A imagem de crianças que entram de forma ilegal nos EUA a serem detidas em jaulas assim que passam a fronteira com o México, e mantidas afastadas das famílias, tem sido o símbolo da política de “tolerância zero” de Donald Trump em relação à imigração ilegal. Mas não são apenas essas crianças apanhadas na fronteira que são submetidas a condições desumanas. Uma investigação da CNN e várias notícias da Associated Press publicadas esta quinta-feira dão conta de um leque de testemunhos judiciais de crianças e jovens detidos de forma imprópria em centros do Estado. Os depoimentos estão inseridos num processo legal contra o governo federal por alegada detenção ilegal e inapropriada de crianças.
O período em que incidem os relatos inclui não só o mandato de Trump como de Barack Obama, e já motivou os democratas no Senado a questionarem a Administração norte-americana sobre até que ponto do Estado federal tem conhecimento dos casos descritos no centro de detenção de Shenandoah Valley, na Virginia, e o que está a fazer para penalizar os responsáveis e alterar a situação. Em causa estão denúncias de abusos deixadas por escrito em depoimentos legais.
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A CNN descreve um caso em particular de um adolescente que frequentava já o nono ano numa escola norte-americana, no Texas, quando, na primavera do ano passado, foi identificado pelas autoridades e retirado à família. O jovem, cujo nome não é revelado, tinha chegado de forma ilegal aos EUA quando era bebé e permaneceu sem identificação até ter sido mandado parar pela polícia quando seguia de carro com os amigos. Perante a falta de documentos oficiais, a polícia chamou os oficiais de imigração e o adolescente foi detido e levado para um centro para crianças imigrantes, tendo depois saltado de centro em centro até ir parar ao de Shenandoah Valley, no estado da Virginia, onde permaneceu até janeiro deste ano.
O relato, que se junta a dezenas de outros, sobre esse e outros centros juvenis, dá conta de maus tratos e condições adversas para as crianças: desde condições insalubres das instalações a uma monitorização invasiva do email e dos telefones dos jovens, passando por práticas de sedação abusiva com recurso a cocktails de medicamentos descritos como vitaminas. Numa das instalações, segundo relata a CNN, uma das crianças conta que foi forçada a ficar deitada a receber injeções que se veio a descobrir depois tratar-se de poderosos sedativos.
No relato do jovem hispânico retirado à família, contado pela CNN, lê-se que era amarrado a uma cadeira quando tentava fugir do centro: usavam algemas e um pano sobre o rosto, só com buracos para respirar. Este tipo de castigo aparece descrito em pelo menos cinco testemunhos, incluindo um outro que acrescenta que ficou amarrado a uma cadeira, nu, durante dois dias.
No âmbito do mesmo processo legal, os responsáveis pelo centro juvenil de Shenandoah recusam uma postura de agressão, mas admitem o uso de uma “cadeira restritiva de emergência” para confinar aqueles que se envolvem em agressões com outros jovens ou com membros do staff. “Quando a cadeira é usada, os residentes ficam amarrados pelos braços pernas e tronco, e com uma máscara na cara para prevenir que cuspam ou que mordam”, admitiam os responsáveis por aquele centro em documentos dos tribunais. Em resposta à CNN, contudo, o centro juvenil de Shenandoah, recusava qualquer alegação e dizia que “esperava ter oportunidade de apresentar provas para que um júri possa tirar a mesma conclusão”.
Esta quinta-feira, perante as queixas tornadas públicas, o governador Ralph Northam da Virginia anunciou que iria iniciar uma investigação ao centro juvenil em questão, que e um dos mais referidos nos relatos dos jovens.