O fim de semana do Sporting voltou a ter pontos altos que, por momentos, pareciam fazer esquecer toda uma grave crise institucional que o clube atravessa. É certo que no domingo, por exemplo, a equipa de andebol perdeu a Taça de Portugal com o Benfica, mas antes houve o triunfo do conjunto de hóquei em patins na Luz que colocou os leões a uma vitória do Campeonato que não ganham desde o final dos anos 80, a vitória da equipa feminina de atletismo na Taça dos Clubes Campeões Europeus de Pista e a conquista da Taça de Portugal em futebol feminino. No entanto, dando uma vista de olhos pela sempre ativa blogosfera verde e branca, não é só isso que se discute. Longe disso.

Entre os críticos de Bruno de Carvalho que recordam as palavras do atual presidente quando queria que Godinho Lopes se demitisse e convocasse eleições em 2013 e os apoiantes do líder leonino que nomeiam tudo o que foi feito nos últimos cinco anos, o clube está dividido. Ou melhor, foi-se dividindo. Nos adeptos, nos sócios e até em termos de órgãos sociais, com posições cada vez mais extremadas entre Conselho Diretivo e Mesa da Assembleia Geral. Por cada braço-de-ferro que se assume, há outro braço-de-ferro a ser criado. E esta é a radiografia das cinco grandes questões do momento, não só no plano interno mas também entre os opositores e no próprio futebol.

Mais do que haver ou não, quem paga a AG Extraordinária?

Quando Jaime Marta Soares, à saída da reunião dos órgãos sociais na passada quinta-feira, anunciou entre apupos e insultos que iria convocar uma Assembleia Geral Extraordinária para destituição dos órgãos sociais, a medida foi tomada como uma espécie de fumo branco em relação a uma decisão sobre o futuro do Sporting. Com o passar dos dias, já se percebeu que a ideia estava errada. E é sobre a reunião magna que se centram baterias.

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Por um lado, a posição de Jaime Marta Soares. O presidente da Mesa da Assembleia Geral, que está demissionário mas não terá ainda entregue a carta de demissão (uma das novidades dos últimos dias), considera que a palavra deve ser dada aos sócios e avançou com a medida tendo como “escudo” os mais de 4.000 votos que pediam através de um requerimento uma Assembleia Geral Extraordinária com ponto único de destituição do Conselho Diretivo. Mas não fica por aí: entre várias medidas estudadas para o encontro que terá lugar no dia 23 de junho na Altice Arena está a possibilidade de haver uma votação separada para destituição de cada um dos elementos ou a estratégia de retardar ao máximo a publicação da convocatória da AG para minimizar as ações de resposta que se deverão seguir. Esta terça-feira, foi destacado, de novo em comunicado, que pelos estatutos do clube o Conselho Diretivo tem o dever de dotar a Mesa da Assembleia Geral com todos os meios para a organização do encontro.

Por outro, o lado de Bruno de Carvalho. O líder leonino, que continua a falar em pressões externas para a queda de elementos do Conselho Diretivo que retirem o quórum ao órgão e de “mentiras” por parte de Marta Soares, fará uso de todos os meios disponíveis para anular a Assembleia Geral Extraordinária, seja através da impugnação da mesma por eventuais regularidades, seja com a colocação de uma providência cautelar. Em paralelo, houve uma lista de assinaturas no último domingo, na sessão de esclarecimentos, para revogar esse pedido de reunião magna, que será indexado a esses entraves para a não realização desse ato. Questão essencial no meio de toda esta “guerra”: quem vai pagar o aluguer da Altice Arena e a mobilização de toda a logística para a AG? A Direção não parece estar disposta a cobrir esses custos para ser “votada”, a Mesa considera que, se fosse assim, também não deveria haver sessões de esclarecimento, que envolvem verbas de aluguer de espaços e funcionários.

A ata, a Comissão de Gestão e a Comissão de Fiscalização

A revelação pública da ata da última reunião dos órgãos sociais, num email enviado a todos os associados, foi uma espécie de gota de água que fez eclodir uma série de tomadas de posição da Mesa da Assembleia Geral e do Conselho Diretivo, a começar por uma queixa interposta junto da Procuradoria Geral da República por parte da Mesa pela divulgação de um documento interno que não passava de uma proposta de ata, sem as devidas assinaturas de todos os elementos presentes na reunião e, de acordo com alguns, com omissões ou opiniões truncadas.

Num comunicado emitido esta segunda-feira à noite, a Mesa da Assembleia Geral anunciou que irá designar uma Comissão de Fiscalização enquanto não forem feitas eleições no Conselho Fiscal e Disciplinar (CFD), ao abrigo do 41.º artigo dos estatutos. Essa Comissão, que nasce porque os elementos demissionários do CFD terão mostrado a sua impossibilidade em avaliar qualquer processo por estarem de saída, será nomeada pelo próprio Jaime Marta Soares, com número ímpar de elementos associados do clube pelo menos há cinco anos de forma ininterrupta. Objetivo? Encontrar um outro “instrumento” que possa abrir novas frentes de batalha além da Assembleia Geral Extraordinária, numa medida raríssima na vida interna do clube e que foi utilizada em termos práticos, pela última vez, com João Rocha, em 1979, quando o então presidente nomeou uma Comissão de Gestão em reunião magna que se manteve durante quase um ano até haver novas eleições… e ser novamente reconduzido no cargo. Neste caso, e como a Direção mantém o quórum, nunca poderia ser criada essa mesma figura.

Em resposta, e num comunicado assinado pelo porta-voz de Bruno de Carvalho, Fernando Correia, o Conselho Diretivo falou numa “nova tentativa de assalto ao poder”. Argumentos? Não existe qualquer motivo até no plano estatutário para avançar com a referida Comissão de Fiscalização, que mais não seria do que um mecanismo para poder fazer avançar os processos disciplinares contra os elementos da Direção. Em paralelo, deixou uma certeza que já era conhecida de todos: não estará disponível nem para preparar nem para pagar a AG na Altice Arena. No entanto, houve uma “notícia” no meio da resposta: Luís Gestas e Luís Roque teriam sido convidados para uma Comissão de Gestão, numa medida que levaria à queda da Direção. No comunicado feito esta terça-feira, assinado por Jaime Marta Soares, esta parte não foi alvo de desmentido, mas o Observador sabe que a solução para essa Comissão de Fiscalização deverá passar por elementos que possam estar acima de qualquer crítica ou ligação a qualquer “fação” (dos nomes inicialmente falados, apenas um chegou a integrar listas candidatas aos órgãos sociais).

Para quando as eleições para Mesa e Conselho Fiscal e Disciplinar?

Existe uma ideia paradoxal no último comunicado assinado pelo porta-voz do presidente leonino, Fernando Correia: por um lado, defende na missiva que o facto de haver um elemento (vogal) que não se demitiu no Conselho Fiscal e Disciplinar (Fernando Carvalho), bem como membros suplentes que ainda não se pronunciaram sobre o imbróglio criado em termos diretivos, faz com que o órgão continue em funções – ou seja, não existe qualquer base para a criação de uma Comissão de Fiscalização; por outro, como foi referido na sessão de esclarecimento de domingo, o atual elenco pretende que sejam marcadas eleições não só para o Conselho Fiscal e Disciplinar mas também para a Mesa da Assembleia Geral porque ambos os órgãos estão demissionários e perderam quórum.

Apesar de haver a dúvida sobre a renúncia ou não de Jaime Marta Soares ao cargo de líder da Mesa da Assembleia Geral (uma das questões mais recentes), a verdade é que o órgão decidiu demitir-se. A vice Eduarda Proença de Carvalho e o suplente Diogo Orvalho apresentaram a demissão, os outros membros caíram “em bloco” nesse mesmo dia, uma quinta-feira onde também seis membros do Conselho Fiscal e Disciplinar anunciaram a sua saída do cargo e enviaram cartas individuais para apresentar essa mesma renúncia. Partindo desse pressuposto, em paralelo com a Assembleia Geral Extraordinária para destituição do Conselho Diretivo e em conformidade com os estatutos, terão de ser marcadas eleições para os restantes dois órgãos, com um prazo definido pelos estatutos.

Jogando com esse dado, o elenco presidido por Bruno de Carvalho jogou em antecipação e formou listas para esses dois órgãos, tendo como cabeças de lista Elsa Tiago Judas para a Mesa da Assembleia Geral e Subtil de Sousa para o Conselho Fiscal e Disciplinar. Aliás, os nomes já constavam nas listagens de assinaturas que foram recolhidas no domingo em Alvalade, aproveitando a presença de 366 sócios no Pavilhão João Rocha (num total de quase 1.600 votos), e que deverão agora passar também por Faro e pelo Porto, nas outras sessões de esclarecimento.

Daqui resulta também uma curiosidade: Elsa Tiago Judas, jurista que integrou um dos painéis do recente Congresso “The Future of Football” e é presença regular na Sporting TV, poderá ser a primeira mulher a liderar o cargo no clube, que acaba por ser em termos institucionais o número 1 na hierarquia leonina. Antes, e recuando aos tempos de João Rocha (década de 70 e 80), Maria Esteves Salgado, Olinda Araújo (que acompanhou também Amado Freitas, entre 1986 e 1988), Cristina Martinho (Sousa Cintra, início dos anos 90) e Isabel Trigo Mira (Pedro Santana Lopes, 1995-96) foram vice-secretárias da Mesa; Ana Santos Ferro (nos mandados de José Roquette e Dias da Cunha, entre o final dos anos 90 e o início do século XXI) e Filipa Xara Brasil (Soares Franco) foram secretárias na Mesa; e, agora, Eduarda Proença de Carvalho foi vice-presidente da Mesa com Bruno de Carvalho. Em relação a Subtil de Sousa, seria um regresso aos órgãos sociais depois de ter sido vice de Sousa Cintra entre 1989 e 1991.

O posicionamento dos outros candidatos (assumidos ou não)

O quadro “político” do Sporting em termos externos continua a ser marcado pela volatilidade. Um exemplo prático: na semana passada, quando se discutia ainda o que sairia ou não da reunião dos órgãos sociais em Alvalade, Rogério Alves era o nome que mais vezes se ouvia no universo verde e branco, até por terem sido públicos os encontros com João Benedito e José Couceiro, entre outros dirigentes de várias federações desportiva; agora, “o” candidato num eventual cenário de eleições é o antigo diretor e coordenador do departamento médico, Frederico Varandas, havendo ainda a possibilidade do antigo atleta Dionísio Castro poder também avançar com um projeto.

Das várias fontes com quem o Observador foi falando, ressaltam três grandes ideias em relação às movimentações dos últimos dias: 1) a afirmação de Frederico Varandas, a breve ou médio prazo, está dependente da capacidade que terá de juntar outras fações ou movimentos no clube, nomeadamente a possibilidade de “cobrir” uma eventual terceira via que possa aparecer preconizada por alguém com o perfil de outro nome sempre muito falado, João Benedito, e que dividiria o eleitorado que está contra Bruno de Carvalho; 2) com o passar dos dias, a hipótese de haver uma eventual queda do Conselho Diretivo vai perdendo força, até por se perceber que a reestruturação financeira que está em cima da mesa funcionará como um trunfo muito forte do atual elenco; 3) o futuro do Sporting dificilmente ficará mais resolvido após a Assembleia Geral Extraordinária, na medida em que poucos acreditam que possa haver uma real discussão do momento do clube com os ânimos crispados como estão.

Jorge Jesus, o fim de linha e as possíveis soluções

A seguir à derrota do Sporting na Madeira frente ao Marítimo, Bruno de Carvalho foi muito claro com Jorge Jesus: a ausência da Liga dos Campeões (ou da terceira pré-eliminatória de acesso à fase de grupos) hipotecou uma quantia acima dos 20 milhões de euros que estaria contemplada no orçamento para a próxima temporada, naquele que foi o segundo ano consecutivo a terminar na terceira posição. Assim, era um projeto que teria chegado ao fim de linha. Agora, com tudo o que se passou entretanto, essa realidade parece ter sofrido uma ligeira alteração.

No passado domingo, Augusto Inácio, novo diretor geral do futebol leonino, assumiu que falou duas vezes com o técnico por telefone mas não garantiu que Jesus prosseguisse no clube. “O presidente é que está a tratar dessa situação. Não sei se vai continuar, sei que tem contrato. Se não houver desenvolvimentos, é treinador do Sporting”, comentou na RTP3. Entretanto, segundo o Record, existiu um encontro entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus, onde terá havido uma postura menos conclusiva em relação a uma eventual saída. Pelo meio, há também o assédio do Al-Hilal, da Arábia Saudita, que em condições normais seria um projeto que o treinador não teria interesse mas que, numa perspetiva de “ano sabático” fora do Campeonato Nacional, até poderia entrar na equação.

A decisão sobre uma possível saída acaba assim por estar “congelada”, dentro de um contexto particular de grande instabilidade em termos diretivos onde qualquer decisão é pensada com redobrado cuidado, perante o impacto que pode sempre ter noutros campos. No entanto, o Sporting parece estar também a prever uma eventual saída do atual treinador, com duas hipóteses em cima da mesa: a opção por mais um técnico português, que conheça a realidade nacionais e tenho uma ideia de jogo interessante que pudesse encaixar nos leões (Miguel Cardoso e Sá Pinto foram dois dos nomes falados pela imprensa desportiva); ou a aposta (inédita na era Bruno de Carvalho) num treinador estrangeiro, com experiência internacional e trabalho reconhecido no desenvolvimento de jovens talentos.

No meio deste turbilhão, e já depois da reação por comunicado da Mesa da Assembleia Geral, o Conselho Diretivo enviou um email a todos os associados com uma série de documentos que têm estado na base da discussão.

“Em face de mais um comunicado inusitado do presidente da Mesa da Assembleia Geral, ontem à noite, que a todos nos surpreendeu pela manutenção despudorada e irresponsável da natureza de assalto ao poder, fomos forçados a reagir, novamente, revelando publicamente vários pormenores que deviam ficar apenas no conhecimento dos associados do Sporting Clube de Portugal. Junto enviamos o comunicado emitido ontem à noite pelo porta-voz do Presidente do Conselho Diretivo; o comunicado do Presidente da MAG em que anuncia a nomeação ilegal de uma Comissão de Fiscalização que viola os estatutos do Clube; a convocatória ilegal da AG Destitutiva; e o pedido de apoio logístico ao Sporting para a organização de uma AG que, por ser ilegal, não se pode realizar”, refere a missiva com os respetivos PDF dos documentos em causa.

“Aquilo que se exige é que os estatutos sejam cumpridos e que haja respeito pelos associados do Sporting Clube de Portugal. Nesse sentido, foi formalmente pedido que o presidente demissionário da MAG nos diga a data para que irá convocar, de acordo com o artigo 46 n.° 2, a AG eleitoral para que as eleições para a MAG e o CFD, que têm de realizar-se até ao próximo dia 1 de Julho. Também informamos que foi formalmente pedido que seja realizada uma AG Ordinária até 15 de junho para aprovação do orçamento e cujo ponto 2 será o que estava no programa eleitoral deste Conselho Diretivo que é a discussão sobre a situação do Clube”, concluiu o email.

Notícia atualizada a 29 de maio às 17 horas com o email enviado pelo Conselho Diretivo