Ainda antes de arrancar a sério a comissão parlamentar de inquérito às rendas excessivas da eletricidade, os partidos à esquerda do PS, aumentam a pressão sobre o Governo para devolver aos consumidores de eletricidade os 510 milhões de euros, supostamente pagos a mais, por via dos contratos com as centrais da EDP. E com efeitos já no próximo ano, com uma descida significativa do preço da eletricidade.
PCP e Bloco de Esquerda aproveitaram a ida ao Parlamento do secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, para voltar a exigir ao Governo que tire consequências do parecer da Procuradoria Geral da República que admite a nulidade dos custos de manutenção do equilíbrio contratual (CMEC), que levaram ao pagamento de 2.500 mil milhões de euros às centrais da EDP na última década.
Jorge Costa, deputado do Bloco, recordou as palavras ditas no Parlamento pelo Governo PSD/CDS que aprovou o regime que muitos apontam como constituindo a principal “renda excessiva” paga à EDP pelos consumidores de eletricidade.
“O Governo dizia em 2004 — pela voz do então secretário de Estado da Energia, Manuel Lancastre — que não íamos pagar mais com os CMEC do que os pagamentos com o CAE (o regime anterior). E quem fez as contas foi a entidade reguladora, a ERSE, que diz que foram cobrados a mais 510 milhões de euros. É o valor que falta ajustar e esse não é um encargo da comissão parlamentar de inquérito. É muito importante que essas contas tenham efeito nas tarifas de 2019. É um excedente ilegítimo à luz da lei que tem de ser devolvido”.
A questão já tinha sido colocada pela coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, ao primeiro-ministro, António Costa, no último debate quinzenal, mas o partido não deixa cair o tema e voltou a fazer a pergunta esta terça-feira no Parlamento.
Na mesma linha, também Bruno Dias do PCP, um dos partidos que chamou o secretário de Estado à comissão de economia a obras públicas, para esclarecer a legalidade dos CMEC, pediu consequências nos preços da eletricidade. “Estamos a constatar a ilegitimidade do sobrecusto pago pelos consumidores desde 2005. E isso tem de se traduzir em euros que as pessoas têm a haver. Implica não apenas uma redução dos custos e dos preços, mas também uma compensação”, disse o Bruno Dias.
Seguro Sanches começou por elencar as várias medidas já decididas pelo Governo para reduzir os encargos incluídos no sistema elétrico, destacando em particular a diminuição em 60% dos valores a pagar à EDP até ao fim dos contratos CMEC. O secretário de Estado da Energia reconheceu que os consumidores ainda não estavam a sentir muito os efeitos da redução dos custos nos CMEC, mas remeteu a responsabilidade para uma decisão do anterior Executivo
“Em 2018 estamos a pagar os ajustamentos dos CMEC devidos em 2014. Só a partir de agora vamos sentir isto de forma mais eficaz. Estamos no bom caminho, no caminho certo.”
Confrontado com os argumentos dos que pedem a devolução nos preços da eletricidade, dos ganhos passados da EDP com a mudança do regime dos CAE para os CMEC, Seguro Sanches respondeu:
“Sujeito-me à lei e ao quadro legal. Um membro do Governo deve estar sujeito à lei. Será que a lei foi bem aplicada? Se chegarmos à conclusão de que houve aspetos inovatórios, temos um caminho”.
O secretário de Estado da Energia admite que essa compensação possa vir a ser exigida à elétrica, tal como aconteceu no ano passado com outras decisões políticas consideradas nulas, como a transferência de uma parte dos custos com contribuição sobre a energia para os consumidores. No entanto, remete os cálculos para os serviços, a quem foi pedido que fizessem as contas ao ganho financeiro que a EDP terá tido com eventuais inovações introduzidas no regime dos CMEC — nomeadamente pelo Governo de Sócrates — face à lei aprovada pelo Executivo PSD/CDS em 2004. O que não é a mesma coisa que a conta feita pela ERSE. O pagamento adicional de 510 milhões de euros resulta, segundo o regulador, da passagem do regime dos CAE (contratos de aquisição de energia) para os CMEC.
O Governo só atuará depois dos serviços, o regulador e Direção Geral de Energia e Geologia, apresentarem os montantes. Seguro Sanches defendeu que os pareceres emitidos pela PGR a pedido do Governo são um “instrumento vinculativo para a administração pública” que é preciso concretizar. Mas também defende a necessidade de tomar decisões “inatacáveis” do ponto de vista jurídico. “Podemos mudar a lei? Podemos não pagar o que está previsto no quadro da lei, mas pagaríamos em indemnizações em tribunal”, afirmou.
Sem se comprometer com valores ou com prazos — que seja o mais rápido possível — Seguro Sanches deixou a garantia.
“Se chegarmos à conclusão de que houve aspetos inovatórios, temos um caminho. Se no apuramento de verbas, houver valores indevidamente cobrados. Constanto-se irregularidade das situações, esse valor foi devolvido e recuperado pelos consumidores, como aconteceu na CESE. Não há dúvidas sobre isso”.
O secretário de Estado admite que há mais trabalho a fazer, mas sublinhou que o país está no bom caminho, dando como exemplo a redução das tarifas da eletricidade em 2018, pela primeira vez em vários anos.