“É preciso sobretudo abandonar a ideia de que já nos safámos da crise e que nos podemos ocupar de outras coisas. Claro que há outros problemas [como as migrações e a crise dos refugiados], mas o pior que nos podia acontecer seria juntarmos a esses problemas uma crise da zona euro”. Quem o diz é o economista francês Jean Pisani-Ferry, fundador de um dos mais importantes think tanks sobre questões europeias e da moeda única, numa entrevista publicada esta segunda-feira no jornal Público.
Para Pisani-Ferry, que foi o economista coordenador do programa eleitoral do presidente francês Emmanuel Macron, o euro ainda não está a salvo e é preciso não fechar os olhos. “É preciso resolver as crises dentro da zona euro, em vez de dizer, face a situações desse tipo, que a única solução é expulsar um país. Isso criaria imediatamente uma vaga de especulação que enfraqueceria toda a gente. Seria gravíssimo”, diz, sublinhando que a reestruturação da dívida seria sempre “uma solução de último recurso”, mas garantindo que, embora não haja soluções claras, a “zona euro continua frágil” e “a união bancária ainda tem de ser completada”. “No plano financeiro, na capacidade de absorver choques, não estamos ainda onde deveríamos estar”, afirma ainda.
Numa breve referência à situação específica de Portugal, o economista diz que Portugal “demonstrou que o pessimismo geral com que era encarado há alguns anos era excessivo”. E que os resultados positivos estão hoje à vista, o que “permite ser mais otimista sobre o futuro da zona euro”, apesar de reconhecer os “custos sociais elevados” que uma recuperação pós-crise acarreta. “Verifiquei recentemente que Portugal está à frente da Alemanha em matéria de crescimento das exportações, muito à frente de Espanha e ainda mais de França”, afirma.
Trump, Macron e a Europa
Questionado sobre uma eventual aliança de políticas anti-europeias entre Viktor Orbán e e Matteo Salvini e sobre a eventual falta de força de Emmanuel Macron para ser o símbolo da esperança para liderar um grande movimento europeu, o economista não tem dúvidas em afirmar que “um grande movimento europeu não é fácil de lançar”, até porque Emmanuel Macron “ainda não levou por diante uma reforma profunda da zona euro” como desejaria.
Em jeito de balanço do primeiro ano de mandato de Macron no Eliseu, de resto, Pisani-Ferry diz que o presidente francês se mantém fiel à sua filosofia de “criar as capacidades de empowerment [dos cidadãos], combatendo as desigualdades de acesso”, ou seja, em vez de distribuir dinheiro, privilegia dar mais capacidades às pessoas “por via da formação e do acesso ao mercado”, constatando que nesse domínio muita coisa foi feita num ano de mandato. Estando a “França habituada a deitar dinheiro sobre os problemas, esperando reduzi-los”, a filosofia de Macron veio “fazer a diferença”, acredita. O senão? É que essa filosofia transparece uma perceção de que “o governo se preocupa mais com as classes mais favorecidas do que com as classes populares” — é aí que é preciso trabalhar mais.
Sobre o Brexit e a política de Donald Trump, o economista francês mostra-se cauteloso mas não alarmista. “As medidas protecionistas não atingem demasiado a Europa mas criam um clima internacional que não é positivo, e isso terá inevitavelmente consequências negativas nas economias”, diz na mesma entrevista. A saída do Reino Unido da União Europeia é uma situação com a qual “temos de contar”, pelo que só nos resta “minimizar as consequências negativas para eles e para nós”, diz.
“A falta de acordo seria má para toda a gente. É por isso que penso que as propostas que foram feitas pelo Governo britânico, mesmo que seja preciso discuti-las, devem ser olhadas como um sinal de vontade de avançar”, afirma.
Jean Pisani-Ferry está em Lisboa para participar na conferência anual da Fundação Francisco Manuel dos Santos, este ano dedicada ao tema “O Trabalho do Futuro”. A sua palestra será especificamente sobre “O Estado Social no tempo da Uber”, considerando que está na altura e passar definitivamente do modelo de trabalho industrial para o modelo digital.