Há 500 investigadores que vão poder assinar contratos de trabalho, num futuro próximo, como resultado do primeiro Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). De fora ficaram 3.600 investigadores que não conseguiram ver a sua candidatura recomendada para financiamento.
Joana (nome fictício) foi uma das selecionadas. O contrato de Investigador FCT tinha terminado no final de junho e desde então que vivia na expectativa do resultado desta candidatura. Numa conversa telefónica com o Observador disse estar “animada” com o resultado, mas a sua voz transmitia outra mensagem. “Não consigo de deixar de sentir empática com as outras pessoas”, contou. Essas pessoas são os colegas que não conseguiram contrato.
“Depois há uma sensação estranha, porque é um empurrar para frente com a barriga. Se as coisas não mudarem, daqui a seis anos estou outra vez na mesma situação.” E a situação é a de uma mulher de 43 anos, mãe de dois filhos, com uma vida estabilizada na cidade onde vive e trabalha, que tem lidar com o fim de um contrato sem ver a instituição para a qual trabalha a dar-lhe o apoio que precisa.
FCT falha prazo de colocação dos investigadores contratados. 4 mil esperam os resultados
Joana sabe que daqui a seis anos pode voltar a passar pela mesma angústia dos últimos meses em que não tinha ordenado, mas continuava a trabalhar porque havia outras pessoas que dependiam dela e porque não queria ser esquecida enquanto cientista. “Não há investigação que acabe no dia em que termina o contrato”, disse. “E parar de trabalhar é matar a probabilidade de um dia conseguir um contrato.”
Para a investigadora, a forma como foram distribuídos os contratos é muito injusta. “Há pessoas que são investigadores principais e que não conseguiram renovar.” Ou seja, foram Investigadores FCT — passaram pelo crivo da agência financiadora –, tinham (e têm) uma equipa que depende deles, têm projetos aprovados para os próximos anos, mas não têm contrato de trabalho nem ordenado.
Os investigadores podiam candidatar-se a um de quatro níveis diferentes: investigador júnior, investigador auxiliar, investigador principal e investigador coordenador. Nos três níveis mais baixos, cerca de 12% dos candidatos foi selecionado para contrato. Nos resultados finais da avaliação havia 66 investigadores principais e quatro investigadores coordenadores recomendados para financiamento.
“Para os investigadores dos níveis mais altos foi catastrófico”, disse ao Observador Teresa Summavielle, investigadora no Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (I3S). Depois de já ter tido um contrato Ciência 2007 e um contrato Investigador FCT (dois tipos de contratos atribuídos só a um número restrito de investigadores de excelência), a investigadora de 48 anos não conseguiu agora ser recomendada para financiamento.
Para Teresa Summavielle, houve uma desproporção muito grande entre os dois níveis mais iniciais na carreira e os dois mais avançados. “Há pessoas com muito currículo que vão ficar fora do sistema. Para os níveis iniciais há as normas transitórias ou as bolsas de pós-doutoramento dos projetos, mas para os investigadores dos níveis mais avançados não há alternativa.”
Ela própria está nesta situação. O contrato Investigador FCT terminou em maio e está desde essa altura a receber de uns fundos que o instituto onde trabalha tinha reservados, mas este dinheiro não dura para sempre. Sem dinheiro e sem emprego, Teresa Summavielle pode ter de abandonar o instituto, deixando sem grupo de trabalho as pessoas que nele estão integradas. “Se eu sair do I3S o grupo extingue-se.”
Agora que são conhecidos os resultados da avaliação, tem início o período de audiência prévia, durante o qual os candidatos podem contrapor a sua avaliação. É o que vai fazer Cláudia Botelho, investigadora da Universidade do Minho, que a julgar pelos comentários que recebeu na avaliação da candidatura considera que o painel de avaliadores não leu a proposta com atenção. “É impossível que tenham lido com cuidado e tenham escrito o que escreveram”, disse ao Observador.
Para quem ficou sem contrato e não quer reclamar da avaliação, resta esperar pelo resultado dos restantes concursos que estão a decorrer ou preparar-se para o segundo Concurso Estímulo ao Emprego Científico – Individual. Este segundo concurso deverá abrir no último trimestre de 2018, conforme disse a FCT ao Observador no final de agosto. Teresa Summavielle conta candidatar-se nessa altura e espera que, desta vez, haja mais investigadores de níveis mais avançados a serem selecionados.
A culpa das instituições na precariedade dos investigadores
Os candidatos estão escolhidos, mas os contratos não vão ser assinados imediatamente. Numa próxima fase, as instituições de acolhimento dos investigadores selecionados vão assinar contratos-programa com a FCT, com duração máxima de seis anos. Depois disso, as instituições de acolhimento têm até 90 dias para assinar contratos com os investigadores. O que significa que, muito provavelmente, não haverá contratos antes de 2019. Alguns destes investigadores estão sem contrato (ou até sem ordenado) desde o início do ano.
Durante seis anos será a FCT a pagar os ordenados dos investigadores sem qualquer encargo para as instituições que beneficiam do conhecimento produzido por estes investigadores. Nos contratos Ciência e Investigador FCT, cada um deles de cinco anos, também foi assim. Estava previsto que, ao fim dos cinco anos financiados pela FCT, os investigadores fossem avaliados e os melhores contratados pelas instituições. Não houve avaliação dos investigdores, nem tão pouco contratação por parte das instituições.
“Não gosto de pôr as culpas todas na FCT”, disse Teresa Summavielle. “As instituições podiam ter contratado alguns destes investigadores. Acomodaram-se a que a FCT pagasse a investigação.”
As instituições de investigação têm sido alvo de mais críticas. Além do apoio individual, o programa de Estímulo ao Emprego Científico previa também um apoio às instituições para a contratação de investigadores doutorados — ou de docentes, embora a percentagem do apoio fosse menor. Algumas dessas instituições escolheram contratar exclusivamente docentes, como foi o caso da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro ou da Universidade de Lisboa. A Universidade de Lisboa, juntamente com as faculdades e institutos que dela fazem parte, viram aprovadas pelo menos 48 vagas para docentes. “Nas universidades não parece haver interesse em resolver a situação dos bolseiros”, criticou Teresa Summavielle.
Mas há universidades que tomaram outras opções. A Universidade do Minho tem quase um terço das vagas propostas (17) para lugares na carreira de investigação científica, a Universidade Nova de Lisboa propôs que um quarto das suas vagas (9) fosse para investigadores principais e outras tantas para investigadores auxiliares e o I3S tem atribuídas 15 vagas para investigador auxiliar.
Os líderes de grupos de grupos de investigação que não conseguiram um contrato no concurso que agora divulga os resultados podem optar por uma destas vagas, mas ninguém sabe muito bem quando é que os concursos vão abrir ou quando é que as pessoas ficam colocadas. Por isso, muitos podem optar por se tornar bolseiros de investigação dos projetos que viram financiados este ano e dos quais são coordenadores.
Se há mais dinheiro na Ciência porque é que os investigadores estão descontentes?
Atualizado às 2h20