tom infantil, no melhor dos sentidos da palavra. Este mundo é de crianças e todos os seus pormenores o demonstram. A começar pelo equipamento com poderes diferentes que o herói empunha e que são brinquedos literais compradas na loja da cidade (e que podem ser herdados para as próximas reencarnações), seja pelos autocolantes que colocamos nos brinquedos para dar bonificações aos nossos atributos.

A decisão do estúdio onebitbeyond — de introduzir um modo para dois jogadores localmente — vem apenas contribuir para melhorar os excelentes aspetos do jogo, como o combate com a interessante diversidade de inimigos e a exploração de um mundo que se “reinventa” sempre que renascemos. Com tantas combinações de poderes, equipamento e cromos para utilizarmos, além da mudança visual do protagonista em cada reencarnação (a partir de um certo número de mortes, podemos optar por nem ser humanos) e de um mundo vasto e colorido para descobrir, há um desafio e uma longevidade estrondosas neste título independente.

The Swords of Ditto está disponível para PlayStation 4 e PC por 19,99 euros e é um jogo para toda a família, que consegue alcançar o difícil equilíbrio de ser um bom jogo de aventura, criativo, com elementos apelativos a todos as idades. Visualmente brilhante, é na vulnerabilidade do papel do herói falível que consegue, de forma criativa, misturar ideias tradicionais e nostálgicas com um apelo tão contemporâneo. Um jogo que tem tanto de leve e pueril como tem de desafiante e criativo, ideal para uns momentos de riso num dos jogos indie da atualidade que melhor transpõe a barreira entre os videojogos e as séries de animação.

Ricardo Correia, Rubber Chicken