Uma das vítimas mortais do aluimento de terras na pedreira de Borba foi resgatada do poço no início da tarde de terça-feira. “Esta tarde, conseguimos uma janela de oportunidade que nos permitiu executar com sucesso o resgate do operador da máquina”, confirmou o comandante do CDOS de Évora, José Ribeiro, em conferência de imprensa ao final do dia.

A ideia era poder retirar a segunda vítima pela mesma via — com uma grua colocada ao nível da estrada —, mas as condições meteorológicas não têm facilitado os trabalhos. A chuva intensa e a água que escorre entre as falhas dos taludes aumentam o risco de novos aluimentos de terras. Esse perigo obriga a uma avaliação cuidada das operações que podem ser realizados ali, para proteger a integridade física dos elementos dos bombeiros que têm a missão de resgatar os corpos. “O perímetro é muito instável, com elevado risco de deslizamento de massas, que se foi verificando ao longo do dia e que foi agravada com a precipitação que ocorreu durante a tarde”, resumiu o comandante Ribeiro aos jornalistas.

As duas vítimas mortais já confirmadas estavam a operar uma retroescavadora de uma das empresas que fazem a exploração de mármores na zona — ALA de Almeida — quando se deu o acidente esta segunda-feira.

O primeiro trabalhador a ser retirado era o único cujo corpo se encontrava visível, ainda que parcialmente. Na operação de resgate foi preciso afastar as pedras de grandes dimensões e a terra que cobriam o homem. O óbito foi declarado depois o homem de 49 anos ter sido içado e o corpo foi levado para o Instituto de Medicina Legal. Os trabalhos continuaram até às 22h, no sentido de retirar o segundo corpo, um homem de 57 anos, que ainda se encontra preso nos escombros.

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O Comando Distrital da Proteção Civil de Évora ainda não confirmou o número total de vítimas e limita-se a citar as indicações dadas pelas testemunhas que terão visto pelo menos duas viaturas, além da retroescavadora, a serem arrastadas pela estrada que caiu no poço da pedreira. “Ao que tudo indica”, reforçou o comandante, outras duas viaturas “terão sido arrastadas com o deslizamento de massas — onde se supõe que, no conjunto, possam estar três pessoas”.

Já esta tarde, a GNR tinha confirmado que há pelo menos três pessoas dadas como desaparecidas na zona: um homem de 85 anos do Alandroal, que se teria deslocado a Vila Viçosa, e dois homens de Bencatel que terão ido juntos para Borba. A GNR não confirma, porém, que estas pessoas tenham sido vítimas do acidente na pedreira.

https://observador.pt/2018/11/20/bombeiros-ja-comecaram-a-descer-ao-poco-da-pedreira-instabilidade-dos-terrenos-dificulta-o-resgate-em-borba/

As vítimas que continuam por localizar podem estar soterradas ou submersas (ou ambas), por isso a Proteção Civil está também a usar motobombas de grande capacidade para retirar a água que enche o poço de cerca de 50 metros de profundidade. Estima-se que o poço tenha, nesta altura, 200 mil metros cúbicos de água, o equivalente a 80 piscinas olímpicas. Com um nível mais baixo de água, poderá ser preciso também tirar pedras, terra e lama até encontrar os corpos.

As condições de segurança, as condições meteorológicas e a complexidade do processo justificam que as operações possam demorar várias semanas. Marcelo Rebelo de Sousa, que fez uma “visita relâmpago” ao local, disse que vai acompanhar os trabalhos e pediu paciência às pessoas, em alusão ao tempo que ainda pode demorar até que os trabalhos estejam concluídos.

A mina, cuja parede colapsou e arrastou consigo 80 a 100 metros da estrada municipal 255, estaria desativada há cerca de um ano. O proprietário, Jorge Plácido Simões, disse mesmo que a zona onde o aluimento aconteceu já não era explorada há cerca de três anos, por não ser rentável, e que o resto da mina foi desativada pela mesma razão.

O presidente da Câmara Municipal de Borba, António Anselmo, disse estar de consciência tranquila, mas assume as responsabilidades que tiver de assumir — NUNO VEIGA/LUSA

Jorge Plácido Simões é um dos vários industriais do mármore que garantem que já tinham alertado o presidente da Câmara Municipal de Borba, António Anselmo, para a falta de segurança da estrada. Risco esse associado não só à falhas nos taludes que poderiam levar ao deslizamento de terras, mas também ao risco de despistes que poderiam fazer com que os carros caíssem no poço das pedreiras. A proposta era que a circulação naquela estrada fosse interrompida.

José Batanete e Luís Sotto Mayor, também eles donos de pedreiras, confirmaram à Lusa esta reunião e a proposta de encerrar a estrada. “Alguns colegas chamaram-nos malucos” e disseram que “a gente estava a levantar um problema que não existia”, disse Sotto Mayor. O memorando apresentado na reunião, a que o jornal Expresso teve acesso, declarava claramente que para a Câmara de Borba “será transferido todo o ónus decorrente do que possa suceder em termos de um ‘colapso do talude que sustenta a estrada’”.

Os empresários confirmaram que a Direção Regional da Economia (cujas competências agora estão sob a alçada do Ministério do Ambiente) também esteve presente na mesma reunião com o município e que confirmou o perigo para as pessoas que circulassem na estrada. A DRE confirmou entretanto à SIC que um representante do organismo esteve presente na reunião, mas que não foi possível chegar a um consenso.

Quando foi confrontado com esta reunião, o presidente da câmara começou por dizer que “nunca na vida” foi alertado para perigo da estrada. Na segunda-feira à noite, o autarca já tinha dito estar “de consciência completamente tranquila” e que o que tinha “em termos legais e de conhecimento” era que a situação da estrada “estava perfeitamente segura”. Esta terça-feira, António Anselmo declarou não querer “especular” e deixou uma promessa: “Aquilo que se passou nessa reunião será público na altura certa, com atas e com o que foi dito nessa reunião.”, declarou.

Na véspera, o autarca tinha acrescentado que os empresários nunca chegaram a uma conclusão porque o que queriam não era cortar a estrada por questões de segurança, mas cortá-la para explorar o talude. Jorge Plácido Simões negou esta afirmação e lembrou que já tinha deixado de explorar aquela zona por falta de rentabilidade.

Na altura, em 2014, António Anselmo disse, segundo a Rádio Campanário, que “estando em causa o perigo da estrada, o assunto é muito sério”. Mas, por outro lado, descartou que fosse a câmara a fazer obras na estrada. “A câmara não tem que fazer obras na estrada, se existir algum relatório que prove que a estrada é insegura, a única coisa que se pode fazer é limitar o trânsito, é um processo que estamos a avaliar com muita atenção e muita calma”, disse o presidente à rádio local. Há relatórios do Instituto Superior Técnico e da Universidade de Évora que confirmam a falta de segurança no local.

Borba, a cidade quase em silêncio que espera um milagre

Enquanto se procuram as vítimas, discute-se quem serão os responsáveis pelo acidente e pela manutenção da estrada. A antiga EN255 deixou de ser uma estrada nacional em 2005 e passou a estar sob a responsabilidade das câmaras municipais de Borba e Vila Viçosa. Pedro Marques, ministro do Planeamento e Infraestruturas, disse que quando se fez a transferência da estrada para a responsabilidade municipal se apresentou a variante — da responsabilidade do Estado — como “alternativa segura e disponibilizada às populações de imediato”. A estrada que passa na pedreira “poderia ter sido encerrada” ou, em alternativa, ser transferida para gestão municipal, como acabou por acontecer com o consentimento do município.

Ribau Esteves, vice-presidente Associação Nacional de Municípios Portugueses, disse que, em muitos casos, estas transferências não foram feitas nas melhores condições: ou a entidade que entregava a estrada não tinha feito as obras que a estrada necessitava, ou o município não tinha assegurado o financiamento necessário para fazer essas obras. Neste caso, o Estado construiu uma variante como contrapartida.

Já esta terça-feira, o Ministério Público decidiu abrir um inquérito para investigar as causas do desabamento na pedreira de Borba. Ao Observador, a Procuradoria Geral da República explica que o inquérito servirá para “apurar as circunstâncias que rodearam a ocorrência”.

Também Autoridade para as Condições do Trabalho está a investigar o acidente, nomeadamente para a averiguar as condições de segurança e saúde dos trabalhadores, confirmou fonte oficial da ACT ao Observador. Segundo informação disponível, as duas vítimas mortais confirmadas seriam trabalhadores da pedreira que estava em laboração, a da ALA de Almeida.