Patricia Aguilar, a jovem espanhola que desapareceu em janeiro 2017 e que no início deste mês foi encontrada no Peru, já esteve com o pai, Alberto Aguilar. Em comunicado, a família Aguilar revelou que o encontro correu bem e que os dois conversaram durante muito tempo. Patricia, que desde o resgate se encontra sob o cuidado do Ministério da Mulher, em Lima, falou também com a mãe e com o irmão, que vivem em Alicante, por videochamada.

“Interessou-se pelo estado do resto da família e mostrou-se muito recetiva e tranquila”, referiram ainda os Aguilar, citados pelo El País. A jovem de 19 anos está fisicamente “muito melhor” e “não se separa nem um segundo” da filha de um mês, que nasceu durante o cativeiro. A família espera que os procedimentos legais se resolvam “com máxima urgência”, para que Patrícia possa regressar a Espanha “o quanto antes”.

A jovem espanhola, que esteve desaparecida durante mais de um ano, foi encontrada a 6 de julho, na aldeia de Alto Celendín, na selva amazónica peruana, depois de as autoridades terem detido, dois dias antes, Félix Steven Manrique, líder de uma alegada seita apocalíptica que terá aliciado Patricia a juntar-se a ele. Manrique foi capturado pela polícia na casa onde vivia com duas mulheres peruanas — Paola Vega, de 42 anos, e Maryori García, 29 anos —, das quais tem vários filhos, no distrito de Pangoa, no centro do país. Paola e Maryori também tinham sido dadas como desaparecidas pelas respetivas famílias. Patricia foi encontrada numa outra moradia, em condições precárias. Com ela estavam quatro crianças, com quatro e dez anos, todas filhas de Manrique, e a sua filha de um mês. Supõe-se que o pai seja Manrique.

De acordo com o El País, Manrique, de 35 anos, continua detido depois de, no passado dia 13, um juiz ter decretado a sua prisão preventiva por alegados crimes de tráfico de pessoas e exploração. Manrique é acusado de capturar e reter as suas vítimas, explorando-as sexual e laboralmente para seu próprio benefício. O homem poderá vir ainda a ser acusado de exposição ao perigo por causa dos cinco menores que moravam consigo. Quando foram encontradas pelas autoridades, as crianças estava gravemente desnutridas e cheias de piolhos. A polícia descobriu ainda que nunca tinham sido vistas por um médico (os partos aconteceram sem qualquer assistência) ou frequentado a escola.

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Félix Manrique, o “príncipe” que foi escolhido por Deus

Félix Steven Manrique, de 35 anos, tem um curso técnico de eletricista mas desconhece-se que tivesse algum trabalho na altura da sua detenção ou antes. Sabe-se apenas que passava os dias fechado em casa a conversar com mulheres que conhecia nas redes sociais, onde respondia pelos nomes de “Príncipe Gurdjieff”, “Maestro G” ou “Maestro Vajrayana”, enquanto as mulheres com quem vivia trabalhavam para alimentar a família. Apresentando-se como um enviado de Deus, o escolhido para repopular a Terra depois do fim dos tempos, Manrique tentava aliciar mulheres a juntarem-se à sua seita, prometendo transformá-las em “seres superiores”.

O aliciamento era feito através do Facebook, mas também do Youtube, onde tinha um canal chamado  “Gnosis Budismo Profecias VM Principe Gurdjieff”, no qual partilhava vídeos com gravações áudio e imagens esotéricas em que explicava ao pormenor a sua doutrina apocalíptica. Nunca usava a sua voz, recorrendo sempre a um software que imitava o sotaque de Espanha. As mensagens que deixava online tinham muitos erros ortográficos e de pontuação. Segundo o El País, muito do conhecimento de Manrique vem da Internet, onde costuma ler sobre religião, esoterismo e filosofia, como o próprio admitiu em tribunal. Um familiar de Patricia, citado pelo mesmo jornal espanhol, descreveu-o como “agressivo, arrogante” e “com um ego muito grande”.

Foi através da Internet que Patricia Aguilar chegou até Félix Manrique. Os dois conheceram-se numa página de esoterismo, no verão de 2015. A jovem, que ainda não tinha completado 18 anos, estava vulnerável. O seu tio favorito, Josh, tinha morrido há pouco tempo. Manrique aproveitou-se disso: convenceu-a que se tinham conhecido numa vida anterior, que ela era “especial” e que estava destinada a juntar-se à sua causa, que passava por reunir dez mulheres, das quais teria de ter 300 filhos para criar uma nova raça depois do fim do mundo. “Manrique terá seguido o mesmo modus operandi que usou para aliciar Patricia. Contacta com elas quando ainda são menores de idade, oferece-lhes ajuda e serviços espirituais e prepara-as para, aos 18, deixarem as suas vidas e se entregarem a ele”, explicou fonte da polícia local à Interviú.

Depois de cerca de ano e meio de troca de mensagens, no Facebook e no WhatsApp, Patricia decidiu juntar-se Manrique no Peru.  A jovem, que tinha feito 18 anos há apenas algumas semanas, levou seis mil euros de casa dos pais em Alicante, apanhou um avião para Madrid e outro para Lima, onde chegou em inícios de 2017. Os pais contactaram imediatamente a polícia, que não teve dificuldades em seguir o rasto de Patricia Aguilar, que há muito tinha começado a exibir comportamentos estranhos (pendurava pentagramas nas paredes, ouvia gravações esotéricas e dormia com uma espada de madeira debaixo da almofada). Esta, contudo, garantiu estar no Peru voluntariamente e que não pertencia a seita nenhuma. Acusou os media de estarem a difamá-la e chegou a pedir ajuda ao Podemos e a Pablo Iglesias, num vídeo publicado no Youtube:

A família de Patricia Aguilar nunca desistiu. O pai estava no Peru há um mês quando Félix Manrique foi finalmente detido, no culminar de uma operação que começou em janeiro deste ano. José Capa, responsável pela Direção Peruana Contra o Tráfico de Pessoas, explicou ao El País que Manrique foi detetado pelas autoridades em 2017, em Lima, mas que depois desapareceu. “Estava escondido em Pangoa”, numa zona de selva, a 600 quilómetros da capital peruana, tendo sido necessárias várias ações de campo para o localizar, explicou Capa. Tinha o cabelo comprido e barba por fazer. No depoimento que deu na esquadra de Pangoa, para onde foi levado, Manrique negou ter explorado as mulheres com quem vivia. Os investigadores, contudo, descobriram que as duas mulheres que viviam com ele trabalhavam num restaurante, enquanto ele ficava em casa.

Os familiares de Patricia Aguilar, entretanto colocada num programa de proteção de vítimas juntamente com as duas peruanas que viviam com o “Príncipe Gurdjieff”, pretendem que a investigação continue em Espanha, onde irão avançar com a respetiva denúncia. A 10 de julho, durante um encontro com os jornalistas espanhóis, Maite Rojas, advogada da organização não-governamental Desaparecidos e dos pais da jovem espanhola, explicou que o processo vai “demorar algum tempo”, até porque não se sabe se há mais pessoas envolvidas.