A biografia de José Saramago, um retrato do percurso criativo e privado do Prémio Nobel da Literatura Português, já chegou às livrarias e é apresentada esta terça-feira, na Biblioteca Palácio Galveias, em Lisboa.

“José Saramago: rota de vida” é o título da biografia, escrita por Joaquim Vieira e editada pela Livros Horizonte, que traça o percurso de uma personalidade única da cultura portuguesa, debruçando-se tanto sobre a sua intensa atividade criativa como sobre a sua atribulada vida privada, descreve a editora.

Único português, até à data, a vencer o Prémio Nobel da Literatura — o que aconteceu há 20 anos – e autor de romances como “Memorial do Convento”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis” ou “Ensaio sobre a Cegueira”, Saramago conquistou por mérito próprio “um estatuto de primordial relevo” na História recente, acrescenta.

A editora destaca, contudo, que José Saramago trilhou “um caminho árduo” até atingir a consagração, já que nasceu num seio de uma família de trabalhadores rurais ribatejanos, estudou apenas para serralheiro mecânico e fez toda a sua formação intelectual como autodidata.

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O autor manteve-se na obscuridade durante a maior parte da sua carreira, fosse como funcionário de escritório, responsável por uma editora ou até enquanto editorialista, que não assinava os seus textos, e só por volta dos 60 anos ganhou notoriedade como romancista.

“É um percurso muito rico de vida, sobretudo porque há uma parte que é menos conhecida das pessoas, porque Saramago praticamente só ganhou projeção aos 60 anos, há todo um percurso de evolução até aí que eu acho fascinante”, disse Joaquim Vieira, em entrevista à Lusa.

E explica: “Como é que uma pessoa está na obscuridade durante a maior parte da sua vida e, de repente, começa uma ascensão até chegar ao Nobel? Isso é o que eu acho talvez mais interessante na vida de Saramago, mas interessou-me muito esse primeiro meio século da sua vida, como é que foi a sua formação, para chegar a uma altura e fazer a caminhada para o Nobel”.

Viu-se envolvido em polémicas que mobilizaram as atenções nacionais: foi acusado de praticar censura e de afastar jornalistas como diretor-adjunto do Diário de Notícias.

No entanto, ele próprio viria a queixar-se, anos mais tarde, de o Governo lhe censurar um livro, o que o levaria a tomar a decisão de se afastar do país.

Joaquim Vieira refere-se a esse episódio, passado no chamado “verão quente” de 1975, do saneamento de jornalistas que exigiam mais pluralismo, como tendo sido “muito complicado” na vida de Saramago, que ainda se tentou distanciar desse ato, afirmando que não tinha responsabilidades.

“Mas não é essa a ideia que se tira, quando se investiga o assunto e se fala com pessoas que viveram isso também. A ideia que se tira é que ele teve responsabilidades”, afirma Joaquim Vieira, argumentando, contudo, que é preciso perceber o que se passou, “no contexto da época”.

Eram tempos de muita agitação, em que toda a gente tomava posição, e Saramago esteve também envolvido em toda essa agitação, escrevia editoriais que defendiam opiniões “incendiárias no contexto da época do PREC [Período Revolucionário em Curso]”.

Na altura, dizia-se que o jornal estava na mão do PCP e, de facto, José Saramago era militante do partido, “só que aqueles editoriais escritos por ele eram mais radicais do que a posição do PCP, o que causou até incómodos ao próprio Partido Comunista”, contou Joaquim Vieira, confessando que desconhecia este pormenor.

A biografia de José Saramago revela também um homem com uma relação “um pouco atribulada” com mulheres, com quem teve “muitos atos de sedução ao longo da vida”.

“Há muitas histórias de Saramago com mulheres”, histórias que, hoje em dia, na era do movimento ‘#metoo’, possivelmente ganhariam “um outro significado”.

“As pessoas farão os seus juízos, não o acuso de assédio, mas descrevo certos episódios e depois as pessoas tiram as suas conclusões”, afirmou Vieira, frisando que nenhuma das pessoas que entrevistou acusou o escritor de assédio, de “maneira explicita”, mas contaram “situações que são um bocado complicadas”.

Apesar destes episódios, Joaquim Vieira salienta que “o fundamental” da biografia de Saramago é a obra, a escrita e a literatura.

O jornalista, que já foi biógrafo de Mário Soares e Francisco Pinto Balsemão, assumiu a empreitada de escrever a biografia de José Saramago, a convite da editora Livros Horizonte, tarefa que lhe demorou três anos de trabalho e que chegou este mês às livrarias.