“Aproximei-me dele e fiz o discurso da publicidade, fiz o nosso pitch”, conta ao Observador Frederico “Fred” Canto e Castro. Mal sabia o fundador e presidente executivo da Sonder People, uma agência de modelos para “pessoas reais”, que estava a mudar a vida de Vítor Leitão. O engenheiro informático transformado em modelo, não tinha emprego e vivia nas ruas de Lisboa. Agora, foi notícia com a sua história nos principais jornais espanhóis, como o El País, o El Mundo ou o La Vanguardia, depois de aparecer na capa da Vogue Portugal deste mês.
A avó emprestou-lhe 20 mil euros. Hoje, fatura 500 mil e chegou a Barcelona
“Tudo aconteceu no verão de 2015, no [centro comercial] Colombo”. Na altura o jovem empreendedor fez o que já fazia para o sucesso do seu negócio, caçou um talento. “Estava bem vestido, como sempre o vi”, conta. Já Vítor, diz Fred, “ficou surpreendido e alinhou”. O empreendedor deu-lhe o cartão de visita e depois apareceu nos estúdios da Sonder People, no Lx Factory. Na altura, não sabiam da “situação especial” da vida de Vítor. Foi o primeiro caso, e até agora único que o empreendedor saiba, de alguém que era sem-abrigo e foi agenciado pela Sonder.
Exatamente por estar numa fase mais complicada na vida, houve um “cuidado” especial e não se cobrou a taxa de inscrição — uma taxa que entretanto acabou — para que Vítor pudesse ser agenciado e se tirasse as fotografias necessárias. Desde 2007, depois de estar a dirigir o departamento de informática da universidade moderna, Vítor estava desempregado, uma situação que o levou a dormir na rua (a universidade fechou definitivamente em 2008, e em 2007 já começava a fechar).
[Uma publicidades em que Vítor Leitão participou — é quem interpreta o barman — da Federação Portuguesa de Futebol]
Tinha pouco mais de 50 anos quando perdeu o emprego na Moderna. Ainda tentou trabalhos em Espanha, África do Sul, Zimbabué, Angola e Moçambique. Contudo, depois de ter saído deste último país por a empresa com que trabalhava ter acabado as operações devido a contratos em Portugal, teve de voltar.
A volta não foi fácil. Além de não ter casa por ter deixado de pagar o arredamento do apartamento, o carro foi roubado. “Comecei a licenciar-me nas habilidades das ruas”, contou a vários jornais espanhóis. Dormia na estação do Oriente e, para encontrar dinheiro, ia de manhã às máquinas de bilhetes em busca das moedas perdidas. Além disso, se encontrava bilhetes não validados, vendia-os por metade do preço. Mas o dinheiro que conseguia era pouco. No melhor dos dias, fazia oito euros.
A ajuda surgiu através de instituições como a Comunidade Vida e Paz que o permitia ter uma refeição quente. Depois, a Santa Casa da Misericórdia também foi um apoio. Aceitaram o engenheiro informático num abrigo temporário durante 90 dias e davam-lhe 50 euros mensais para poder procurar trabalho. Às 9 da manhã tinha de sair do abrigo e só podia voltar às 18h30. “Durante essas horas ocupava-me: adquiri um passe de metro por 18 euros [mais barato graças à Santa Casa] e voltei a falar com antigos clientes. As coisas começaram a melhorar”.
Mesmo sem contacto com antigos clientes, continuou o dia a dia. Passeava por estações de metro e comboio, aeroportos e centro comerciais. Um dia estava a ver canetas de tinta permanente: “Gosto muito delas”, contou aos jornais espanhóis. Era o verão de 2015, estava no centro comercial Colombo, em Lisboa e… “O Fred viu-me e perguntou se alguma vez tinha pensado em ser modelo”.
[As três capas da Vogue Portugal deste mês, com Vítor como um dos modelos]
O anúncios passaram a ser mais uma fonte de rendimento. “Fez pelo menos três [campanhas publicitárias], e agora a Vogue”, conta Fred. Mesmo assim, Vítor continua a precisar de procurar sítios onde possa “comer por 1,4 euros”. Já conseguiu arrendar um espaço próprio para viver e vai encontrando alguns trabalhos que pagam apenas 50 euros por semana, mas na sua área ainda nada. “Continuo a responder todos os dias a anúncios. Não serve para nada. Para uma pessoa de 62 anos com 35 de experiência, não há nada. A experiência é um inconveniente.”
*Artigo atualizado às 20h55 de dia 17 de julho de 2018. Como averiguou o Observador, Vítor Leitão teve de voltar de Moçambique não por a empresa com que trabalhava ter tido problemas com contratos com o governo moçambicano, mas sim por contratos mal sucedidos em Portugal que levaram esta a acabar com as operações nos dois países