Depois das férias, o Parlamento está de volta. Mas ainda a meio gás, com a comissão permanente (grupo de deputados mais restrito) a reunir-se em plenário para lançar as primeiras sementes para o ano político que aí vem — e que vai ser ano de eleições. Em cinco minutos, cada partido teve oportunidade de dizer ao que vem, sem direito a pedidos de esclarecimentos.
Enquanto PSD e CDS apontaram o dedo àquilo que os centristas chamaram “as trapalhadas” da “geringonça”, visíveis sobretudo nos problemas dos transportes públicos e do Serviço Nacional de Saúde, o PS pintou um país cor de rosa, e PCP, BE e Verdes endureceram o discurso contra o governo não se poupando nas exigências orçamentais: mais investimento público, na saúde e nos transportes, menos cativações, aumento nos salários da função pública, reformas sem penalizações aos 60 anos de idade e 40 de trabalho, e redução do IVA na eletricidade.
O caderno de encargos é longo, mas, apesar disso, os bloquistas deixam a garantia de que, pelo menos até ao final da legislatura, não vão saltar fora do barco: “Temos a responsabilidade de ir até ao fim, de concluir o que foi iniciado e de deixar trabalho feito”, resumiu a bloquista Mariana Mortágua.
“Não temos ilusões. Há muito por fazer e muito ficou por ser feito nos últimos três anos. E se há área em que esta crítica é justa, é a do investimento público, em que centenas de milhões de euros ficaram simplesmente por executar. Não foi uma inevitabilidade. Foi uma escolha política do Governo e do PS, que colocou a exibição em Bruxelas acima do desenvolvimento dos serviços públicos”, disse Mariana Mortágua, numa intervenção onde estabeleceu como prioridades políticas do BE para o próximo ano a saúde, a legislação laboral e a habitação — tema onde os bloquistas estão fragilizados desde o “caso Robles”, mas que prometem não largar.
O discurso dos partidos da esquerda, que estão a negociar com o Governo o último Orçamento da legislatura, segue, na verdade, uma linha comum: ao contrário do que “as direitas desamparadas vaticinaram”, “o país não se afundou, o diabo não veio e os portugueses vivem hoje melhor do que viviam em 2011”, como disse o deputado António Filipe na declaração política do PCP. Mas, em todo o caso, “estamos longe das soluções que uma política de esquerda poderia garantir”. É aí que passam ao ataque ao Governo e ao caderno de encargos para o próximo ano, que é ano de eleições.
Segundo António Filipe, o PS encerra em si mesmo um conjunto de “contradições” que não lhe permite ir mais longe, já que “converge com PSD e CDS em matérias nucleares da governação, como a legislação laboral, a descentralização e o próximo quadro financeiro da União Europeia”. São essas contradições que, diz o PCP, impedem o PS de tomar certas opções de investimento e de dar resposta a aspirações dos trabalhadores. Os problemas “agravados” do Serviço Nacional de Saúde, com falta de pessoal, falta de camas, atrasos nas consultas e cirurgias, são disso exemplo, assim como as dificuldades no arranque do ano letivo e o facto de o Governo não se comprometer em contabilizar todo o tempo de serviço pedido pelos professores. “É uma exigência nacional que estes problemas sejam resolvidos, e as opções orçamentais para 2019 não podem deixar de dar resposta às necessidades incontornáveis de reforço do investimento público”, disse o deputado comunista António Filipe, no final da sua intervenção política de cinco minutos.
PSD acusa “geringonça” de se mover pelo “poder”, CDS ataca “spin” eleitoralista do governo
Numa coisa, esquerda e direita concordam: os serviços públicos não estão a funcionar bem e é preciso mais investimento público. Só o PS não vê essa lacuna, a avaliar pela declaração política proferida pela deputada socialista Jamila Madeira, onde puxou dos números para dar conta de um país onde “a economia “já passou o cabo das tormentas” e está a “crescer mais do que a média da zona euro e da União Europeia a 28, segundo as projeções da própria Comissão Europeia para os próximos dois anos”.
Um cenário cor de rosa que o CDS, pela voz da deputada Cecília Meireles, diz que não passa de “spin” do Governo, que mascara uma realidade negativa com um discurso positivo. “Não há bons discursos que cheguem para apagar más realidades”, disse a deputada, depois de acusar PCP e BE de deitarem “lágrimas de crocodilo” quando falam do estado dos serviços públicos. “O estado dos serviços públicos tem a ver com o governo que apoiam e os orçamentos que aprovam”, atirou.
Para Cecília Meireles, e também para Fernando Negrão, que falou em nome do PSD, o espelho mais gritante do estado dos serviços públicos é precisamente a demissão ontem anunciada de 52 diretores e chefes de serviço do hospital de Vila Nova de Gaia em protesto contra a falta de condições. “Perante o cenário de guerra em que está transformado o hospital, o governo não faz nada”, disse o líder parlamentar do PSD, para depois a deputada do CDS ter acrescentado ainda que não se ouviu “uma palavra, uma explicação” do ministro da Saúde, nem do primeiro-ministro, sobre este mais recente episódio do “caos” no SNS.
“PCP e BE andaram três anos a fingir que discordavam do governo sem nunca deixarem de o apoiar”, disse ainda Fernando Negrão, nos cinco minutos que competiam ao PSD, acusando os partidos da “geringonça”, cujos líderes manifestaram em entrevistas recentes vontade de participar em governos de esquerda, de apenas se moverem pelo poder. “Não é o interesse dos portugueses que os move, é o interesse pelo poder”, disse.
Fernando Negrão acusou ainda o governo de ter deixado os transportes públicos num cenário de “caos”, enquanto anuncia investimentos “que ninguém vê”, assim como acusou o governo de “caos no modo de governar”. A prova, disse, é a utilização “vergonhosa e ultrajante” do Fundo de Solidariedade da União Europeia, que discrimina as populações de parte dos concelhos afetados pelos incêndios.