Furou os sete minutos da praxe dos discursos presidenciais que tem feito em cerimónias oficias. Desta vez, na celebração da Implantação da República, foram mais de dez minutos com o Presidente da República a passar em revista dez décadas de história para concluir que “todos os dias se constrói e todos os dias se destrói a democracia”. No arranque, como primeiro e precursor exemplo de risco de tudo acabar num fenómeno populista, Marcelo Rebelo de Sousa apontou a ditadura da República Nova de Sidónio Pais que resultou de “divisões fratricidas, debilidades partidárias, tratamento errado das forças armadas e incapacidade para enfrentar crises económicas e sociais”.

Um cenário que, disse Marcelo na lição nº1, levou “ao anti parlamentarismo e ao providencialismo de um homem, num apelo pós-partidário que a si próprio se chamava  República Nova”. Pelo meio desta lição, faz a referência de passagem a um tema de especial sensibilidade quando existe um testemunho da PJMilitar sobre o eventual encobrimento por parte do ministro da Defesa do roubo de Tancos. Quando refere o risco do “tratamento errado das forças armadas”, Marcelo coloca o tema em cima da mesa de forma indireta, com o primeiro-ministro António Costa sentado na cadeira mais próxima do palanque, a ouvi-lo e a voltar a falar no tema no final do discurso, continuando a segurar o ministro da Defesa — que foi uma das ausências mais notadas nesta cerimónia. 

Não há verdadeira democracia sem sistema político dinâmico e gerador de alternativas, sem atenção a entidades estruturantes como as Forças Armadas”, disse mais adiante o Presidente da República.

Na década seguinte, 1928, chega a lição nº2 e a referência a outra ditadura, a de Salazar, e às “quatro décadas de regime anti-democrático, anti-parlamentar, anti-liberal e anti-partidário, que vem na “linha da República Nova e na ressaca da crise financeira”. As lições seguintes, nº3, 4, 5 e 6, concentram-se também neste período e culminam em 1968, altura em que chega ao poder Marcello Caetano — que esteve para ser seu padrinho que, não sendo na prática, manteve um papel próximo disso, como amigo próximo da família Rebelo de Sousa. Nele, Marcelo vê o sinal “do princípio do fim da ditadura” porque “os regimes de poder pessoal são incompatíveis com a renovação de mandatos”.

Na lição seguinte, a 7ª, Marcelo destaca os tempos da fundação da democracia mas também “as fragilidades reveladas no sistemas partidário”. E nas duas lições seguintes, a 8ª e a 9ª, passa pela “lição europeia” de uma União alheia às “desigualdades remanescentes e aos problemas vizinhos”. E também de um país convencido de ser “imune às crises” que “2008 traria no seu bojo”, disse, para introduzir a décima e última lição: uma Europa e um país que não viu “a tempo que seria impossível ficar imune ao cataclismo financeiro do outro lado do atlântico” — que começou na crise americana do subprime.

“Mais de um século de lições úteis para todos”, disse no fim deste desfiar de factos históricos escolhidos a dedo para mostrar que “não há verdadeira democracia sem sistema político dinâmico e gerador de alternativas, sem atenção a entidades estruturantes como as Forças Armadas”, voltou a frisar tocando no tema do momento.

Uma das chaves, segundo Marcelo, para responder a todos os riscos estará no próximo ano, que trará consigo eleições europeias e legislativas.” O voto poderá ser, no ano que nos espera, o caminho fundamental, na Europa como em Portugal, para a expressão dessa vontade coletiva”, afirmou.

E, a propósito, não deixou de lamentar a “incompreensão de alguns” com o seu último discurso do 25 de abril — já com referências ao risco de fenómenos populistas e xenófobos. Não é, de resto, a primeira vez que o lamenta, como se pode ler neste texto de maio. Assim, voltou àquele discurso para sublinhar a necessidade de “afirmar em permanência a qualidade da democracia, a inovação e proximidade no sistema político, a consistência do crescimento económico, a equidade do sistema social, a capacidade para atrair os que não querem partir ou partiram e querem regressar” para que seja possível “oferecer horizontes que nos poupem a tentações egoístas, chauvinistas, ou xenófobas“.