Os socialistas acabaram por ficar sozinhos a favor da reforma laboral que o Governo acordou em concertação social. Na primeira votação no Parlamento às alterações ao Código do Trabalho propostas pelo Executivo — e defendidas pelo ministro Vieira da Silva ainda há duas semanas –, foi a direita que acabou por viabilizar o que saiu do acordo com os parceiros sociais, com PSD e CDS a absterem-se. À esquerda, as críticas ao acordo mantiveram-se, assim como o voto contra ao pacote legislativo do Governo socialista.

O PSD já tinha dito o que ia fazer, mas apenas na noite anterior, deixando em suspenso o Governo até à última. E a incerteza foi criada também recentemente, depois das queixas que a CIP fez às propostas que chegaram ao Parlamento, depois de firmado o acordo com as confederaçõess patronais e a UGT. Numa nota crítica, a Confederação Empresarial de Portugal escreveu que as iniciativas legislativas que o Governo levou a votos “nalguns casos, o viola frontalmente” o que ficou estabelecido no acordo. E noutros casos “também lhe confere deficiente e distorcedora tradução legislativa”. A posição dos patrões, manifestada tão em cima do dia em que a votação ia acontecer na Assembleia da República, acrescentou incerteza à votação, quando o Governo já contava com a aprovação do PSD.

A dúvida só ficou desfeita ontem à noite, com Rui Rio a confirmar que o PSD vai abster-se na votação, viabilizando a reforma de Vieira da Silva, por “respeito com a concertação social”. Mas não deixou de colocar condições ao Governo: “As alterações na especialidade não podem alterar aquilo que é o acordo, senão voltamos à posição inicial e votamos contra”. Com isto, os sociais-democratas pretendem pressionar os socialistas que estão pressionados pela esquerda em algumas matérias do Código. Ainda assim, Pedro Roque (representante dos Trabalhadores Sociais Democratas), Margarida Balseiro Lopes e António Leitão Amaro e Hugo Soares anunciaram que vão apresentar declarações de voto.

Acordo laboral. PS vai aprovar “várias propostas” da esquerda

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O que fez a esquerda votar contra?

Na reforma que agora vai passar ao debate na especialidade, constam algumas medidas que os parceiros parlamentares do Governo contestam — daí o voto contra — como é o caso do alargamento do período experimental para primeiros contratos (que passa de três para seis meses), que também foi criticada dentro do próprio PS; o fim da caducidade da contratação coletiva; o banco de horas grupal; a taxa para empresas que apresentem rotatividade excessiva de trabalhadores (que o PCP considera legitimar essa rotatividade). Além do que ficou escrito, a esquerda também vota contra pelo que não foi considerado no Governo nesta reforma, nomeadamente pelas medidas do período da troika que continuam por ser revertidas, contra as expectativas da esquerda que continua a apresentar projetos nesse sentido.

Esta quarta-feira voltaram a ir a votos projetos do BE, PCP e Verdes que, por exemplo, pediam o regresso aos 25 dias úteis de férias, a alteração do cálculo das indemnizações compensatórias por despedimento para valores pré-troika (um mês por cada ano de serviço) ou a reposição dos valores de remuneração por trabalho suplementar. Nada disto foi aprovado pelo PS.

No dia 6 de julho, quando Vieira da Silva esteve no Parlamento para o debate da reforma laboral, alguns dos projetos da esquerda em matéria laboral já foram votados, com o PS a viabilizar a proposta do PCP para a revogação das normas de “celebração do contrato a termo certo nas situações de trabalhadores à procura do primeiro emprego e desempregados de longa duração” e a proposta do Bloco de Esquerda para que seja alterado o “regime jurídico aplicável à contratação a termo”. Esta quarta-feira, o PS viabilizou mais quatro propostas dos parceiros, que vão poder ser discutidas na especialidade: uma dos Verdes, que revoga as normas que permitem que seja celebrados contratos a prazo apenas porque um trabalhador está numa situação de primeiro emprego e também para casos de desempregados de longa duração; uma do Bloco de Esquerda que acaba com a presunção de legalidade de um despedimento em que o trabalhador é compensado (aceitar despedimento e compensação não faz dele legal e não significa a perda do direito de contestação legal); e um do BE e outro do PCP sobre o regime de trabalho temporário.

Protesto durante a votação

No momento em que os deputados votavam as alterações à legislação laboral, houve um protesto silencioso nas galerias. Os representantes da CGTP que se deslocaram ao Parlamento, levantaram-se e permaneceram de pé durante todo o tempo em que os deputados registavam os votos. Foi desta forma que a central sindical, que não assinou o acordo e que chegou a manifestar-se frente ao parlamento contra as alterações, quis assinalar a discordância face ao que acabava de ser aprovado.

As alterações ao Código de Trabalho vão ainda ser alvo de discussão em detalhe, na especialidade, mas só em setembro. Um tema quente para a “geringonça” que vai cair precisamente na altura em que os parceiros do Governo no Parlamento vão estar a negociar o Orçamento do Estado para 2019.