O Clássico encheu páginas e páginas e páginas de jornais e revistas esta semana. Podíamos ir pela perspetiva dos duelos mais individuais: Suárez-Benzema, Rakitic-Modric, Piqué-Sergio Ramos, Ter Stegen-Courtois. Podíamos ir pela vertente histórica – apesar da vantagem catalã nos duelos em Camp Nou (e o Barcelona não era derrotado em casa para a Liga há mais de dois anos), o Real Madrid não perdia há três jogos no terreno dos blaugrana. Podíamos ir, e esse acabou por tornar-se no tópico principal, pela casualidade de ser o primeiro encontro sem Messi e Cristiano Ronaldo desde 2007. Mas, na essência, tudo passava por um aspeto: com uma vitória nos últimos seis golos e com Julen Lopetegui em risco, o que conseguiriam fazer os merengues para limpar a face deste início desastroso de era pós-Zidane e Ronaldo? Spoiler alert: quase nada. Isco que o diga.
“Tenho o Real no coração, espero que seja feliz”: a mensagem de Ronaldo antes do Clássico
Estávamos com oito minutos e 56 segundos de jogo quando os comandados de Ernesto Valverde recuperaram uma bola, depois de um mau passe de Modric. Durante pouco mais de um minuto e meio, só os jogadores do Barcelona tiveram posse, que não passou apenas pelos pés de Suárez. Esteve em Lenglet, foi a Ter Stegen, andou por Busquets, Piqué, Rafinha, Arthur, Sergi Roberto, Rakitic e Jordi Alba. Coutinho, na passada, só teve de empurrar para o 1-0. Entre a frustração dos jogadores do Real Madrid, alguns sem perceber o que se tinha passado, Isco ficou no meio-campo e não disfarçou um sorriso pelo hino ao futebol que tinha acabado de acontecer. No início da segunda parte, e com uma disposição tática diferente, o conjunto de Julen Lopetegui arrancou a melhor combinação ofensiva do encontro, com a bola a passar pelos pés de Benzema, Lucas Vázquez e Isco até ao cruzamento para a área e ao golo de Marcelo. Isco, de punho cerrado, acelerou para o seu meio-campo.
⚠Há quase 8 anos que o Real Madrid não sofria 5 golos num jogo. O local e o adversário eram o mesmo: o Barcelona, no Camp Nou
➡dez 2010: 5×0
➡out 2018: 5×1 pic.twitter.com/0gxHRvscpa— playmakerstats (@playmaker_PT) October 28, 2018
Depois de uma primeira parte que só pode ser catalogada com falta de comparência, Julen Lopetegui mexeu na equipa, mudou a tática, ganhou vida durante 15 minutos mas acabou goleado por 5-1. Hoje, mais do que provavelmente, o técnico que ganhou apenas um jogo nos últimos sete fez o último encontro. Dentro do esperado, houve algo de inglório. Mas a verdade é que não há memória de um momento tão mau de um Real Madrid completamente à deriva e alvo de “olés”. E nem com Isco, Modric, Kroos, Marcelo e companhia as coisas melhoram. Sem falar na saída de Ronaldo, claro.
Real Madrid are now closer to La Liga's bottom 3 than they are to top-of-the-table Barcelona. ? pic.twitter.com/RdV8YowfZX
— FOX Soccer (@FOXSoccer) October 28, 2018
Num duelo entre os dois conjuntos com mais posse de bola do Campeonato de Espanha, foi fácil perceber quem iria assumir esse estatuto e quem, por estratégia, cedeu esse papel ao adversário. Os nomes são de classe mundial, as estratégias têm sempre as suas orgânicas e nuances muito próprias, mas bastaram cinco minutos para voltar a ver a velha história da equipa que domina com bola, privilegia a circulação e tenta fazer variações rápidas de corredor e do adversário que baixa linhas, abdica da posse e procura jogar em transições rápidas explorando o adiantamento contrário. A única coisa que não é assim tão normal passa pela forma como o Real Madrid assumiu esse papel menor desde o primeiro minuto sem sequer contestar o mesmo.
Barcelona have now scored in 22 consecutive Clásicos across all competitions, equalling the fixture’s record set by Real Madrid between 1959 and 1969.
On the verge of history. pic.twitter.com/WhLUkfuJX6
— Squawka Football (@Squawka) October 28, 2018
Um remate muito por cima da trave de Benzema foi o único sinal dos merengues no início do encontro, fase em que o Barça ia procurando estudar a melhor alternativa para entrar na defesa contrária sem contar com o seu principal Mágico, Leo Messi (na bancada de braço ao peito e capuz na cabeça), e ainda a tentar encontrar aquela unidade que faça esquecer o Ilusionista que encantou durante anos a fio em Camp Nou, Andrés Iniesta – a esse propósito, nada como ler o que diz o antigo internacional espanhol campeão mundial e europeu ao La Vanguardia sobre Arthur. Primeira ideia, primeira tentativa, primeiro golo: passe a rasgar de Rakitic para a subida de Jordi Alba na esquerda sem qualquer oposição, passe atrasado já na área e toque final de Coutinho para uma baliza sem Courtois e que tinha já Sergio Ramos para lá do risco a tentar evitar o inevitável (11′). Tudo numa jogada que envolveu 30 passes e que se junta a tantas outras do Barça no livro de como jogar futebol.
Marcelo, Gareth Bale ou Sergio Ramos iam colocando o Real Madrid melhor na fotografia estatística com remates de fora da área para defesas sem complicação de Ter Stegen, mas não passava de uma mera ilusão sobre o que se passava em Barcelona, onde os blaugrana só não aumentaram a vantagem aos 19′ porque Courtois fez uma defesa monstruosa, todo no ar com uma só mão, a um remate colocado de Arthur. Não foi aí mas também não demorou muito: numa grande penalidade (bem) marcada após consulta do VAR por falta de Varane sobre Luís Suárez, o uruguaio confirmou a tendência de picar sempre o ponto diante do rival espanhol desde que chegou à Catalunha e fez o 2-0 à passagem da meia hora. O mesmo resultado com que se chegou ao intervalo, apenas porque duas aproximações perigosas do Barça falharam no último passe. Ah, e ainda houve um remate em jeito de Rafinha que passou perto do poste de Courtois depois de nova recuperação perto da área.
Real Madrid's form:
❌ 0-3 vs. Sevilla
? 0-0 vs. Atlético
❌ 0-1 vs. CSKA Moscow
❌ 0-1 vs. Alaves
❌ 1-2 vs. Levante
✅ 2-1 vs. Plzen
❌ 1-5 vs. Barcelona"Hello darkness, my old friend." pic.twitter.com/Qva1TtvHPR
— Football Tweet (@Football__Tweet) October 28, 2018
Havia buracos sem fim entre linhas com tanta cadência como a falta de soluções para sair com bola. A defesa cometia erros atrás de erros, o ataque era pouco mais do que presencial. Do meio-campo, aquele meio-campo constituído por Casemiro, Kroos e Modric que foi o melhor da Europa nos últimos três anos, nem a sombra. Teria de existir uma terapia de choque ao intervalo para conseguir inverter esta estranha tendência para o abismo do Real Madrid na presente temporada e isso acabou mesmo por acontecer com a troca de um jogador, de um sistema e de uma ideia de jogo: Lucas Vázquez rendeu Varane, Casemiro e Nacho recuaram para uma linha de três defesas com Ramos e a equipa esticou-se ao ponto de conseguir ganhar bolas à entrada da área do Barça com uma pressão alta que durante 15 minutos não conseguiu ser contrariada.
Aos 50′, numa jogada a lembrar os lances trabalhados pela mobilidade dos homens mais avançados na era Zidane, Lucas Vázques combinou com Isco na direita, Bale não conseguiu desviar o cruzamento na área mas Marcelo, na recarga, em esforço, conseguiu rematar para o 2-1. Pouco depois, em mais uma jogada que conseguiu desposicionar a defesa dos catalães com uma circulação mais rápida, Modric aproveitou uma sobra para acertar com estrondo no poste (56′). Só dava Real Madrid, perante o nervosismo que se começava a sentir nas bancadas do Camp Nou de um Barcelona sem conseguir acertar marcações e saídas perante a nova versão em campo do adversário. Ainda assim, o conjunto de Madrid estava mais exposto nas costas e foi dessa forma que, após um passe soberbo de Rakitic, Sergi Roberto assistiu Suárez que acertou no poste (61′).
?? Barcelona ? Real Madrid
Não houve Messi mas houve Luis Suárez em grande nível ⭐#LaLiga #ElClásico #BarcelonaRealMadrid pic.twitter.com/hKGECzJifu
— GoalPoint.pt ⚽ (@_Goalpoint) October 28, 2018
Foi esse o momento que mudou de novo o desenrolar do encontro. O Real Madrid tinha recuperado a sua face de equipa grande mas desmorou-se como uma simples rajada mais adversa do Barcelona. E depois de Suárez ter apontado o 3-1, com um golpe de cabeça fantástico após cruzamento de Sergi Roberto, o jogo entrou nos últimos 15 minutos que seriam uma espécie de sentença final neste curto reinado de Lopetegui no campeão europeu: com um toque de classe por cima de Courtois o uruguaio aumentou para 4-1 (83′), Arturo Vidal, acabado de entrar, fez ainda o 5-1 (87′) e o Clássico acabou ao som de “olés” perante uma formação merengue perdida, dispersa e abandonada. Tal como o seu técnico. Ou futuro ex-técnico.
?? Barcelona ? Real Madrid
"Merengues" ainda reagiram no arranque da 2ª parte mas não conseguiram evitar a "manita" blaugrana#LaLiga #ElClásico #BarcelonaRealMadrid pic.twitter.com/CJ8FqAZzOH
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