“Quanto à tauromaquia não é uma questão de gosto, é de civilização e manteremos como está”. A frase da nova ministra da Cultura, Graça Fonseca, na sua primeira intervenção pública gerou desconforto em alguns setores do PS, que tem nas suas fileiras vários aficionados. Na bancada socialista, houve quem não o escondesse. O deputado socialista Luís Testa lembrou o gosto por touradas de escritores e históricos socialistas para responder a ministra. Já Sérgio Sousa Pinto, em declarações ao Observador, utilizou uma subtil ironia: “Não vou comentar, por uma questão de civilização.”
A questão foi levantada pelo CDS, no debate do Orçamento do Estado, na generalidade. O partido tinha criticado a forma como o governo quer aplicar uma redução do IVA sobre as entradas em alguns espetáculos culturais, dizendo que o facto de o imposto só descer para alguns serviços era uma questão de gosto. O OE para 2019 prevê uma redução para os 6% nas entradas nos espetáculos culturais, mas deixa de fora o cinema, os espetáculos ao vivo e as touradas. A recém-chegada ministra admitiu debater a taxa de todos estes, menos um. Garantiu que, no caso da tourada, o IVA irá mesmo permanecer nos 13%, acrescentando:
Quanto à tauromaquia não é uma questão de gosto, é de civilização e manteremos como está.”
A frase não agradou aos aficionados que se sentiram insultados e consideraram que a ministra defendia, assim, que os apreciadores de tourada são incivilizados. Um deles foi o deputado socialista Luís Moreira Testa que atacou Graça Fonseca nas redes sociais. “Gabriel Garcia Marquéz, Mario Vargas Llosa, Ernest Hemingway, ou Federico García Lorca. É desta civilização que eu faço parte, mas também da de Goya, Dalí ou Picasso e de tantos outros, como Jorge Sampaio ou Manuel Alegre”, escreveu numa publicação no Facebook.
Curiosamente, o primeiro ministro da Cultura da era Costa, João Soares, é um conhecido aficionado que frequenta com bastante assiduidade as corridas de touros no Campo Pequeno. Muitas vezes a sua companhia é o antigo secretário de Estado da Cultura no tempo de Sócrates, Elísio Summavielle. Contactado pelo Observador, João Soares optou por não comentar, alegando não ter ouvido as declarações da ministra.
Já Sérgio Sousa Pinto — que comentou sem comentar, com ironia, as declarações da ministra –, sempre atacou os críticos das touradas. Em 2017, quando a RTP se decidiu pela diminuição das touradas na grelha de programação, o deputado do escreveu que a “televisão pública sucumbiu às imprecações de uma minoria especialmente exaltada” e considerou este “mais um golpe na sociedade aberta, onde costumávamos caber todos”. O deputado socialista acrescentou ainda:
Um dia proibirão as touradas de vez. Um dia teremos os gostos e as vidas formatadas pelas prescrições de tribos agressivas de imbecis semi-educados e fanatizados pelas suas particulares fixações morais, e determinados a reeducar o seu semelhante”.
A esmagadora maioria da bancada do PS é contra a abolição das touradas. Quando o PAN apresentou um projeto nesse sentido, apenas oito deputados do PS votaram a favor e 12 abstiveram-se. Todos os outros votaram contra a abolição de touradas.
“Demita-se porque um ministro não impõe os seus gostos nem crenças”
O presidente da Associação Nacional de Toureiros, Nuno Pardal, também utilizou as redes sociais para, mais do que atacar a ministra da Cultura, pedir a sua demissão. Nuno Pardal considerou que as declarações de Graça Fonseca demonstram que a “tauromaquia está a ser discriminada face às outras áreas da Cultura” e que “o Governo está a ponto de cometer uma grave inconstitucionalidade e desigualdade”.
Caso não consiga distanciar-se dos seus preconceitos e gostos pessoais, demita-se porque um ministro não impõe os seus gostos nem crenças”, escreveu Nuno Pardal na publicação.
A Prótoiro – Federação Portuguesa de Tauromaquia exigiu a “imediata” demissão de Graça Fonseca — uma demissão que “não é uma questão de gosto, mas de civilização” — e um pedido de desculpas público. A federação considerou que a afirmação da ministra demonstrou “o quanto não está preparada” para o cargo que ocupa, “nem para defender” a Constituição da República Portuguesa.
É inaceitável que um governante se proponha governar por convicções ideológicas preconceituosas, discriminatórias e atentatórias do Estado de Direito. Mais inaceitável se torna, quando se trata de uma ministra que sempre lutou, muito e bem, pelo direito à diferença e contra a discriminação”, lê-se no comunicado enviado à agência Lusa.
Também, no comunicado, a Prótoiro relembrou algumas personalidades conhecidas pelos portugueses apreciadoras de tourada. “Nós pertencemos à civilização de Picasso, Hemingway, Vargas Llosa, Amália, Lobo Antunes, Júlio Pomar, Pedro Cabrita Reis, Marcelo Rebelo de Sousa, Jorge Sampaio, Manuel Alegre, entre muitos outros cidadãos e artistas apreciadores das touradas”, pode ler-se também. O secretário-geral da Prótoiro, Helder Milheiro, deu como exemplo o caso do antigo ministro da Cultura, João Soares, que, “por muito menos” abandonou a mesma pasta.
Alerto para o que disse, na altura, António Costa: ‘Já recordei aos membros do Governo que, enquanto membros do Governo, nem à mesa do café podem deixar de se lembrar que são membros do Governo'”, disse Helder Milheiro à Lusa.
Já a Associação Nacional de Grupos de Forcados (ANGF) emitiu um comunicado a “manifestar o seu total repúdio” em relação ao discurso de Graça Fonseca. A ANGF considerou a afirmação da ministra da Cultura “um atentado ao Estado de Direito e à Liberdade Cultural de cada Português” e que “não respeita os princípios básicos elencados na Constituição da Republica Portuguesa”, que citam no comunicado.
Pelo juramento que realizou quando tomou posse do cargo que atualmente ocupa na República Portuguesa, e por não o respeitar, atentando contra dos princípios fundamentais consagrados da Constituição da República Portuguesa, pedimos a sua DEMISSÃO”, acrescentam ainda.
A associação defende ainda que a recém-chegada ministra da Cultura não é “merecedora de ter qualquer cargo ou responsabilidade na prossecução dos interesses do Estado Português”.
Num artigo de opinião publicado no site Tauronews, dedicado à tauromaquia, o advogado e forcado Bernardo Salgueiro Patinhas, dirige-se à ministra como “ministra Graça” e nunca como ministra de Cultura “porque de Cultura claramente pouco sabe, caso contrário saberia que cultura é tudo aquilo que um povo adota como seu, cultiva, cuida e transmite ao longo de gerações”.
O autor do artigo considerou que “na sua primeira intervenção” a ministra da Cultura “demonstrou imediatamente as suas intenções e motivações, governar para si e não para a Nação”. “Teve azar, escolheu mal as palavras, foi infeliz”, considerou. O artigo, intitulado “À Sra.Ministra de qualquer coisa” e vem acompanhado de uma fotografia de Graça Fonseca com a frase: “Demissão! Basta de discriminação”.