Rui Rio chegou esta quarta-feira à noite às Caldas da Rainha a garantir, ironicamente, que estava “cheiinho de medo” dos críticos internos. Riu-se com a pergunta dos jornalistas sobre se tinha receio de que o eco das críticas chegasse até ali, e entrou na sala onde iria decorrer o seu terceiro conselho nacional. Não tinha medo disso. Certo é que, com medo ou sem medo, o que encontrou dentro de portas foi isso mesmo: muito mais críticas do que defesas. Segundo relatos feitos ao Observador, de um total de dez conselheiros que se inscreveram para falar, sete fizeram-no para criticar o modo de atuação que tem sido seguido pelo líder. A voz mais audível foi a do ex-líder parlamentar Hugo Soares, que disse que não admitia “levar lições de militância” de ninguém, mas até Virgínia Estorninho, uma histórica militante de Lisboa do tempo de Francisco Sá Carneiro o acusou de ser um “general sem tropas”.

No final do desfile de críticas, e segundo informações dadas aos jornalistas pelo presidente da mesa, Paulo Mota Pinto, Rio limitou-se a responder “às questões concretas e factuais” dos conselheiros, deixando de fora “perceções” baseadas em “distorções de palavras que não disse”. Feitas as contas, ao fim de dez intervenções, o líder do partido apenas deu explicações sobre o episódio mais recente da “taxa Robles”, onde tinha sido acusado de ter ficado ao lado dos bloquistas na criação de um imposto para combater a especulação imobiliária. Tudo o resto ficou de fora: Rio não fez, sequer, qualquer intervenção de fundo como é hábito nos conselhos nacionais, pedindo apenas a palavra para responder sinteticamente aos golpes desferidos e, depois, para apresentar em linhas gerais a proposta do partido para a política de saúde. Mas até aí foi parco nas palavras, passando o microfone ao coordenador do Conselho Estratégico Nacional responsável pelo documento, que usou um powerpoint para detalhar as medidas numa altura em que já passava da meia-noite e a sala do Centro de Congressos das Caldas da Rainha já estava a meio gás.

A ação concentrou-se, por isso, no chamado “período antes da ordem do dia”. Isto é, no ponto onde os conselheiros se podem inscrever para falar antes de a mesa dar início aos trabalhos propriamente ditos. O regulamento do conselho nacional dita que esse período não deve ultrapassar os 60 minutos, mas foram tantas as inscrições que o debate se estendeu desde perto das 22h até quase à meia-noite. Fora de portas, mal a reunião tinha começado e já chegavam os rumores: “isto está animado”, “está a ser uma reunião de que não há memória”, “todos os que falam estão a criticar a liderança”.

“Estruturais ou não”, eis as discordâncias

“Um general sem tropas”, que ganhou o PSD por pouco, e que, se a votação fosse hoje nem esse pouco ganhava; um líder que já “traiu várias vezes o PSD”, nomeadamente quando “apoiou Rui Moreira à câmara do Porto em 2013, numa candidatura contra o partido“, e que agora está a instaurar processos judiciais contra os candidatos autárquicos que tenham tido despesas excessivas; ou um líder que atacou o PSD “nos anos de Passos Coelho, que até ganhou eleições”, e que agora se sente no direito de convidar a sair os dirigentes e militantes que não concordem com ele. Foi nestes termos que os intervenientes se dirigiram a Rio logo ao subir do pano. De Virgínia Estorninho, histórica militante do PSD de Lisboa, a um militante da Guarda (distrital muito afeta a Rio), culminando em Hugo Soares, as críticas deixaram de ser feitas em surdina ou via jornais, e chegaram em força ao parlamento do partido.

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Hugo Soares, o ex-líder parlamentar que foi afastado do cargo quando Rui Rio assumiu a liderança do partido, foi aquele que, segundo relatos feitos ao Observador, fez a intervenção mais “assertiva”, “dura” e “eficaz”. “Não sei se o que lhe vou dizer é estrutural ou não, mas isso pouco me importa e a si também. O que lhe vou dizer são discordâncias mesmo”, terá dito Hugo Soares, referindo-se às polémicas declarações que Rio fez, no passado domingo aos microfones da TSF, onde disse que “aqueles que discordam estruturalmente devem sair do PSD”. “Não levo lições de militância de ninguém”, disse Hugo Soares, que criticou a estratégia de aproximação do PSD ao PS — “que só serve para trazer o PS para o centro moderado em vez de o deixar junto à esquerda radical” –, bem como criticou a “dissonância” das intervenções públicas de membros da direção do partido, nomeadamente sobre a recondução ou não da Procuradora-Geral da República.

Para Hugo Soares, houve, no entanto, dois casos ainda mais graves nos últimos tempos. Um foi a recente declaração de Rio sobre a “taxa Robles”, que aproximou o PSD do BE quando até o PS se distanciou: “Não tem mal nenhum o presidente do PSD gostar de uma proposta do Bloco de Esquerda, o mal é elogiar uma proposta que é má para os portugueses, quanto mais não seja porque é criadora de mais um imposto”, terá dito. E o outro foi a questão das contas das autárquicas. É que a direção de Rio está a instaurar processos judiciais contra candidatos do PSD (escolhidos ainda pela direção de Passos Coelho) que tenham dívidas excessivas da campanha e que estejam a empurrar a fatura para o partido — e há quem veja falhas na moralidade de Rio para o fazer.

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Sem dizer o nome, Hugo Soares pegou mesmo num exemplo específico: Hugo Carneiro, o secretário-geral-adjunto com a pasta financeira que ficou encarregue de caçar os tais prevaricadores internos, é o mesmo Hugo Carneiro que, em 2013, esteve ao lado de Rui Moreira a apoiar uma candidatura autárquica contra a candidatura do PSD. “Não posso aceitar que a mesma pessoa que entregou as listas ao lado Rui Moreira em 2013 seja quem agora critica e dá lições de moral aos nossos autarcas”, ouviu-se dentro de portas.

No capítulo das contas do partido, foi Matos Rosa, o ex-secretário-geral, quem fez a defesa da honra da anterior direção, depois de José Silvano, o atual secretário-geral, ter feito a defesa da estratégia de Rio das contas certas. No que a contas diz respeito, Matos Rosa não admite reprimendas: “Não admito que ponham em causa a minha seriedade. Não sou mais sério que os outros, mas não há ninguém mais sério do que eu”, terá dito.

Um líder que não responde a provocações e uma direção que nega divisões

Rui Rio, contudo, manteve-se fiel ao estilo de não responder a provocações, elogiando até que as “divergências” tivessem sido levadas para aquela reunião, que é o “lugar próprio”, em vez de “aparecerem nos jornais”, como tem acontecido. Assim sendo, a única crítica que mereceu esclarecimento por parte do líder foi a questão do suposto apoio à “taxa Robles”, onde Rio explicou aos conselheiros que não defende a criação de um novo imposto, como o Bloco defende, mas sim a diferenciação de uma taxa já existente em sede de IRS, que incide sobre as mais-valias, como acontece no modelo francês. A proposta, que visa penalizar os especuladores e beneficiar quem retém imóveis durante muito tempo, deverá mesmo ser apresentada pelo PSD em sede de Orçamento do Estado.

Quanto ao resto, silêncio. Já depois das 2h da manhã, quando os trabalhos foram dados por encerrados, o presidente da mesa, Paulo Mota Pinto, fez uma breve declaração aos jornalistas onde esclareceu que houve “bastantes intervenções, de ordem variada, sobre a situação político-partidária em geral”, mas que Rui Rio não se pronunciou sobre muitas delas, nomeadamente sobre o facto de ter convidado a sair do partido quem discordasse “estruturalmente” da linha seguida.

“Esse ponto não foi objeto de intervenção específica do presidente do partido”, disse Mota Pinto, explicando que Rio só respondeu a “questões factuais e concretas” e não a “intervenções que se baseiam numa evidente distorção de palavras que ele não disse”. Segundo o próprio Rio, as declarações que fez no programa Bloco Central da TSF, no último domingo, foram “distorcidas”.

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A verdade é que, para defender o líder, só duas pessoas se inscreveram para falar, segundo relatos feitos ao Observador por vários conselheiros presentes na sala: o presidente da distrital do Porto, Alberto Machado, e Rodrigo Gonçalves, da concelhia de Lisboa, sendo que também este último terá pedido, no final, uma “oposição mais forte”. Segundo Mota Pinto, “houve críticas e houve defesas, porque o PSD é um partido plural”, mas não houve divisões: “Não penso que o partido saia mais dividido deste conselho nacional”, disse, já a madrugada ia avançada.

A política do PSD para a saúde, que era o tema principal previsto na ordem de trabalhos, foi abordado já com a sala meio vazia. O polémico documento não foi distribuído aos conselheiros, com Rio a optar antes por pôr o coordenador Luís Filipe Pereira a apresentar as linhas gerais através de um powerpoint, e o tema foi chutado para o dia seguinte: esta quinta-feira à tarde haverá conferência de imprensa do PSD para apresentar o documento estratégico para a saúde. Ou seja, to be continued…