Revolução em Alvalade: quando se pensava que as grandes decisões poderiam ficar adiadas para segunda-feira (em alguns casos, era isso o combinado nos bastidores), começaram a surgir demissões em catadupa na estrutura dos órgãos sociais do Sporting. Umas estão consumadas, outras irão efetivar-se ainda esta quinta-feira. No entanto, uma coisa é certa: nesta altura, parece afastado o cenário de perda de quórum do Conselho Diretivo. Ou seja, Bruno de Carvalho só sai por iniciativa própria. E nem a eventualidade de haver um processo disciplinar o demove de fazer o que considera ser o melhor para o Sporting.
Vamos então recuar aos últimos dias e aos bastidores daquilo que tem sido a “guerra política” em Alvalade depois do que se passou na Academia, na passada terça-feira. Logo no dia dos ataques em Alcochete, Jaime Marta Soares deslocou-se à Academia e, após algumas conversas com jogadores e o treinador Jorge Jesus, entendeu que não havia mais condições para que o líder da Direção ficasse no lugar. Por isso, anunciou que iria haver uma reunião na segunda-feira entre todos os órgãos sociais, após a final da Taça de Portugal. Objetivo? Fazer com que Conselho Diretivo, Mesa da Assembleia Geral e Conselho Fiscal se demitissem em bloco.
Esta quarta-feira, realizaram-se duas reuniões paralelas em Alvalade, uma da Direção e outra da Mesa da Assembleia Geral. Na segunda, Jaime Marta Soares ouviu dos seus pares uma intenção clara de precipitação do cenário de demissão ainda antes da final da Taça de Portugal. Mas na reunião da Direção surgiu algo que mudou um pouco este “xadrez”: além de reforçar a condenação dos atos hediondos na Academia, o Conselho Diretivo avançou com o pedido de uma Assembleia Geral Extraordinária com um único (e lato) ponto que passava pela auscultação dos associados e esclarecimentos de todas as dúvidas existentes. Com essa tomada de posição, Marta Soares acabou por repetir o que dissera na véspera — iria juntar todos os órgãos na segunda-feira.
https://observador.pt/2018/05/17/mais-um-dia-de-crise-no-sporting/
Numa espécie do “jogo do empurra”, uns queriam ganhar tempo, outros queriam encurtá-lo. Bruno de Carvalho apercebeu-se do que se passava à sua volta e das movimentações que os principais opositores nesta altura estavam a fazer (por exemplo, o facto de ter visto entrevistas seguidas de José Maria Ricciardi e Rogério Alves na SIC Notícias e na RTP 3, quase seguidas). Mas o presidente do Sporting tinha uma ideia muito clara: não admitir sequer uma eventual demissão enquanto não ficasse claro para todos que nada tinha a ver com o que se passara na Academia, algo que para si era ponto de honra; e ter espaço para analisar o que está em causa no alegado caso de corrupção no Campeonato Nacional de andebol (que entretanto chegou ao futebol). A ideia era poder dar todas as explicações do que realmente se passou ou não de forma sustentada, negando o que houvesse para negar. Esta quinta-feira, de uma forma até um pouco ziguezagueante (em baixo explicamos porquê), Jaime Marta Soares tirou-lhe o tapete.
Numa primeira instância, o presidente da Mesa da Assembleia Geral disse ao Observador que estaria a ponderar a colocação de um processo disciplinar a Bruno de Carvalho, situação que seria analisada pelo Conselho Fiscal; mais tarde, à Lusa, já depois de ser público que havia pelo menos dois membros deste órgão que tinham batido com a porta, admitiu a queda em bloco do Conselho Fiscal; depois, à TSF, argumentou que queria que todos se demitissem para convocar eleições no Sporting. “Nenhum dos órgãos sociais do Sporting tem o direito de se querer manter no exercício das funções pondo e causando graves prejuízos aos Sporting com essa atitude. Há que dar de imediato a palavra aos sócios, através de eleições, para que escolham as pessoas certas para estar à frente dos destinos do clube. Esta situação não pode mais manter-se, não há espaço para continuar. Tem de ser já, de imediato, demitirem-se todos os órgãos sociais para que possamos dar a palavra aos sócios. Apelo à direção, ao senhor presidente Bruno de Carvalho, que siga este nosso exemplo, que apresente a sua demissão, e do Conselho Diretivo”, destacou.
O apelo ficou feito mas voltamos a um ponto supracitado: Bruno de Carvalho, e/ou a Direção dos leões, só saem se perderem o quórum (cenário muito improvável neste momento) ou por vontade própria. E estão “escudados” pelos estatutos: a demissão da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Fiscal e Disciplinar só obriga a que existam eleições para esses órgãos e não para todos os órgãos (que passaram a ser apenas três, porque o Conselho Leonino desapareceu até em termos estatutários por aprovação da última reunião magna dos verde e brancos). Aliás, se recuarmos 30 anos vemos um caso com algumas parecenças no clube, não pelas razões em causa — que são quase opostas — mas pelo contexto truculento de instabilidade política que se gerou.
As eleições de 1988 foram um marco para o Sporting. Por um lado, porque houve uma adesão nunca antes vista nem Alvalade, nem qualquer clube nacional (mais de 17 mil pessoas); por outro, porque os 63% conseguidos por Jorge Gonçalves simbolizaram um corte com o maior reinado — e até legado — nos verde e brancos, de João Rocha (1973-1986), a que se seguiu, sem sucesso, Amado Freitas. Tanto assim foi que, uns meses depois, numa Assembleia Geral, a polícia teve de ser chamada pelos desacatos entre apoiantes do então elenco e os apoiantes da ala Rocha. No entanto, o empresário acabou por ter meses a fio repletos de equívocos e o clube foi-se afundado em problemas. Menos de um ano depois, o Conselho Fiscal e Disciplinar apresentou a demissão, houve baixas na Mesa da Assembleia Geral e demissões na Direção. Sérgio Abrantes Mendes, então presidente da Mesa, apelou a Jorge Gonçalves para se demitir mas o mesmo respondeu que estava na Holanda em busca do dinheiro que em Portugal era impossível encontrar. E não saiu. Só quando o Conselho Diretivo perdeu o quórum em relação ao número de elementos efetivos é que foi marcado novo sufrágio, no Verão de 1989 (Sousa Cintra venceria com 64%).
Esta manhã, em relação à Mesa da Assembleia Geral, a vice-presidente Eduarda Proença de Carvalho e o suplente Diogo Orvalho foram os primeiros a apresentarem a sua demissão, que se transformou numa posição em bloco pouco depois com a queda do presidente do órgão, Jaime Marta Soares, e dos secretários Miguel de Castro, Luís Pereira e Tiago Abade. Ao mesmo tempo, o Conselho Fiscal e Disciplinar ia preparando a carta onde apresentava a demissão do presidente Nuno Silvério Marques, do vice Vicente Caldeira Pires e dos vogais Vítor Vale, Miguel Fernandes, Nuno Santos e João Carlos Peixoto da Silva. Deste órgão, que já tinha sofrido uma baixa há pouco mais de um mês com a saída de Jorge Gaspar, e sem contabilizar aqui os suplentes, apenas Fernando de Carvalho não terá assinado essa mesma carta de demissão do Conselho Fiscal e Disciplinar.
Em paralelo, em em relação ao Conselho Diretivo, o Observador sabe que podem sair alguns elementos sem que o órgão perca o quórum. Ou seja, o jornal Record avança com a saída eminente de António Rebelo, um dos dois vice-presidentes do clube (eram três mas Vicente Moura saiu há sensivelmente um ano) e poderá haver mais uma demissão entre os vogais (que são sete), mas isso nunca irá quebrar a maioria necessária para se manter em funções. De recordar que, além do presidente Bruno de Carvalho e dos vices Carlos Vieira e António Rebelo, são vogais Rui Caeiro, Bruno Mascarenhas, José Quintela, Alexandre Godinho, Luís Roque, Luís Gestas e Luís Loureiro. Ou seja, entre estes, terá de haver seis demissões para a queda da Direção. Entretanto, foi confirmada a saída de um dos vogais, Luís Loureiro, e de Rita Matos e Jorge Sanches, que eram suplentes. Ato contínuo, foi marcada uma reunião que já está a decorrer em Alvalade.