A agência de notação financeira Moody’s Investors Service decidiu melhorar a notação de risco da dívida pública portuguesa, uma decisão divulgada nesta sexta-feira e que surge 2.656 dias depois de a agência norte-americana, em julho de 2011, ter passado a desaconselhar o investimento na dívida nacional (ou aconselhá-lo exclusivamente a investidores com estratégias mais ousadas). A Moody’s foi, assim, a terceira grande agência a abandonar a designação de “junk” (ou “lixo) e a passar a considerar as Obrigações do Tesouro um “investimento de qualidade”, convencida de que a economia e a dívida portuguesas estão numa trajetória positiva — e que há riscos “limitados” de uma inversão.

A dívida portuguesa passa a ter ratings de qualidade em todas as três principais agências, além da canadiana DBRS (que não é das três mais influentes mas que é reconhecida pelo BCE, portanto foi decisiva para Portugal enquanto as notações das três maiores estavam em lixo). Quando a Moody’s decidiu cortar o rating, até a Bordallo Pinheiro fez uma “reinterpretação” das estátuas do “Zé Povinho”, com o gesto que lhe é característico e o título “Toma, Moody’s”. Agora, o impacto destas “pazes” da Moody’s com Portugal para a perceção de risco nos mercados deverá ser limitado (até porque não é propriamente uma surpresa e os juros já têm vindo a incorporar boas notícias como esta) mas positivo.

Na prática, além de poder contar com mais alguns fundos de pensões, seguradoras ou fundos de investimento que precisam dos três ratings positivos para poder investir, Portugal passa também a integrar mais alguns índices globais de dívida de países desenvolvidos, incluindo um índice importante gerido pelo JPMorgan, o que também aumenta o leque de investidores na dívida portuguesa. Nesse âmbito, o efeito mais significativo foi, porém, quando a agência Fitch se tornou a segunda agência a subir o rating, porque a maioria dos índices apenas precisa de um rating médio positivo (entre as três) ou de, pelo menos, dois ratings acima de “lixo”.

Ainda assim, numa altura em que o Banco Central Europeu (BCE) se prepara para acabar com as compras (líquidas) de dívida no mercado, esta é uma boa notícia para a evolução dos custos de financiamento de Portugal, com a perceção de risco, em teoria, a tornar-se mais resiliente numa altura em que existem incertezas políticas em Itália e, a nível global, as tensões comerciais e o risco de as taxas de juro nos EUA subirem mais rapidamente do que o previsto e contagiarem o resto do mundo.

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  • Estes são o contexto e os efeitos, vamos às explicações da Moody’s:

A agência de rating sobe a notação para Baa3, o que é o nível mais baixo na escala da Moody’s dentro das notações de qualidade. A perspetiva do rating fica em situação “estável“.

As duas principais razões para a subida do rating podem resumir-se em dois pontos: por um lado, “o nível elevado de dívida pública entrou numa trajetória de descida sustentável, embora gradual, com riscos limitados de inversão na tendência” e, por outro lado, “a diversificação dos motores de crescimento da economia portuguesa e a posição estruturalmente melhor em relação ao exterior tornam a economia mais resiliente“.

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A Moody’s admite que “se as condições [económicas] externas continuarem a ser favoráveis, isso poderá estimular o crescimento [da economia portuguesa] de forma ainda mais positiva do que a Moody’s antevê“.

Por outro lado, a Moody’s alerta que existem “desafios” para a contínua redução da despesa pública por causa das “pressões para aumentar os salários da Função Pública” e da “recuperação após os cortes significativos nos investimentos públicos“.

A Moody’s está, porém, confiante de que a trajetória de redução da dívida total — que em 2017 caiu 4,4 pontos percentuais para 124,8% do PIB — é “relativamente robusta aos possíveis choques mais previsíveis, incluindo um aumento das taxas de juro“, desde que este esse aumento seja “modesto“.

Mesmo que a dívida pública de Portugal caia, de facto, nos próximos anos, como a Moody’s espera, o governo vai continuar numa situação de endividamento muito elevado, em comparação com outros países, por muitos anos.”

A agência tinha dito, há cerca de um ano, que dali a 12-18 meses deveria subir o rating — mas em abril passado decidiu não o fazer, à espera de mais evidências de que a trajetória da dívida e da economia eram mais do que transitórias. Um ano depois dessa abertura para subir o rating, a melhoria da classificação chegou, em parte, pela “retoma rica em criação de emprego, graças, em parte, às reformas anteriores que melhoraram a flexibilidade do mercado de trabalho“.

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Essas reformas no mercado de trabalho são um dos fatores que a agência Moody’s alerta que não podem ser “revertidos“, além das reformas no sistema de pensões. Se houver demasiadas mudanças nestas duas áreas, rating pode voltar a cair, avisa a agência de notação financeira. A Moody’s poderá voltar a colocar o rating em lixo, avisa, se o crescimento for mais fraco do que o previsível, se surgir alguma necessidade imprevista de recapitalizar o setor financeiro ou se houver um “desvanecimento do compromisso do Governo com a consolidação orçamental” e a redução da dívida.

Também esta sexta-feira, a agência canadiana DBRS manteve o ‘rating’ atribuído a Portugal em ‘BBB’, com perspetiva estável, depois de em abril ter melhorado a notação financeira de ‘BBB (baixo)’.