Já passaram dois dias desde que Naomi Osaka derrotou a número um do ténis feminino, Serena Williams, e se tornou na primeira atleta de origem japonesa a conquistar o US Open, uma das maiores competições do Grand Slam. Apesar da vitória histórica para a jovem de 20 anos, as atenções viraram-se para a derrotada, que acusou o árbitro Carlos Ramos de ser “um ladrão”, que só lhe tirou pontos por coaching [receber indicações do treinador durante a partida] por ela ser mulher: “Perder um jogo por dizer aquilo [“ladrão” e “mentiroso”] não é justo. Quantos homens o fazem? Há muitos homens que já disseram muitas coisas por aí. É porque sou uma mulher e isso não é correto”, afirmou, depois de ter enfrentado o árbitro e partido a raquete durante o jogo.

Foi então que se abriram dois lados da barricada: há quem critique Serena Williams e saia em defesa de Carlos Ramos — até recordando outras penalizações que o português deu a jogadores homens em circunstâncias semelhantes — e há quem apoie a tenista por acreditar que só foi castigada por ser mulher. Entretanto, uma segunda discussão veio adensar ainda mais a primeira: um artista fez um cartoon a caricaturar a situação do US Open e o campo de batalha tornou-se ainda mais confuso — já não é apenas uma “guerra dos sexos”. É também uma questão de racismo, dizem alguns.

Serena Williams partiu a raquete e chamou mentiroso a árbitro português, mas não evitou vitória inédita de Osaka no US Open

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quem criticou Serena Williams

Toni Nadal, pai de Rafael Nadal, que foi durante muito tempo treinador dele, disse que “a Serena esteve mal” e que “o coaching [receber indicações dos treinadores durante a partida] é ridículo”: “É uma pena que, no dia seguinte à final do US Open, as capas dos jornais falem de uma situação desagradável para os fãs de ténis e, claro, pouco desportiva. Serena não esteve no seu melhor dia em nenhum sentido, é claro”. E prosseguiu: “Pode compreender-se que o momento foi de stress máximo para o jogador e que ela se sentia impotente numa final que se estava a tornar francamente difícil. O que é difícil de entender, no entanto, é que uma atleta da magnitude e do prestígio da americana não tenha controlado os nervos no campo e tenha sido levada pelas emoções. Há que exigir o bom comportamento dos jogadores. Sobre isso acho que não há argumentos”.

Martina Navratilova, ex-tenista checa naturalizada norte-americana, criticou Serena Williams após os acontecimentos na final feminina do US Open. Pelo menos, parcialmente: “Serena Williams tem parte da razão. Há uma grande diferença de tratamento no que diz respeito à forma como o mau comportamento é punido em relação às mulheres — e não apenas no ténis. Mas, nos protestos contra o árbitro durante a final de sábado do US Open, ela também esteve, em parte, errada. Não é boa ideia aplicar o critério de ‘se os homens escapam sem castigo, então as mulheres também deviam escapar”. Depois, acrescentou: “Não importa se ela sabia que estava a receber instruções ou não. Ela estava (…) e se ela sabia ou não, não é o importante. Portanto, naquela altura, ela recebeu um aviso, que podia depois ser anulado, e atirou a sua raqueta ao chão, uma violação automática. O senhor Ramos, efetivamente, não tinha outra opção que não retirar-lhe um ponto. Ela e o senhor Ramos começaram, de facto, a falar um por cima do outro. Ela insistia que não fez batota — completamente defensável, mas não era esse o ponto –, enquanto ele fazia um call sobre o qual, a determinada altura, foi muito pouco discreto”.

Mike Morrissey, antigo árbitro e oficial da Federação Nacional de Ténis, acrescentou: “O Carlos tem sido um dos melhores árbitros de ténis do mundo desde os anos 1990 e tem reputação de ser firme, mas justo com os jogadores”. A própria Federação disse em comunicado: “Carlos Ramos é um dos árbitros mais experientes e respeitados no ténis. As decisões (…) estavam de acordo com as regras pertinentes e foram reafirmadas com a decisão da organização do US Open em multar Serena Williams pelas três ofensas que fez”.

Federação Internacional de Ténis apoia árbitro português no incidente com Serena Williams

Quem apoiou Serena Williams

Billie Jean King, considerada uma das melhores tenistas de sempre, utilizou o Twitter para defender Serena Williams. Numa mensagem publicada em duas partes, a ex-atleta de 74 anos disse que a culpa tinha sido do treinador Patrick Mouratoglou e não da tenista: “Várias coisas correram muito mal durante as finais do U.S. Open. A receção de indicações do treinador devia ser permitida no ténis. Não é e, por causa disso, um jogador foi penalizado pelas ações do treinador. Isso não deveria acontecer. Quando uma mulher fica emocionada, ela é ‘histérica’ e é penalizada por isso. Quando um homem faz o mesmo, ele é ‘sincero’ e não há repercussões. Obrigada, Serena Williams, por chamar a atenção para este duplo padrão. Mais vozes são necessárias para fazer o mesmo”.

O ex-tenista norte-americano James Blake também saiu em defesa de Serena Williams. Quando a jornalista de desporto Ramona Shelburne‏ — que cobre assuntos relacionados com a NBA — pediu no Twitter que os tenistas homens viessem contar as suas histórias, o ex-jogador de 38 anos respondeu: “Tenho de admitir que já disse pior e não fui penalizado. E também já recebi uma ‘advertência suave’ do juiz, quando eles me dizem para parar de fazer alguma coisa ou então recebo uma indicação de violação. Ele deveria ter-lhe dado, pelo menos, essa cortesia. É triste estragar uma final bem disputada por causa disto”, escreveu ele no Twitter.

Sally Jenkins, uma famosa colunista de assuntos desportivos do The Washington Post, escreveu que o comportamento de Serena Williams é condenável, mas que a reação do árbitro foi ainda pior: “Williams abusou da raquete, mas Ramos fez algo muito mais feio: abusou da autoridade que tem. Os campeões ficam de ânimos exaltados: é a natureza deles. Todos os bons árbitros de todos os desportos entendem que o cerne do trabalho é ajudar a moderar o momento, desligar o telefone, não ficar de pé e serem silenciosos administradores do evento, em vez de deixar que o próprio temperamento desempenhe um papel na determinação do desempenho. Em vez disso, Ramos tornou-se no principal jogador na final feminina. E porquê? Por causa de um tom de voz”.

A própria Associação de Ténis Feminino já veio defender Serena Williams. Esta segunda-feira, a associação lançou uma declaração onde dizia: “A WTA [World Tennis Association] acredita que não deve haver diferença nos padrões de tolerância proporcionados às emoções expressas por homens e mulheres e está comprometida em trabalhar com o desporto para garantir que todos os jogadores são tratados de forma igual. Não acredito que isso tenha sido feito sábado à noite”.

https://twitter.com/Knightcartoons/status/1039017329030393856

Entretanto, há um cartoon que está inflamar uma nova discussão: desta vez é o artista, Mark Knight, que está a ser adjetivado de “racista”. No cartoon publicado no Herald Sun, Serena Williams aparece a saltar em cima da raquete, enquanto o árbitro fala com uma Naomi Osaka loira e diz: “Podes apenas deixá-la ganhar?”. O que está a ser criticado é o traço utilizado pelo artista, que alguns dizem assemelhar-se às caricaturas de Jim Crow por causa das expressões no rosto de Serena Williams.

J.K. Rowling, a escritora de “Harry Potter”, disse nas redes sociais: “Bem feito em reduzir uma das maiores desportistas vivas a imagens racistas e sexistas e transformar uma segunda grande desportista num adereço sem rosto”. Jemele Hill, jornalista desportivo da ESPN, também criticou Mark Knight e disse que o racismo no desenho era “quase tão subtil como a voz de Fran Drescher”, conhecida pela voz anasalada e pelo sotaque nova-iorquino muito vincado.