Soube quinta-feira pelas 20h00 que Lucília Gago seria a sua sucessora. A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, não quis explicar como recebeu a informação, nem sequer pronunciar-se sobre todo o processo de decisão que se arrastou nas últimas duas semanas até saber se seria ou não reconduzida. Ainda assim, afirma que sai de “consciência tranquila”, apesar de não ter tido tempo para fazer tudo o que queria.
À margem da conferência que põe fim ao projeto Ethos, um programa de formação de magistrados para a área da corrupção impulsionado pela própria Joana Marques Vidal, a magistrada falou alguns minutos para os jornalistas. Sobre uma possível recondução, a procuradora-geral afirmou que essa hipótese nunca lhe foi sequer colocada. “Não me vou pronunciar sobre hipóteses”, afirmou, recusando confirmar se mostrou disponibilidade para continuar no cargo ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, como então foi noticiado. “Considero este o normal funcionamento das instituições, não vejo aqui nada de estranho”, afirmou.
Joana Marques Vidal disse considerar normal este sentimento de que não fez tudo. “O mandato é de seis anos, podia ser nove anos, 12, aquilo que a constituição permitisse”, que manteria essa sensação. Significa que “não cristalizou”. Sublinhando um cenário de trabalho com uma “grande carência”, falando da falta de meios e de magistrados, em que muito contou com a “motivação” de muitos profissionais, disse que é importante olhar o MP não apenas para a parte criminal, mas para outras competências do MP, como na garantia do direito à cultura, ao património e ao ambiente da comunidade. “Fizemos alguns passos, mas muito pequenos”, disse, explicando que dadas as limitações, teve de fazer opções. “Fiz o máximo que podia fazer dentro das minhas capacidades”. Ficou o recado dado para a sua sucessora, a quem se limitou a desejar os “melhores êxitos”, sem tecer qualquer comentário ao seu percurso.
Quando confrontada sobre os megaprocessos que marcaram o seu mandato, a magistrada lembrou que o início dos processos não está “dependente” dos procuradores e que não são eles que escolhem as participações. “O início dos processos decorre da aplicação da lei, quando há participações nós investigamos e se há indícios acusa-se, senão arquiva-se. Não há perseguições políticas nem pessoais”, deixou claro.
“Isto não tem nada a ver com Joana Marques Vidal”, garante ministra
Antes de Joana Marques Vidal, foi a ministra da Justiça Francisca Van Dunem quem prestou esclarecimentos. A governante deixou claro que no processo de escolha do novo Procurador-Geral foram ouvidos vários procuradores-adjuntos próximos do cargo para garantir alguma “continuidade no trabalho que está a ser feito”. Por isso a escolha de Lucília Gago, “uma pessoa capaz com grande formação com uma experiência transversal no MP” que começou por trabalhar no DIAP, numa secção relacionada com crime económico-financeiro, depois família e menores, quando foi para o Tribunal da Relação continuou a fazer a área criminal trabalhando diretamente com recursos penais e foi diretora do DIAP até há muito pouco tempo “sinónimo que existem hoje no MP pessoas que têm percursos abertos e com várias valências”
A ministra recusou fazer qualquer balanço do mandato, até porque a autonomia prevista no estatuto dos magistrados o impede. E deixou claro que o que está em causa na não recondução de Joana Marques Vidal não é o seu desempenho, mas uma questão de “princípio de um único mandato” por ser a solução “que melhor respeita a autonomia do MP”. “Isto não tem nada a ver com Joana Marques Vidal, mas com uma questão de princípio”, sublinhou.
“Espero que o Dr. Amadeu Guerra continue no DCIAP”, diz presidente do sindicato
Também à margem da conferência “Combate à Corrupção – Perspetivas de futuro”, o presidente do Sindicato dos Magistrados Ministério Público, António Ventinhas, lembrou que a equipa com quem Lucília Gago escolher trabalhar também será “muito importante” para o seu mandato. “Espero que o Dr. Amadeu Guerra continue no DCIAP (Departamento Central de Investigação e Ação Penal). Seria muito mau para o Ministério Público se ele fosse embora neste momento”, disse Ventinhas. Sem saber se o procurador se irá jubilar no próximo ano de 2019, o responsável repetiu a importância da sua manutenção no cargo.
António Ventinhas sublinhou, ainda, a importância da escolha do vice-Procurador-Geral, agora Adriano Cunha, responsável por “toda a máquina” da Procuradoria. E aproveitou para lembrar a falta de magistrados recentemente apontada pelo próprio Conselho Superior do Ministério Público: faltam 250 magistrados no Ministério Público.