José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano José Eduardo dos Santos, foi preso preventivamente esta segunda-feira. A notícia foi confirmada ao Observador pela defesa de José Filomeno dos Santos.

Este é o mais recente desenvolvimento de um processo legal que se precipitou na sexta-feira passada, dia em que José Filomeno dos Santos foi acusado pelo Ministério Público angolano dos crimes de associação criminosa, falsificação, tráfico de influências, burla, peculato e branqueamento de capitais. As acusações dizem respeito à presidência de José Filomeno dos Santos, também conhecido por “Zenú”, do Fundo Soberano de Angola (FSA).

A mesma fonte da defesa do filho do ex-Presidente angolano confirma ainda que Jean-Claude Bastos Morais, empresário suíço-angolano, foi também detido.

Filho de José Eduardo dos Santos acusado de burla em Angola

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MP acusa Zenú de montar esquema com “amigo de longa data” e governador do Banco Nacional de Angola

O Ministério Público de Angola acusa José Filomeno dos Santos de montar, juntamente com outros três arguidos, um esquema que pode ter desviado 500 milhões de dólares do Banco Nacional de Angola. As reuniões descritas pelo despacho de acusação remontam ao verão de 2017, altura em que decorriam os últimos meses de poder de José Eduardo dos Santos, a quem João Lourenço sucedeu na presidência de Angola em setembro do mesmo ano.

De acordo com a acusação, o governador do Banco Nacional de Angola (BNA), Valter Filipe Duarte da Silva, celebrou a 3 de julho de 2017 um contrato de prestação de serviços com a empresa Mais Financial Services. Terá ficado estipulado que os serviços previam a elaboração de diferentes estudos em troca de 30 mil milhões de euros. Em representação Mais Financial Services, esteve Jorge Gaudens Pontes Sebastião, também ele arguido. O despacho da acusação refere que este último e o filho do ex-Presidente de Angola são “amigos de longa data”.

A acusação explica que, “sem ter prestado qualquer serviço ao BNA”, a Mais Financial Services recebeu emitiu ainda assim quatro faturas, com o valor total de 24 milhões e 850 mil euros. As faturas terão sido pagas pelo BNA “assim que foram recebidas (…) mesmo não tendo havido qualquer contrapartida”, continua o despacho. O pagamento foi feito para outras empresas a partir de uma conta do Mais Financial Services no Millenium BCP, de Portugal.

Mais tarde, a 18 de agosto de 2017, tendo como base um outro contrato assinado entre o BNA e a Mais Financial Services, o governador Valter Filipe Duarte da Silva é acusado desta vez de transferir 500 milhões de dólares norte-americanos — o que, à data, equivalia a 425 milhões de euros — para a empresa do amigo de José Filomeno dos Santos.

A acusação refere que a transferência dos 500 milhões de dólares foi possível apenas porque o governador do BNA ordenou “verbalmente” que ela fosse feita, ao arrepio das regulações e das suas competências. O montante avultado levou, ainda assim, a que soassem alertas em Londres, onde o dinheiro chegou a estar congelado. Porém, explica a acusação, os arguidos “tentaram convencer o Ministro das Finanças, Augusto Archer Mangueira de Sousa, a assinar um documento” onde certificasse a legalidade daquela operação. Este, porém, não acedeu àquele pedido tendo ali identificado um esquema de “carácter fraudulento” baseado na criação de “empresas dormentes”.

E o que é que “Zenú” teve a ver com tudo isto? De acordo com a acusação, o filho do Presidente José Eduardo dos Santos “estava sempre presente nos encontros [onde se montou o alegado esquema] para, valendo-se dos seus contactos, garantir a realização das operações”. De acordo com a acusação, José Filomeno dos Santos agia como “representante de facto da empresa Mais Financial Services”, à qual também prestava assessoria.

Referindo a totalidade dos arguidos — além de José Filomeno dos Santos, constam Jorge Gaudens Pontes Sebastião, Valter Filipe Duarte da Silva e António Samalia Bule Manuel —, a acusação diz que estes “se apropriaram” do dinheiro transferido pelo BNA. O despacho refere ainda a alegada cooperação de dois “prófugos” (ou seja, fugidos à justiça angolana) para a elaboração do esquema descrito. Trata-se de Hugo Onderwater e de Samuel Barbosa da Cunha.

Outra chave deste alegado esquema terá sido a falsificação de garantias bancárias por parte do BNP Paribas e do Credit Suisse.

José Filomeno dos Santos presidiu ao Conselho de Administração FSA entre o ano da sua criação, em 2012, e janeiro de 2018, quando foi demitido do cargo.

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O filho varão de José Eduardo dos Santos

José Filomeno dos Santos é o segundo filho mais velho de José Eduardo dos Santos. Em idade, perde apenas para Isabel dos Santos — mas, em influência e poder económico, terá perdido por pouco para a irmã.

Fruto de uma relação do ex-Presidente com Filomena Sousa, à altura secretária no Governo de Angola, “Zenu” passou grande parte da sua infância fora de Angola. Juntamente com a mãe, passou por Estocolmo e depois por Londres. E, ainda em solo britânica, estudou Engenharia Eletrónica (licenciatura) e Finanças (mestrado) na Universidade de Westminster. Acabado os estudos, voltou para Angola.

Corria o ano de 2001, a guerra civil tinha chegado ao fim e Angola passou a ser uma terra de oportunidades para aqueles que conseguiam estar no sítio certo, à hora certa, com a companhia certa — três condições que poucas pessoas conseguiram reunir tanto e tão bem como José Filomeno dos Santos.

Em 2012, o pai nomeou-o presidente do conselho de administrição do recém-criado Fundo Soberano de Angola (FSA). A escolha, feita dentro de família, motivou várias críticas. José Filomeno dos Santos defendeu-se, dizendo que ela aconteceu “na base do compromisso com a transparência e com as melhores práticas de governance“.

Em 2016, o FSA viria a ser mencionado nos Panama Papers e, em 2017, foi a vez de constar nos Paradise Papers. Nestas investigações, era colocada em causa a legitimidade das operações do FSA geridas pela Quantum, empresa do empresário suíço-angolano,  Jean-Claude Bastos Morais, que também foi detido esta segunda-feira.

Porém, os verdadeiros problemas viriam a surgir apenas depois da subida ao poder de João Lourenço, em setembro de 2017. Com José Eduardo dos Santos fora de cena, o novo Presidente de Angola destituiu de posições cimeiras no aparelho estatal angolano três filhos do seu antecessor — além de Isabel dos Santos, também José Eduardo Paulino dos Santos e Tchizé dos Santos foram destituídos das suas posições na TPA, a televisão pública. Aconteceu tudo em novembro de 2017.

O golpe contra “Zenu” viria a levar mais alguns meses. Em janeiro de 2018, depois de rumores não confirmados que apontavam para a demissão de José Filomeno dos Santos, este acabou mesmo por ser demitido da presidência do FSA. A 26 de março, viria a ser arguido. No dia seguinte, foi chamado a entregar o seu passaporte às autoridades angolanas. Na passada sexta-feira foi formalmente acusado e, esta segunda-feira, colocado em prisão preventiva. Ainda não há data marcada para o julgamento.

O “Mimoso” que não saía do quintal agora é o “exonerador implacável”

[Artigo alterado às 22h04 de 25 de setembro para 2018, para corrigir a designação de Hugo Onderwater e de Samuel Barbosa da Cunha, inicialmente designados como “arguidos”, para a designação correta, de acordo com o despacho de acusação, de “prófugos”]