A erva-estrelada (Arabidopsis thaliana) é uma planta pequena de flores discretas, mas que tem sido muito útil em botânica. Foi a primeira planta a ter o genoma completamente sequenciado. Para a equipa de José Feijó, investigador na Universidade de Maryland, tem um simbolismo especial: é a segunda vez que a investigação com esta planta lhes garante a capa da Science, uma das mais exigentes revistas científicas. Desta vez, o que a equipa internacional de investigadores traz é um novo modelo para a comunicação entre as células das plantas, resultado de quase oito anos de trabalho.

“O artigo científico de Wudick e colaboradores sobre botânica destacou-se por ter um interesse visual claro, com base nas imagens que os autores forneceram”, esclarece ao Observador Meagan Phelan, diretora executiva Science Press Package (conteúdos para a imprensa). O objetivo é que as capas reflitam a diversidade de disciplinas cujos trabalhos são publicados na revista semanalmente, mas a imagem também deve ser apelativa em termos gráficos.

A competição é feroz, porque a visibilidade que a capa de uma revista destas acarreta é ridícula, e muitas vezes desproporcionada em relação ao peso da ciência que lhe está associada. Quando se consegue duas, como é até agora o nosso caso na Science, é jackpot“, diz José Feijó ao Observador.

A sequenciação do genoma da erva-estrelada permitiu descobrir que as células das plantas, à semelhança do que acontece com as células dos animais, têm recetores de glutamato. Mas foram precisos mais de 10 anos para que o grupo de José Feijó, na altura no Instituto Gulbenkian de Ciência, demonstrasse que estes recetores “funcionavam como canais de cálcio e estavam implicados nos mecanismo de reprodução das plantas com flor”. Foi com este artigo de 2011 que conseguiram a primeira capa na Science. “Isso lançou uma série de equipas no mundo inteiro nesta área, com importantes descobertas em dezenas de artigos”, conta o investigador.

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Capa da revista Science, com uma imagem de microscopia de fluorescência de uma flor de ‘Arabidopsis thaliana’, com seis órgãos masculinos (antera) contendo grãos de pólen (pontos azuis) e um órgão feminino central (ovário) com duas linhas de óvulos (azul claro em baixo) que estão a ser alvo dos tubos polínicos (linhas laranjas) — Pedro Lima e José Feijó

O cálcio é essencial para a comunicação de células animais e vegetais, logo os recetores de glutamato têm uma importância fundamental na resposta das células, seja no funcionamento normal, seja como resposta às agressões do ambiente. “A primeira resposta de um óvulo quando se funde com o espermatozoide, é um tsunami de cálcio que comunica a todo óvulo que já foi fecundado, seja animal ou planta, como o nosso grupo demonstrou em dois artigos, um na Proceedings of the National Academy of Sciences, em 1999, e outro na Nature Cell Biology, em 2000”, conta José Feijó. “Um ovo fertilizado, de planta ou animal, só se desenvolve em embrião após um número crítico de ondas de cálcio, que se propagam no interior e sinalizam que é altura de se começarem a dividir num embrião”, continua.

Nos musgos, estes canais [de cálcio] são essenciais para que o esperma consiga nadar até ao óvulo para o fertilizar”, diz o investigador, lembrando o artigo publicado pela equipa, no ano passado, na revista Nature.

Depois, existem os impulsos nervosos que necessitam de picos de cálcio dentro dos neurónios para poderem ser transmitidos, as ondas de cálcio que se propagam nas fibras musculares cardíacas para fazer bater o coração ou o aumento da concentração de cálcio nas células que indica que está na altura da célula se suicidar. São também as ondas de cálcio que sinalizam que uma planta está a ser atacada por uma bactéria ou por um herbívoro e que fazem com que a planta prepare a resposta de defesa. “Quando [os códigos de cálcio estão] desregulados, patologias severas ocorrem, tanto em animais como em plantas”, esclarece o investigador.

O que a equipa de investigadores demonstrou agora é que as células das plantas, além de terem recetores de glutamato na membrana das células como acontece no sistema nervoso, têm recetores de glutamato noutros compartimentos da célula. “Esta localização e a sua atividade é regulada por outro grupo de proteínas chamadas ‘cornichon'”, completa José Feijó. Como há vários compartimentos celulares a gerar códigos de cálcio nas células vegetais, o vocabulário usado pelas células das plantas é diferente daquele que é usado pelos neurónios. O que torna as plantas melhor adaptadas em termos de stress ambiental e de resposta imunitária a infeções e ataques.

A equipa usou as células do pólen de ‘Arabidopsis thaliana’, que é a célula com maior velocidade de crescimento na natureza (o tubo polínico cresce em direção aos óvulos, em baixo). As células do pólen têm de percorrer uma grande distância, mudar de direção se necessário e decidir quando libertam as células reprodutoras masculinas, por isso são um dos melhores sistemas de estudo de comunicação entre células — Pedro Lima e José Feijó

Estes resultados permitem compreender melhor as respostas imunitárias das plantas, “levando a melhores estratégias de defender plantas de infeções”, os fenómenos de reprodução, “que poderão levar a maior e melhor produção de sementes”, e as respostas das plantas ao stress ambiental, “o que poderá levar a melhores estratégias de adaptação às alterações climáticas”.

A equipa de José Feijó vai continuar a “aprofundar o conhecimento da estrutura dos recetores de glutamato”: comparar os recetores dos grãos de pólen que usaram nesta experiência com os neurónios, conhecer as diferenças e como evoluíram em cada caso; compreender porque é que as plantas têm tantos recetores de glutamato diferentes e que novas funções podem estar associadas a esta diversidade; e, talvez, perceber como é os recetores de glutamato humanos estão envolvidos em tantas patologias.