A Ordem dos Enfermeiros alertou, no final do mês passado, o Ministério da Saúde para casos de suicídio entre enfermeiros, afirmando que, só este ano, quatro profissionais já puseram termo à própria vida. O alerta surge num documento enviado, em junho, pela bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco, ao ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, a que o Observador teve acesso.

O documento transmite ao ministro várias preocupações dos profissionais de saúde do serviço de doenças infecciosas do Centro Hospitalar de São João, onde se verifica uma “situação de falta de enfermeiros”. Segundo se lê no ofício, assinado por Ana Rita Cavaco, a carência de profissionais naquela unidade já tinha sido comunicada ao ministério “em novembro do ano passado”, mas, seis meses depois, “nada aconteceu”.

“Neste serviço, como se verifica pela exposição em anexo, a situação agravou-se com rácios de enfermeiro/doente assustadores e incapazes de proteger a vida das pessoas”, escreve a bastonária. O documento anexado, a que a bastonária se refere, indica que, naquela unidade de saúde, chegou a haver 10 doentes por cada enfermeiro e que os profissionais chegaram “a um limite físico e psicológico”.

Ana Rita Cavaco lembra, no mesmo documento, que o São João “é o hospital onde este mês, noutro serviço com grave carência de enfermeiros, pôs termo à vida mais um enfermeiro”. “Em vários hospitais do país, é já o quarto enfermeiro desde o início do ano”, acrescenta a bastonária, dizendo perder “a fé num sistema que não está a conseguir proteger a vida de todos nós”.

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Contactada pelo Observador, a Ordem dos Enfermeiros escusou-se a comentar o teor do documento enviado ao Ministério da Saúde ou a estabelecer uma ligação direta entre os casos de suicídio reportados à bastonária e as condições de trabalho dos enfermeiros nos hospitais portugueses.

Os sindicatos, por seu turno, mostraram-se divididos quanto ao assunto. José Azevedo, presidente do Sindicato dos Enfermeiros (SE), disse ao Observador que tem conhecimento direto de pelo menos três casos de suicídio e conhecimento indireto de um quarto caso, mais recente, na zona norte do país, e garantiu que não tem dúvidas de que os casos estão relacionados com as condições de trabalho dos enfermeiros.

“Não tenho dúvidas. Eram pessoas que iam acusando um grande desgaste por causa do excesso de trabalho e da falta de condições”, afirmou José Azevedo. Para o líder sindical, os enfermeiros “ou endurecem ou acabam por também se ir abaixo”. “Tudo isto está relacionado com a falta de condições”, assegurou, sublinhando que as reivindicações dos enfermeiros “não são meras reivindicações sindicais, têm a ver com a qualidade do trabalho”.

Já o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) mostrou-se mais cauteloso na avaliação destes casos. Confirmando que o sindicato recebe “informações relacionadas com suicídios”, a dirigente sindical Guadalupe Simões destacou que não tem “informação compilada” sobre o assunto e preferiu “não relacionar o suicídio com as condições de trabalho”.

“É óbvio que as condições de trabalho se têm vindo a degenerar, que os enfermeiros são poucos e não chegam, que têm períodos de descanso curtos ou muitas vezes não os têm. Este é um fator que, associado a outros fatores pessoais, pode conduzir a uma situação que pode terminar em suicídio. Mas não será só pelas experiências que as pessoas vivenciam no local de trabalho”, disse a responsável sindical.

Contactada pelo Observador, fonte oficial do Ministério da Saúde recusou comentar o assunto.

Um estudo de 2016, levado a cabo pela Universidade do Minho em colaboração com a Ordem dos Enfermeiros, concluiu que um em cada cinco enfermeiros portugueses (17,8%) apresentavam sintomas de burnout — exaustão física e emocional.