Reportagem em Mae Sai, Tailândia
“Fizemos uma coisa que nunca ninguém tinha feito. Cumprimos uma missão impossível.” O ex-governador de província de Chiang Rai e comandante das operações de resgate, Narongsak Osotthanakorn, falou assim aos jornalistas para ajudar a explicar a dimensão do que ocorreu nos últimos dias no sistema de grutas de Tham Luang. “Agora, é altura de fotografias!”, declarou no final. Foi depois inundado por uma maré de flashes e uma série de jornalistas, na sua maioria tailandeses, que celebraram o resgate bem sucedido de 12 crianças e do seu treinador, utilizando o grito dos fuzileiros que já se tornou quase o mantra desta operação: “Hooyah!”
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Não foram dados pormenores sobre o estado de saúde do treinador Ekkapol Chanthawong, nem dos rapazes que foram resgatados com ele. Os responsáveis preferiram concentrar-se nos elogios às equipas de resgate e à cobertura dos media, mas conseguiram ainda deixar uma palavra em honra de Saman Kunan, o mergulhador que morreu na semana passada, durante os trabalhos dentro da gruta. “Ele sim, é o herói de Tham Luang”, disseram, explicando que uma homenagem está a ser pensada.
As palavras do ex-governador tocam fundo no coração da maioria dos tailandeses que aqui estão presentes, que gostam de ouvir os elogios ao caráter do povo e os pedidos para que esta operação sirva de exemplo para o resto do mundo. Grupos de senhoras de meia idade dançam para as câmaras de televisão, ensaiam gritos coletivos, fazem sinais de vitória com os dedos. Os voluntários, como o tradutor Tee, mostram-se orgulhosos. “Alguma vez viste uma operação assim?”, pergunta ao Observador o jovem, na casa dos 20.
“As pessoas aqui tratam-se como família. Conheço pessoas que abriram as portas de sua casa para alguns estrangeiros que cá vieram e isso foi um pequeno passo que contribuiu para este sucesso geral.”
Atrás de si, empilham-se cadeiras, arrumam-se mesas, guarda-se o pad thai que sobrou. Do campo improvisado, cada vez resta menos; os habitantes de Mae Sai preparam-se para pegar na trouxa, pelo menos por hoje. Alguns ainda voltarão amanhã para ajudar nas operações de limpeza da floresta, ao pé da gruta, mas, muito provavelmente, já não terão um exército de jornalistas internacionais para alimentar e não se justifica estarem ali tantos.
Nao Warat, de 26 anos, sorri enquanto limpa uma mesa com desinfetante. “Estou tão animada e aliviada. Pela primeira vez em três semanas, vou ter uma boa noite de sono. Graças a Buda!“, diz, juntando as duas mãos em sinal de agradecimento, com o pano molhado pendurado numa delas. Secretária de uma empresa de saúde, Nao não tem qualquer experiência de cozinha ou nas limpezas, mas pouco importa. Natural de Mae Sai, não podia deixar passar a oportunidade de contribuir para ajudar a salvar os “Javalis Selvagens”. “Estava toda a gente tão preocupada aqui…”, suspira.
A sensação de alívio mistura-se com a alegria e deixa os corpos moles. Muitos aproveitam para se sentar com calma pela primeira vez em dias. Os agentes da polícia, que até aqui faziam por manter o ar rígido, soltam-se finalmente e exibem os sorrisos. Mesmo assim, não aceitam ainda falar aos jornalistas — o respeito pelas “regras” definidas pelo controlo das operações mantém-se. Os comandantes, aliás, frisaram isso na sua conferência de imprensa, informando com orgulho que a pessoa responsável por ter filmado a área do resgate com um drone que sobrevoou a zona já foi presente a tribunal e condenada em apenas um dia. “Quero avisar: sigam as regras. A todos os [jornalistas] que o fizeram , obrigado”, anunciaram — uma frase que não é de espantar se recordarmos que a Tailândia é atualmente governada por uma junta militar, desde o golpe de Estado levado a cabo pelo Exército em 2014.
Mas hoje, em Pong Pha, não é dia de pensar em política. No campo, os mais velhos abraçam-se e os mais novos tiram selfies. Os tailandeses formam pequenos grupos para comentar os acontecimentos do dia, com aquela eletricidade de quem partilhou um momento comum marcante sobre o qual não consegue deixar de falar. Nao, que continua afincadamente a esfregar a mesa de plástico, promete que irá também juntar-se às celebrações, mas não para já:
“Uma amiga minha acabou de me telefonar e disse ‘vamos festejar!’. Mas eu não consigo ainda. Primeiro, há que dormir”, confessa, os olhos cansados por trás do eyeliner escuro.
Mais cansados do que Nao estarão, certamente, os mergulhadores e restantes membros das equipas de resgate, que concluíram hoje uma missão que até há poucos dias parecia digna de ficção científica. Foi uma prova de resistência, de dias e dias a atravessar um sistema de grutas apertado e meio submerso, para cá e para lá, em percursos de horas. O cansaço é muito, sim. Mas isso não os impede de, quando passam de carro em frente ao centro de imprensa, se unirem e gritarem, de braços no ar, uma única palavra — “Hooyah!”