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JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

OE em versão bolso: tudo o que precisa de saber se não viu o debate mais longo do ano

Foram 11h54 de debate. O desfecho foi o previsível: OE aprovado na generalidade. Mas muito ficou nas entrelinhas: piadas, apartes, tensões e perguntas sem resposta. Eis o debate do OE - versão bolso.

    Índice

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Foi a quarta e última vez que a chamada “geringonça” negociou um Orçamento do Estado. Feitas as contas e fechadas as propostas, o Governo apresentou finalmente o documento aos deputados esta segunda e terça-feira num total de 11 horas e 54 minutos de discussão. Um debate onde o governo explicou o caminho seguido e bateu no anterior governo, a esquerda pediu mais e bateu na direita, e a direita criticou o eleitoralismo, a ilusão e a oportunidade desperdiçada, ou seja, bateu na esquerda.

Nessas quase 12 horas, António Costa distribuiu o jogo por vários dos seus ministros, deu palco ao recém-empossados (só não se estrearam os ministros da Defesa e da Saúde) e guardou-se para daqui a um mês (quando a versão finalíssima do OE voltar a ser apresentada). Ou pelo menos assim foi dentro de portas, já que, quando o debate chegou ao fim, o primeiro-ministro chamou os jornalistas para fazer uma declaração fora de portas.

Como é provável que não tenha visto na íntegra, eis um best of de tudo o que precisa de saber sobre o debate mais longo do ano. Houve momentos tensos, bocejos, tentativas de piada nos sound bites, perguntas em catadupa e acusações fortes.

O resultado

Talvez a única novidade seja o voto a favor do PAN, que nos últimos orçamentos se absteve sempre. De resto, as contas finais não apanharam ninguém de surpresa, votos a favor de toda a esquerda (e PAN), votos contra do PSD e CDS. Como em todos os orçamentos desta legislatura, o de 2019 também foi aprovado na generalidade. Next.

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A duração

Dos 230 deputados, intervieram mais de 70. O que representa mais de 30% dos parlamentares. Falaram ainda cinco ministros (mais dois do que estava previsto inicialmente). Fizeram-no ao longo de dois dias, num total de 11 horas e 54 minutos.

Sorrisos contidos na bancada do Governo

MÁRIO CRUZ/LUSA

Os últimos retoques nos discursos (e nas unhas)

Este foi um debate longo e deu para apanhar a deputada socialista Isabel Moreira, sentada na penúltima fila, a pintar as unhas em pleno hemiciclo durante a discussão. Foi a imagem do primeiro dia do debate, captada pela lente da agência Reuters e inspirou uma das intervenções da oposição no dia seguinte.

Deputada do PS Isabel Moreira apanhada a pintar as unhas durante o debate

As conversas entre deputados e as entradas e saídas da sala foram mais frequentes do que o habitual. Muitos parlamentares dispensaram o telefone que se encontra em cima de cada secretária e levantaram-se inúmeras vezes para conferenciar com os colegas. Na bancada do Governo, as movimentações foram menos frequentes mas também as houve. Na manhã desta terça-feira,  estava Pedro Filipe Soares a responder a um pedido de esclarecimento quando uma pouco habitual movimentação na bancada do Governo desviou algumas atenções: António Costa levantou-se e foi conferenciar com os ministros Pedro Marques e Vieira da Silva que falariam nessa tarde em nome do Executivo. Foram cerca de dois minutos, primeiro-ministro de pé e os dois governantes recostados nas cadeiras, os três a trocar ideias, Costa com ar de quem dá indicações; Pedro Marques e Vieira da Silva iam respondendo de forma sucinta, quase sempre anuindo, em sinal de concordância. Estariam a acertar agulhas para as duas intervenções finais?

Uma hora depois, Pedro Nuno Santos seguiu os passos de António Costa. Com uma mão apoiada na cadeira de Pedro Marques e outra a tapar a boca, o Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares manteve uma conversa precisamente com os dois ministros com quem o primeiro-ministro havia trocado impressões. O Ministro do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social ia ouvindo atento, tendo interrompido apenas uma vez. Já o Ministro do Planeamento e das Infraestruturas interveio mais vezes. Poderá ter sido um novo acerto de agulhas, já que, no fim, os três governantes pareciam estar em sintonia.

Os ataques mais duros

Cristas contra Costa

Foi a primeira a referir a ausência de intervenção do primeiro-ministro no debate do Orçamento (Mariana Mortágua também havia de o fazer no final) num tom muito duro. “É um desrespeito pelo Parlamento, é cobardia política, é a prova de que não está à altura do cargo que desempenha”, disse para logo de seguida aprofundar ainda mais a crítica: “Um primeiro-ministro que se furta ao debate é um primeiro-ministro fraco, pode viver da habilidade e do esquema, mas será sempre fraco em estatura”.

O primeiro-ministro escolheu ficar em silêncio no debate e foi alvo de críticas por isso

JOSE SENA GOULAO/LUSA

Pedro Marques contra PSD

Foi o primeiro ministro a irritar de forma audível a direita. Pedro Marques falou no segundo dia de debate e atacou a direita que “não é só do bota abaixo, é a direita do grita acima e bota abaixo. Porque à falta de fazer alguma coisa, aumentam os decibéis”. O sound bite que coroou este tom de ataque apareceu logo no início quando o ministro do Planeamento disse que “os orçamentos aprovados desiludiram os avistadores de belzebu”, numa referência ao PSD, partido que acusou de fazer inaugurações de lançamento de obras, como a do IP3, sem ter sequer projetos dessas obras: “Sabem o que é que eu encontrei no Ministério? Zero.”

Cristóvão Norte contra o ISP

O Governo apareceu neste debate com uma novidade extra Orçamento: vai aprovar uma portaria para reduzir o imposto sobre a gasolina. “Um monumental embuste”, reclamou Cristóvão Norte do PSD. ”É uma monstruosa encenação. 80% dos portugueses usam gasóleo. E o Governo reduz três cêntimos na gasolina”.

Vieira da Silva contra a direita

O ministro Vieira da Silva descreveu uma “oposição em estado de negação” porque “ insiste em negar a realidade do país e a realidade do orçamento”. Mas o pior foi quando falou das sanções por défice excessivo que chegaram a estar previstas para Portugal para dizer que o PS fez “em Bruxelas o trabalho que vocês não fizeram”. Resultado: a maior pateada deste debate e gritos fortes, sobretudo de Carlos Abreu Amorim e Pedro Alves.

O ministro que deixou o PSD aos gritos

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

O momento mais tenso

Exatamente na sequência desta intervenção de Vieira da Silva, estava o debate mesmo a terminar. O ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social estava encarregue do encerramento por parte do Governo e e era a ele que estava reservado o ataque político mais duro à direita (antes dele já Pedro Marques tinha ensaiado um discurso enfurecido). A direita não gostou e gritou “Vergonha! Tenha vergonha!”.

Quando o ministro terminou a intervenção e os ânimos pareciam serenar, o deputado social-democrata Duarte Marques ainda pediu a palavra para uma suposta interpelação à mesa sobre a “condução dos trabalhos”. O presidente da Assembleia da República desconfiou, e tinha razão. “Era para perguntar se o ministro que acabou de falar era o mesmo ministro da Economia em 2010”, disse o deputado, em jeito de provocação. Mas Ferro Rodrigues não gostou e deu um raspanete ao deputado: “Todos têm de ouvir o que gostam e o que não gostam”.

A notícia surpresa

Foi durante uma resposta aos deputados da esquerda e do CDS-PP. De surpresa, Mário Centeno anunciou que vai reverter o aumento extraordinário sobre o imposto sobre os combustíveis que foi decidido em 2016, na altura com um aumento de 6 cêntimos, para cumprir as metas do défice. O governo vai fazê-lo só sobre a gasolina e mais tarde, o ministro clarificou que o imposto iria descer apenas 3 cêntimos.

Imposto subiu 6 cêntimos em 2016. Agora baixa 3 cêntimos e só na gasolina. Porquê?

Talvez pelo efeito surpresa, as reações mais acesas à direita só chegaram no dia seguinte, com o CDS a falar de “publicidade enganosa” e o PSD a acusar o governo de “um monumental embuste”.

Siza Vieira estreou-se no debate do Orçamento como ministro da Economia

JOSE SENA GOULAO/LUSA

As estreias

Siza Vieira 

Na estreia a intervir no debate do Orçamento com a pasta da Economia — já era ministro Adjunto –, Pedro Siza Vieira defendeu o orçamento herdado de Manuel Caldeira Cabral com um tom mais conciliatório e mais moderado — seguramente mais do que o seu colega de Governo Pedro Marques, que falou de seguida –, mas não se furtou ao confronto político e a usar o playbook que os socialistas têm usado em todos os debates do orçamento: o ataque à governação anterior.

O ministro da Economia disse que o interior foi esquecido durante décadas, mas foi pior com o anterior governo PSD/CDS-PP. Também explicou, erradamente, que a receita do imposto sobre os combustíveis prevista no Orçamento se deve exclusivamente ao aumento do consumo, consequência do crescimento económico.

A ministra da Cultura na estreia enquanto tal num debate parlamentar

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Graça Fonseca

Não há-de ter sido fácil chegar ao palco quase sem tempo para ensaiar. A nova ministra da Cultura não constava da lista de oradores prevista pelo governo. Mas, a meio da manhã do segundo dia de debate, fizeram-se as contas e percebeu-se que sobrava tempo ao Executivo. Assim, Graça Fonseca foi convocada a intervir e coube-lhe abrir logo a seguir ao intervalo.

A ministra que assumiu a pasta só depois do Orçamento do Estado ser apresentado, denunciou nervosismo inicial e algumas falhas de dicção, mas passou a primeira prova de fogo com um discurso que deixou um número (mais 30% no orçamento nesta legislatura), um lema (“que as pessoas acedam à cultura, porque é isso que as vai fazer melhores”) e uma tomada de posição firme contra as touradas (sobre a manutenção do IVA: “Não é uma questão de gosto, é de civilização”).

Assunção Cristas foi recordista das perguntas neste debate

MÁRIO CRUZ/LUSA

Cristas, a recordista das perguntas

O CDS, ao contrário dos outros partidos, optou por pôr a líder a fazer a intervenção de abertura, na segunda-feira, ficando mais resguardada no segundo dia de trabalhos. Todos os outros fizeram o contrário, guardando os seus melhores trunfos para o fim. Em todo o caso, no arranque do debate, Assunção Cristas foi mais dura do que qualquer outro no ataque cerrado que fez a António Costa, acusando-o de ser “fraco” e de se “esconder atrás de Mário Centeno”.

Foi também Cristas quem garantiu o recorde de mais perguntas disparadas por minuto: numa intervenção de pouco mais de cinco minutos, a líder do CDS fez 31 perguntas ao governo, passando em revista todos os temas: dos hospitais, em particular a ala pediátrica do hospital de São João, à educação, passando pelas reformas antecipadas, a agricultura, o interior e o investimento. E disse mais: Costa podia não querer responder às suas perguntas, mas ela fazia-as na mesma, para Mário Centeno responder. Talvez fosse difícil responder a tantas de uma vez. Ou talvez as 11 horas 54 minutos de debate pudessem ter sido suficientes.

As perguntas sem resposta

Aumentos na Função Pública

Foi o tema que mais discussão gerou nas semanas que antecederam a entrega da proposta de Orçamento, mas desapareceu assim que o documento foi apresentado. Os aumentos salariais na Função Pública não estão — nem é suposto estarem — definidos na proposta de lei, estão a ser negociados com os sindicatos e a única garantia dada (repetida) por Mário Centeno é que há 50 milhões de euros para aumentos salariais e esse valor já está previsto no défice. O resto dependerá dos sindicatos.

Os partidos fizeram várias questões sobre o tema, mas quem puxou das palavras mais fortes foi a líder do Bloco de Esquerda, durante o encerramento do debate: a questão pode e deve ser negociada com os sindicatos, mas se o Bloco não achar suficiente vai pedir a apreciação parlamentar do decreto-lei ou portaria com os aumentos. Ou seja, pode tentar alterar o aumento decidido pelo Governo no Parlamento (se tiver apoio de mais partidos para o fazer).

Por seu lado Mário Centeno acha que é dinheiro mais que suficiente, já que há mais 759 milhões que já aumentam as despesas com pessoal no Estado, mas estes de medidas tomadas antes e a maior parte relativa ao descongelamento de carreiras na Função Pública.

Valor do défice

590 milhões de euros. Foi o número mais repetido durante o debate, não porque aumente a despesa, mas porque a irá reduzir, mas ninguém no Parlamento sabe como. É a divergência encontrada pela UTAO entre o que o Governo quer que o Parlamento autorize e o que pensa efetivamente gastar para ter um défice de 0,2%. Foi motivo de acusações violentas, desde aldrabice a desrespeito pelo Parlamento, mas em nenhum momento Mário Centeno disse quais seriam os programas afetados, disse apenas que era a prática na realização dos orçamentos.

Seja transparente ou não, como diz a UTAO, a verdade é que tem mesmo sido a prática — em todos os orçamentos de Mário Centeno isto aconteceu — e o resultado, no final do ano, são défices mais baixos e a ausência de retificativos, mas também que o Parlamento deixa de ter o poder de fiscalizar mudanças na estratégia orçamental do Governo.

Quanto custa a novidade no ISP?

A grande novidade foi que o Executivo vai finalmente acabar com o aumento extraordinário às taxas do imposto sobre os combustíveis criado para cumprir a meta do défice de 2016, mas só sobre a gasolina e que resulta numa redução do preço em três cêntimos. Quanto custa? O ministro não disse. Estará previsto no orçamento? O ministro não disse. Foi decidido com os parceiros ou apenas pelo Governo? Outra explicação que ficou por dar.

Os ausentes mais citados

José Sócrates

Era a comparação esperada e Fernando Negrão cumpriu, no encerramento do debate. “Em ano eleitoral, vale tudo”, disse, lembrando logo a seguir que em 2009 o primeiro-ministro José Sócrates “baixou o IVA, anunciou grandes obras públicas, e meses depois estava a tirar tudo o que tinha prometido: aumentou IVA, congelou pensões, cortou salários, porque a crise estava a chegar a Portugal”. E também disse que este modus operandi costuma ser acompanhado por uma frase: “Nunca houve tanta transparência nas contas públicas portuguesas” — Disse-o Sócrates em 2010 e di-lo hoje António Costa”, rematou. Não foi o único a lembrar o anterior primeiro-ministro socialista, também na bancada do PSD Adão Silva lembrou os mesmos “mundos e fundos prometidos na véspera de eleições”. E rematou, picando o atual PS: “Se no passado tudo acabou em tragédia, em 2019 tudo acabará numa farsa, citando o vosso amigo Karl Marx”.

Passos Coelho

Há duas formas de Pedro Passos Coelho estar presente nos debates da atualidade, ou referido pelo próprio nome ou na palavra que se tornou um sinónimo da sua intervenção política na oposição: o diabo. Neste debate apareceu nas duas formas e sempre para ser criticado pelos partidos da esquerda e pelo Governo. No final, nos Passos Perdidos, o primeiro-ministro disse que “não tem encontro marcado [com o diabo] para 2019″, aproveitando sempre o Governo PSD/CDS, liderado por Passos Coelho, para contrapor com o seu. É a cartilha seguida por qualquer das bancadas da esquerda quando quis atacar as intervenções vindas do PSD. Foi por esta mesma razão que o ministro Pedro Marques referiu os “avistadores de belzebu”. O facto de o PSD ter escolhido alguns desalinhados da atual direção e caras do passismo (Hugo Soares e Maria Luís Albuquerque) para intervirem no primeiro dia de debate fez que essas recordações da esquerda saltassem ainda mais, como foi o caso de Joana Mortágua que disse a Hugo Soares que se “Portugal está igual ao que estava no tempo de Passos Coelho, significa que este Governo faz o mesmo que fez o seu partido e nesse caso esperaríamos que o PSD votasse a favor do Orçamento”.

Cavaco Silva

Com o novo livro do ex-Chefe de Estado ainda bem fresco — e tantas referências à “geringonça” —, Cavaco Silva não deixou de “aparecer” neste debate. A referência veio logo no arranque com Mário Centeno que, quando ouviu Adão Silva (PSD) dizer que à esquerda os partidos “andaram às caneladas” na negociação do OE, não se conteve e atirou: “Depois do livro publicado na última semana, sobre caneladas estamos conversados”.

Os passistas resgatados

Surpresa no debate foram as escolhas do PSD para pontas de lança. Logo no primeiro dia de trabalhos, a assessora de imprensa informava os jornalistas que as intervenções de fundo iam ficar a cargo de Adão Silva, que é primeiro vice da bancada e nome próximo de Rui Rio, a quem iria caber a abertura, e a intervenção de encerramento do primeiro dia ficaria a cargo de Hugo Soares. Sim, o ex-líder parlamentar que foi afastado por Rui Rio e que tem sido uma das vozes mais críticas no interior da bancada. Fernando Negrão, o líder parlamentar, ficaria com o encerramento de terça-feira. Pelo meio, também a ex-ministra das Finanças de Passos, Maria Luís Albuquerque, e Teresa Leal Coelho, a candidata de Passos para as autárquicas em Lisboa, foram escolhas da direção para intervirem no debate.

Assim foi. Hugo Soares subiu à tribuna com a faca afiada para criticar o OE “poucochinho” e “umbiguista”, e para atacar o BE e PCP por fecharem os olhos ao governo “por migalhas de poder”, sendo aplaudido de pé pelos colegas de bancada. Por quase todos os colegas de bancada, note-se. Fernando Negrão e Adão Silva não se levantaram. Porquê? Já fora do hemiciclo, Negrão respondeu que apenas não se levantaram porque ele e Adão Silva estavam responsáveis pela condução dos trabalhos, “o que não é tarefa fácil”. E sobre a escolha de Hugo Soares para protagonizar um dos discursos mais importantes do debate, rejeitou que fosse para calar os críticos sublinhando que se trata de “um deputado com muita qualidade, como já demonstrou várias vezes”. As escolhas foram acertadas com o líder do partido, Rui Rio? Foram, “naturalmente”.

Os insólitos

Centeno e Sophia

Não sendo exatamente novidade (fez a mesma coisa no primeiro discurso que proferiu no Parlamento, há três anos), não deixa de surpreender a comparação que o ministro das Finanças faz entre o trabalho deste governo e a Revolução dos Cravos.

Na intervenção que abriu o debate na segunda-feira, Centeno recorreu a várias citações, algumas mais de cariz mais popular – como a referência à Olívia costureira e Olívia patroa – e outras mais eruditas. Foi o caso, no final do discurso, quando citou Sophia de Mello Breyner Andresen e “a mais bela das suas poesias”. O ministro das Finanças, que comparou a formação do governo da “geringonça” à “madrugada pela qual esperávamos”, leu também no poema de Sophia uma metáfora do seu trabalho com a aprovação do último orçamento desta legislatura: “a substância da política e do tempo, que nos levará, como em abril, ao futuro”, disse o ministro.

Não foi o único a recorrer a Sophia. Edite Estrela fez o mesmo, mas citando uma passagem da escritora enquanto deputada da Assembleia Constituinte.

A noiva que pinta as unhas

A imagem captada pela Reuters da deputada Isabel Moreira a pintar as unhas marcou o debate do Orçamento do Estado de tal forma que no dia seguinte o PSD não resistiu: no período de questões ao ministro Siza Vieira, o deputado António Costa e Silva acusava o governo de ter políticas “quase inexistentes” para o interior e fez uma comparação com uma noiva que tem a promessa de casar, mas cujo noivo nunca cumpre. “A noiva até se arranja, até pinta as unhas em pleno debate do orçamento…”, disse o deputado apontando à bancada socialista.

Na resposta ao deputado do PSD, Hortense Martins (PS) disse que no tempo do governo anterior “a noiva nem sequer arranjou noivo”, numa alusão ao facto de o interior ter sido votado ao abandono nos quatro anos de governação PSD/CDS.

Telmo Correia, os cães e o PAN

Foi daqueles momentos, já perto do final do primeiro dia de debate, em que quem se distraísse e apanhasse a conversa a meio, ficaria confuso. Telmo Correia criticava a política do governo para as forças de segurança e acusava a esquerda de “entre o polícia e a canção do bandido” preferir “sempre mais a canção do bandido que a proteção da polícia”. Já no período de respostas, o deputado do CDS citou uma entrevista do presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia com a frase “o cão polícia recebe mais que o agente remunerado”. Mário Centeno riu-se, Telmo Correia não gostou e lembrou ao ministro das Finanças que se estava a falar dos gratificados: “Se ele se fizer acompanhar de um cão recebe mais. E não foi por influência do deputado André Silva (PAN), que não teve nada a ver com isto.”

As melhores “piadas”

Rocha Andrade

São muitas horas de debate e, por vezes, há registos de boa disposição. Ou pelo menos tiradas que tentam ter esse efeito. Este não foi um debate especialmente profícuo nessa matéria, mas ainda houve aquela vez em que o socialista Fernando Rocha Andrade deixou as bancadas do Governo e do PS a rir quando descreveu que “nos orçamentos anteriores, a chapa ganha não chegava para a chapa gasta e era preciso pedir chapa emprestada e sempre mais do que a inicialmente prevista”.

Jamila Madeira

A dada altura, quando o PSD colocou Hugo Soares, líder parlamentar do PSD no tempo da anterior direção, Jamila Madeira levantou-se da bancada socialista para lhe dizer que “ao ouvi-lo ficamos na dúvida se estamos a ver a ARTV ou a RTP memória”.

Emídio Guerreiro

Na picardia que já ia embalada da bancada do PSD com o ministro do Planeamento, o deputado social-democrata Emídio Guerreiro levantou a suspeita de nos próximos meses ver ministros por aí a inaugurarem obra, acusando o Governo de estar a anunciar os mesmos investimentos várias vezes. E aqui atirou a Pedro Marques: “Digo-lhe mais senhor ministro, se encontrasse uma pá e cimento, muitas das obras já estariam feitas”.

O que fica para a especialidade

Bloco de Esquerda

Ao longo destes dois dias, o Bloco de Esquerda foi deixando vários recados. Primeiro, carregou  nas medidas do setor energético, pedindo uma revisão dos moldes da atualização do IVA da eletricidade e uma alteração às regras da CESE, sugerindo, entre outras, o levantamento da isenção para as centrais atribuídas através de concurso público. Depois, e já fora do setor energético, exigiram medidas contra a especulação imobiliária, a aposta em impostos sobre o património e os lucros das grandes empresas, assim como melhores condições para Autoridade Tributária poder combater o branqueamento de capitais e a evasão fiscal. Pedem ainda que seja criado “um complemento de pensão que compense a aplicação do fator de sustentabilidade nas pensões”.

Para a intervenção final, Catarina Martins reservou um aviso de última hora, ao anunciar que o partido pode vir a pedir a apreciação parlamentar dos decretos-lei relativos aos aumentos salariais na Administração Pública, que estão a ser negociados com os sindicatos, e relativos à contagem do tempo de serviço dos professores. Já o sentimento com que os bloquistas partem para a fase que se segue, esse, foi resumido na última frase que Mariana Mortágua proferiu durante o debate: “esperemos que saia [deste processo] um OE bem melhor do que aquele que temos agora”.

PCP

Do lado comunista, as exigências foram resumidas na última intervenção, a de Jerónimo de Sousa, mas foram sendo libertadas ao longo destes dois dias. Algumas bandeiras que agitaram coincidem com as do Bloco de Esquerda. Os comunistas pedem uma atualização dos limites dos escalões do IRS, tendo em conta a inflação; exigem “novos passos na derrama estadual” e um novo escalão de IMI; defendem o “alargamento do abono de família” assim como a extensão das prestações para deficiência; apelam a uma redução da fatura energética “mais efetiva”; e avisam que vão bater-se pelo alargamento da redução do IVA para espetáculos.

O PCP também não deixou cair a recomendação de haver um aumento salarial para toda a Função Pública, assim com o aumento do Salário Mínimo Nacional para os 650 euros já em janeiro. Mas, ao contrário do Bloco de Esquerda, os comunistas não deverão pedir a apreciação parlamentar dos decretos-lei.

São várias exigências e de todas Mário Centeno deve ter tirado boa nota. Mas também deixou avisos à navegação: “A especialidade é um período de debate e esperemos que esse debate seja guiado por sentido de responsabilidade”.

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