O Ministério Público considerou esta quinta-feira que ao longo do julgamento do caso Fizz ficou provado que o magistrado Orlando Figueira e o advogado Paulo Blanco cometerem um crime de corrupção — o magistrado na forma passiva (corrompido) e o advogado na forma ativa (corruptor), mas ambos com grau de culpa diferente. E pediu ao tribunal que lhes aplicasse uma pena de prisão até cinco anos, mas suspensa. Quanto ao empresário Armindo Pires, que representa Manuel Vicente, a procuradora Leonor Machado considerou não haver prova de que tenha cometido qualquer crime.
Em julgamento estão o procurador Orlando Figueira, o advogado Paulo Blanco e o representante legal de Manuel Vicente em Portugal, Armindo Pires, acusados dos crimes de corrupção, falsificação de documento e violação do segredo de justiça. O ex-vice-Presidente angolano, que chegou a ser acusado por corrupção ativa no processo, será investigado num processo à parte, que o Tribunal da Relação decidiu entregar às autoridades angolanas. Em causa está o arquivamento de dois inquéritos que Figueira tinha em mãos e em que Vicente era investigado.
A procuradora Leonor Machado considerou que ao longo do julgamento ficou “claro” que Figueira cometeu um crime de corrupção passiva e que o crime de branqueamento de capitais se refletiu nas transferências de parte dos mais de 700 mil euros que fez para uma conta em Andorra. Não referiu, no entanto, o crime de violação do segredo de justiça deixando-o cair. Em relação a Paulo Blanco, a magistrada considerou apenas ter ficado provado o crime de corrupção ativa para ato ilícito. E deixou claro que o grau de culpa de ambos é diferente. O do magistrado Orlando Figueira “é mais intenso”, por se tratar de um magistrado que tinha conhecimento destas matérias. Mas como esteve preso ao longo de dois anos, a sua pena deve ser semelhante à de Blanco. Deve, por isso, o magistrado ser também suspenso de funções durante cinco anos.
Ministério Público considera que ligações com Manuel Vicente são óbvias
Durante as alegações finais, que começaram esta manhã e se deverão prolongar até sexta-feira, a procuradora Leonor Machado começou por lembrar que os indícios no processo devem ser avaliados “em conjunto”. A magistrada até considerou “brilhante” a forma como a defesa conseguiu abrir uma “brecha” no caso durante o julgamento, direcionando o caso para o presidente do Banco Privado Atlântico, Carlos Silva e dissociando-o de Vicente. No entanto, sublinhou, não há “dúvidas que as ligações entre Carlos Silva e Manuel Vicente são óbvias“.
“Carlos Silva agiu sempre no interesse de Manuel Vicente”, reforçou. Uma proximidade que, alega, “decorre do peso da Sonangol nas sociedades comerciais de Carlos Silva”, mesmo que a Sonangol, que à data dos crimes era liderada por Vicente, tenha sido “relegada para um plano secundário face à Globalpactum”. A Globalpactum é a empresa que detém a Atlântico Europa SGPS, onde está integrado o Banco Privado Atlântico. Por outro lado, uma das sociedades investigadas por Orlando Figueira, a Portmill, “não tem qualquer ligação a Carlos Silva, mas a Vicente”, reforçou.
A procuradora considerou “credíveis” as declarações do advogado Paulo Blanco, disse até que foi “amordaçado”, por neste momento não poder exercer a profissão relativamente a cidadãos angolanos visados no processo. E até lhe teceu alguns elogios, dizendo que fez o seu trabalho, como “um bom advogado”, que conseguia movimentar bem pelos corredores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).
Já quanto ao magistrado Orlando Figueira, foi bem mais crítica. Enquanto, por um lado, ao advogado Paulo Blanco cabia criar estas relações em defesa dos seus clientes, para Leonor Machado cabia a Figueira resguardar-se e não manter uma relação tão próxima com ele. Aliás, diz mesmo que ele “usou e abusou da confiança de Cândida Almeida“, a então diretora do DCIAP conhecida por escolher a sua equipa segundo critérios profissionais e “pessoais”. “Toda a gente sabe que a Dra. Cândida Almeida escolhia os seus magistrados de acordo com o lado pessoal”, disse. Leonor Machado até considera que podia ter acelerado o processo que tinha em mãos relativo a Manuel Vicente, dadas as eleições em Angola, mas isso não significava não fazer “as diligências mínimas” para apurar o que se passou”. Orlando Figueira mostrou-se desconfortável na cadeira por várias vezes.
Quanto ao empresário português, Armindo Pires, com plenos poderes para representar Manuel Vicente em Portugal, a procuradora considerou não haver indícios que o condenem pelos crimes de que vinha acusado. “Só há intervenção na expedição de um mail para Manuel Vicente, um telefonema e uma reunião com Paulo Blanco”, disse Leonor Machado, mesmo que nesse email haja uma referência a possíveis escutas, essas seriam relativas a investigações em que o alvo era Vicente.
A investigação pelo Google e pela Wikipedia
Rita Relógio, a advogada de Paulo Blanco, lembrou como ao longo de cerca de 50 sessões de julgamento as defesas tentaram “arduamente” mostrar que os arguidos não cometeram os crimes de que vinham acusados. Ainda assim recusou haver uma “estratégia comum” da defesa, como implicara a procuradora do Ministério Público.
Relógio arrasou a investigação, ao demonstrar que ficou sempre presa a uma carta anónima, cujas informações foram confirmadas por “fontes abertas da internet”, nomeadamente pelo Google e pela Wikipedia, como confirmou um dos inspetores da PJ ouvidos em tribunal. “A verdade é que o MP optou por não realizar diligências probatórias, por não valorar meios de prova que tinha antes da acusaçãoà sua disposição e, o que nos causa perplexidade, se o tivesse feito estes autos tinham terminado no arquivamento, pelo menos relativamente a Paulo Blanco”, disse.
A advogada sublinhou ainda como o processo afetou “a dignidade” de Paulo Blanco e como sofreu “consequências gravíssimas” com o mesmo. “A forma como a investigação foi conduzida neste processo e a leviandade como foi produzida a acusação envergonham a justiça portuguesa, por isso deste tribunal não podemos esperar menos do que a plena absolvição”, concluíu.
Já a advogada do procurador Orlando Figueira, Carla Marinho, começou por dizer que não existiu qualquer “acordo” entre arguidos e Manuel Vicente. “Orlando Figueira despachou os inquéritos de acordo com a lei e a sua consciência jurídica e com o conhecimento da sua superior hierárquica”, disse. A advogada explicou que Figueira foi contratado pelo banqueiro angolano apenas pelas suas competência e pelo seu conhecimento na área económico-financeira. Mas acabou por pedir para só terminar as alegações na sexta-feira, pois percebeu que teria que resumi-las para conseguir cumprir as duas horas estabelecidas pelo juiz para cada parte.
A carta anónima que volta a falar de Proença de Carvalho
O nome do advogado Proença de Carvalho, que Orlando Figueira e Paulo Blanco dizem ter intermediado o contrato celebrado com Carlos Silva, voltou a ser referido nesta sessão de julgamento pela procuradora. Leonor Machado considerou que, de facto, Proença de Carvalho participou na cessação do contrato de trabalho que Figueira fez com a empresa angolana Primagest — depois de o contrato não ter sido cumprido e de Figueira não ter ido trabalhar efetivamente para Angola.
O advogado, que foi várias vezes mencionado em julgamento e que pediu o levantamento do sigilio profissional para prestar declarações, admitiu que, de facto, participou nesta fase do contrato. Mas não a pedido do banqueiro Carlos Silva, tendo afirmado que foi apenas seu advogado num processo.
No entanto, durante esta quinta-feira, chegou uma carta anónima ao tribunal que veio contestar esse facto. Nessa carta, escrita por uma alegada testemunha do processo de divórcio de Carlos Silva, esta acusa o advogado e o banqueiro de terem conseguido retirar dos bens declarados em tribunal várias contas bancárias. Ao que o Observador apurou, o documento revela ainda as alegadas intenções de Carlos Silva em todo o processo Fizz. A carta foi junta ao caso Fizz e poderá originar um inquérito à parte.
Também esta quinta-feira o advogado Paulo Blanco juntou ao processo um assento de nascimento para provar que Proença de Carvalho tem um filho com menos de 50 anos, ao contrário do que disse quando prestou depoimento. Trata-se de Francisco Proença de Carvalho, com 38 anos e que “está ligado” à Ifogest — a empresa do pai de Carlos Silva com quem os futuros funcionários do Banco Privado Atlântico Europa assinaram contrato de trabalho, antes do banco ter licença bancária.
Processo preparado para ir para Angola
O tribunal já tem fotocopiados os 33 volumes do processo e os apensos (num total de 49 volumes) que deverão ser enviados para Angola, depois de o Tribunal a Relação e Lisboa ter decidido que o processo relativo a Manuel Vicente devia ser investigado no seu País.
Recorde-se que logo no início do julgamento, em finais de janeiro, o tribunal deu razão à defesa de Manuel Vicente e determinou que Manuel Vicente fosse alvo de um processo à parte — uma vez que não tinha sido notificado da constituição de arguido nem da acusação, logo não podia comparecer em julgamento.
Esse processo à parte conta com os 33 volumes e os apensos que o processo reunia até ao início do julgamento, aos quais se juntam alguns requerimentos da defesa feitos já nesse inquérito. Será uma cópia de todo esse processo que será entregue. O Observador apurou que já foi tudo fotocopiado e está pronto para entregar à Procuradoria Geral da República. As autoridades angolanas não se contentaram apenas com o formato digital e pediram uma cópia em papel de tudo.