O Governo propôs aos partidos à esquerda três cenários para aumentar, pela primeira vez numa década, os vencimentos da Função Pública. António Costa e Carlos César admitiram publicamente a intenção de aumentar os salários dos funcionários públicos. Mas em qualquer um destes cenários apresentados o Governo pretende gastar menos de 50 milhões de euros, apurou o Observador, um valor considerado insuficiente à esquerda, e que fica muito aquém do gasto com medidas como o aumento de pensões ou a redução do IRS.

As negociações continuam e parece certo que haverá mesmo um aumento dos salários dos funcionários públicos no próximo ano, mas o dinheiro que Mário Centeno está disposto a gastar para aumentar salários, independentemente da modalidade escolhida,  deverá fazer com que este aumento seja reduzido.

Tal como tem vindo a fazer desde 2016, o Governo definiu o bolo financeiro que tem disponível para gastar com esta medida e apresentou várias soluções aos partidos com quem tem um acordo no Parlamento.

O Governo propôs três formas de distribuir este bolo: aumentar apenas os salários mais baixos; aumentar uma parte mais abrangente dos vencimentos, mas o aumento seria menor; ou aumentar os vencimentos de todos os funcionários públicos, mas num valor muito reduzido.

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De acordo com a Agência Lusa, o aumento proposto pelo Governo varia entre os 5 euros para todos os funcionários públicos e 35 euros para um lote mais reduzido. Se o montante se ficar pelos 50 milhões de euros e o aumento decidido for de 35 euros para um grupo mais pequeno, este só chegaria a cerca de 100 mil funcionários.

Governo propôs aumentos para a função pública entre 5 e 35 euros

Seja num valor definido em euros ou em percentagem, a maior questão agora prende-se com o valor total a gastar com este aumento. As três propostas têm valores diferentes muito semelhantes, mas todas elas têm um custo acrescido para as contas do Estado inferior a 50 milhões de euros, muito aquém das medidas mais emblemáticas acordadas nos orçamentos de 2016, 2017 e 2018.

Neste capítulo, as posições dos principais partidos com o Governo diferem. O PCP transmitiu ao Governo que esta negociação – tal como no passado – deve ser feita com os sindicatos. Já o Bloco de Esquerda tem mantido a via aberta para negociar, mas pede mais que os menos de 50 milhões de euros propostos pelo Governo.

A negociação ainda não está fechada e prova disso é que nem sequer a modalidade do aumento foi definida. Isto deve acontecer apenas depois de fechado o envelope financeiro, que o Governo não tem demonstrado abertura para aumentar, uma dança a que os partidos já estão habituados.

Nas últimas semanas, vários responsáveis do Governo e do PS têm vindo a público admitir a possibilidade de se concretizarem estes aumentos – mais recentemente até o próprio primeiro-ministro – mas o anúncio da boa nova tem sido acompanhado da argumentação que tem sido usada junto dos partidos para defender o valor reduzido que estão dispostos a gastar com o aumento de vencimentos dos funcionários públicos.

“Estamos a trabalhar, no quadro das negociações, para ver se há margem para podermos ir um pouco mais além e, para além do descongelamento das carreiras, poder haver, pela primeira vez em muitos anos, algum aumento salarial efetivo e não só reposições ou descongelamentos. (…) Desse círculo [virtuoso que temos de manter] fazem também parte os funcionários públicos. É por isso que começámos por repor os vencimentos que tinham sido cortados, por isso este ano demos um novo passo com o descongelamento das carreiras. Se nenhuma nova medida for tomada, o aumento da despesa na Função Pública no próximo ano será de 2,9%“, disse António Costa, citado pela Lusa, numa conferência de imprensa conjunta com o presidente do Parlamento Europeu, em Lisboa.

Esta mesma linha de argumentação tem sido usada pelos responsáveis das Finanças nas negociações. Os funcionários públicos têm visto o seu vencimento subir em resultado das diversas medidas tomadas por este Governo e o mesmo vai acontecer no próximo ano, devido à continuação da reversão do descongelamento das progressões das carreiras na Função Pública.

Num comunicado enviado às redações há cerca de um mês, após uma reunião com os sindicatos, o Ministério das Finanças dizia que o custo no próximo ano das medidas que já estão em vigor seria um aumento de 3,1% (ou 647 milhões de euros) nas despesas com pessoal, mais duas décimas que o citado por António Costa.

Destes 647 milhões de euros de aumento nas despesas com pessoal, mesmo sem serem tomadas mais medidas, 542 milhões de euros resultam do descongelamento das carreiras, mais 247 milhões que o custo estimado que esta medida venha a ter este ano.

O argumento das pressões que as contas enfrentam no ano seguinte devido a medidas já tomadas não é novo e não está a ser colhido pelos partidos, que exigem mais, em várias frentes, no próximo Orçamento do Estado, o último da legislatura e talvez da atual configuração parlamentar.

Mário Centeno não parece disposto a abrir mais os cordões à bolsa, mas as negociações vão prosseguir, não estando esta questão fechada para já, tal como é habitual nas negociações orçamentais desde 2016. O ministro das Finanças não parece disposto a abrir mais os cordões à bolsa, mas o mesmo já havia acontecido nas mudanças no IRS e no descongelamento das carreiras no ano passado, que acabaram por custar mais que o que o ministro inicialmente considerava comportável para as contas de 2018.

Que medidas pesarão mais nas contas de 2019?

Tal como tem sido habitual na atual legislatura, há várias medidas que foram tomadas no Orçamento para 2018 cujo custo só será refletido na totalidade nos próximos anos. Este é o caso do descongelamento das carreiras na Função Pública, como já explicado acima, mas há mais.

A redução do IRS que foi implementada no último orçamento também só será refletida na totalidade em 2019. A alteração do número de escalões tem custo total estimado de 380 milhões de euros anuais, mais o impacto estimado para este ano é de apenas 230 milhões de euros. Em 2019, na altura da liquidação, o restante já se fará sentir, fazendo com o que custo total anual cresça para os 380 milhões de euros estimados pelo Governo.

Fonte: Ministério das Finanças, Programa de Estabilidade 2018. As variações apresentadas para o ano 2019 e seguintes representam o aumento ou diminuição da despesa/receita face ao ano imediatamente anterior

Outra medida deste género é o aumento extraordinário das pensões até aos 10 euros, uma medida que já tinha sido aplicada em 2017. O Governo determinou que houvesse um novo aumento das pensões até 643 euros que perfizesse os 10 euros no ano (já contando com o valor do aumento que decorre da atualização das pensões em janeiro).

Como este novo aumento só entrou em vigor em agosto, o custo total desta medida só será refletida na totalidade em 2019.