Gustavo Ambrósio foi aluno da Universidade de Verão do PSD e, logo na primeira noite, o seu grupo decidiu de forma aleatória no quarto 231: “Fazes tu a pergunta ao Carlos Silva“. Havia um pequeno detalhe que os colegas desconheciam: Gustavo é dirigente nacional do PS. Assim, o militante socialista ia ter de fazer uma pergunta ao líder da UGT e camarada da Comissão Nacional. “Estava nervosíssimo, com medo que ele me reconhecesse”, conta dias depois o aluno da UV do PSD e dirigente do PS ao Observador. A pergunta era provocadora — não para a JSD, em maioria na sala, mas para a JS da qual é crítico. “Defende um teto salarial para os gestores de topo?“, questionou Gustavo Ambrósio ao líder da UGT sem explicar que era uma reivindicação da JS. Carlos Silva disse ser contra esse teto. Por sorte, não reconheceu o aluno e camarada de partido.
Há vários anos que Gustavo pensava em participar na Universidade de Verão do PSD e, após ser desafiado pela líder da JSD e sua amiga, Margarida Balseiro Lopes, decidiu finalmente inscrever-se. Desde logo, ficou impressionado pela forma como a organização foi “atenciosa” desde o momento da inscrição. Acabou por ser um dos 100 alunos escolhidos. Confessa que não foi a Castelo de Vide tanto para apostar na sua formação política, mas para “ouvir” os oradores. Gustavo revela que “não é a primeira vez” que participa em eventos de outros partidos e conta ao Observador qual o principal objetivo da sua ida ao Alto Alentejo: “Quis saber no que estas pessoas acreditam, o que estas pessoas pensam, como estão a planear marcar a agenda.”
Militante da JS desde os 15, do PS desde os 18, Gustavo Ambrósio viu-se no meio de uma universidade de verão rodeado de militantes da JSD, naquilo que à partida se podia definir como um território inimigo. Como se não bastasse a militância socialista, Gustavo acumula 14 anos de Colégio Moderno, da família Soares. Quem o ensinou a andar de bicicleta foi o amigo e vizinho Mário Soares (neto do fundador do PS) e a proponente da sua ficha de inscrição no PS foi Isabel Soares, a filha do fundador. Socialista contra a geringonça, Gustavo Ambrósio esteve no último congresso ao lado de Daniel Adrião, sendo um dos dinamizadores da oposição a Costa. Há poucos meses foi eleito membro da Comissão Nacional e agora apresentou-se como aluno na Universidade de Verão do PSD. “Estou à vontade para ir e para falar sobre isso porque não dependo do PS, não dependo de uma lugarzinho numa assessoria e sou livre”, explica ao Observador.
Começar a perder 60-0 e tentar ir a jogo antes da Champions (com pausa para leitão)
Gustavo Ambrósio confessa que aprendeu “muitas coisas” em Castelo de Vide, desde logo “acerca da União Europeia, com Paulo Rangel”. O eurodeputado do PSD foi, aliás, o orador preferido do aluno socialista, de quem destacou o “europeísmo gritante”. O comissário nacional do PS considerou ainda que “Carlos Moedas foi a intervenção mais fraca”, recusando-se a dar mais justificações, pois “não fica bem ir a casa dos outros e estar a criticá-los.”
O socialista nega também a existência de formatação ideológica na Universidade de Verão. Para Gustavo Ambrósio a formação “não é doutrinária” e elogia a “organização fenomenal” do evento que é dirigido pelo eurodeputado Carlos Coelho. A título de exemplo da atenção aos detalhes, Gustavo lembra que os grupos de alunos estão divididos em cores e que todas as noites, no jantar-conferência, a gravata do reitor, Carlos Coelho, foi a mesma cor do grupo que vai para a mesa de honra.
Gustavo viu ainda, entre os outros alunos da edição de 2018, “muita gente com potencial”, garante que “a qualidade da participação é mesmo muito elevada, acima do que estava à espera”. E explica: “Miúdos de 16, 17 e 18 anos que fazem perguntas sobre economia e sobre finanças extremamente complexas. São muito preparados.”
A pequena pega com Ribeiro e Castro e Morais Sarmento
Além de Paulo Rangel, Gustavo Ambrósio também gostou muito de Carlos Silva, defende que o camarada de partido fez “uma intervenção muito interessante e muito corajosa, porque está a falar de fiscalidade e de intervenção sindical perante uma plateia de jovens que não estão muito dedicados às causas dos trabalhadores.” Depois lá veio a provocação velada à JS sobre o salário dos gestores. Mas conseguiu que o dirigente sindical não o reconhecesse: “Já privei com ele no PS, mas acho que ele não me reconheceu. Felizmente, aliás. Eu estava nervosíssimo, com medo que ele me reconhecesse. Ele disse lá que é comissário nacional, por inerência. E eu pensei: eu também, mas fui eleito.”
Mesmo sem contar aos outros alunos, alguns colegas do grupo roxo desconfiaram que Gustavo tinha ligações ao PS. Pesquisaram o nome e “viram que tinha sido militante há 10 anos”, mas o socialista não abriu o jogo: “Disse-lhes que não tenho participação política em nenhuma juventude partidária. O que não é mentira. Desde o momento em que me filiei no PS nunca mais tive preocupação nenhuma em militar ativamente nas jota.” De facto, o nome pelo qual era conhecido na UV era Gustavo Ambrósio e o que consta no site do PS é Gustavo de Gouveia — isso ajudou a proteger a filiação partidária.
Foi com Ribeiro e Castro que Gustavo Ambrósio protagonizou dos momentos aluno-orador na Universidade de Verão. Discutia-se a introdução dos círculos uninominais e o aluno questionou o antigo líder do CDS — que defende essa possibilidade — sobre se isso não iria aumentar ainda mais a probabilidade de um partido com mais votos não conseguir formar governo. Na explicação, Gustavo fez questão de dizer: “Nas legislativas de 2015 tivemos um partido [o PSD de Passos Coelho] que teve mais votos, elegeu mais deputados, mas não governa“. Todos os alunos aplaudiram com estrondo. Ribeiro e Castro acabaria por dar uma reprimenda a Gustavo dizendo que a frase é “boa para as palmas”, mas que a “geringonça” é o resultado do funcionamento normal de um sistema parlamentar.
Gustavo Ambrósio também não esteve de acordo com Morais Sarmento, quando este disse aos alunos que fez parte de uma ala que forçou Cavaco Silva a não fazer coligação com o PRD em 1987, obrigando à queda do Governo. No final da aula, o aluno foi ter com Morais Sarmento e disse-lhe que, pela história, o PRD tinha, sim, um acordo naquela altura com PS e PCP, e que foi Soares que não quis que Vítor Constâncio governasse naquelas condições e dissolveu o Parlamento. Não chegaram a acordo, mas Morais Sarmento foi “acessível e simpático”.
O “segurista” contra a “geringonça”
Gustavo Ambrósio está ligado ao PS desde os 15 anos. Em 2011, ficou ao lado de António José Seguro e passou a noite a festejar a vitória contra Francisco Assis numa sala no Largo do Rato “até às quinhentas” com outros seguristas como António Galamba e Miguel Laranjeiro. Depois disso, não voltou a descolar de Seguro. Em 2014, a “JS começou toda a virar para o Costa e eu mantive-me ao lado do António [José Seguro]”. Nas primárias, como conta agora, ficou “200% ao lado do secretário-geral eleito”. Na noite da derrota, quando a entourage se encontrou num jantar no Páteo Bagatela, teve uma “conversa grande” com António José Seguro a comunicar-lhe que ponderava desfiliar-se do PS. “Tive para me desligar da política porque é um processo que deixa feridas, deixa marcas”, conta.
O dirigente do PS acredita que “António José Seguro teria ganho as eleições legislativas” de 2015, ao contrário do que aconteceu com António Costa. Na noite das eleições, foi para o quartel-general dos seguristas, o hotel Flórida. E não esconde que estava a sorrir por dentro, por ter havido uma “justiça poética”. Depois foi a andar sozinho até ao Altis. António Costa sobe ao palco, Gustava garante que estava “a tremer por todos os lados, de uma maneira que nem os miúdos de 15 anos da Universidade de Verão tremem”. Nessa altura acreditou que Costa ia demitir-se. O que não aconteceu. E nasceu a “geringonça”.
Gustavo Ambrósio continua a ser contra a “geringonça” porque “a base do PS é não governar com o PCP” e defende que a solução é “uma fraude para os eleitores do PS“, como ele próprio, e também “uma fraude para os eleitores do BE ou PCP.” Faz, portanto, parte da ala crítica de António Costa. No último Congresso, em maio de 2018, foi delegado eleito pela moção de Daniel Adrião e fez parte da equipa que ajudou o opositor de Costa a apresentar lista aos órgãos nacionais. Acabou eleito para a Comissão Nacional, assumindo pouco depois o cargo de comissário nacional. Tornou-se assim, dirigente do PS.
Gustavo Ambrósio teve de sair da Universidade de Verão, por compromissos como empresário, na madrugada de domingo. Já não ficou para ouvir Rui Rio. Questionado sobre se iria aplaudir o líder do PSD, foi claro: “Depende do que ele fosse dizer. Se gostasse, não teria problemas em aplaudir“.
Aos 29 anos, vai continuar no lado oposto ao de António Costa no PS e define-se como um “empresário licenciado em bioquímica, com muita vontade de fazer ciência”. Mais até do que fazer política.