Dezanove anos é muito tempo quando paramos um pouco para pensar nas nossas vidas. Quando analisamos quem éramos e o que nos influenciava nos últimos meses da viragem do milénio, quando o medo de um vírus informático cataclísmico nos ocupava mais a mente coletiva do que as transformações culturais que vivíamos. No meu caso, 19 anos é o tempo que vai entre ser adolescente e ter o primeiro contacto com Pokémon e hoje ser pai, ter filhos e conduzi-los a esse primeiro contacto com a famosa série de videojogos.

Desde a criação em 1996 (e da entrada em Portugal em 1999) que a série criada por Satoshi Tajiri e Ken Sugimori foi um verdadeiro sucesso crítico e comercial, penetrando no ideário comum da cultura pop mundial. Mas este sucesso esteve quase sempre circunscrito ao público dos videojogos e da Nintendo, que consumia a galáxia de outros media de Pokémon como as séries de anime ou os filmes exibidos no cinema. A capacidade que a série teve para atingir uma escala que vai além dos jogadores deu-se apenas com a verdadeira febre que foi Pokémon Go, que suscitou interesse nos Pocket Monsters (Pokémon, em abreviatura) de quem nunca lhes achou qualquer piada, assim como de muita gente que nem videojogos jogava. Milhões de pessoas fascinadas pelas experiência de Realidade Aumentada (RA) que foi conquistando adeptos pelo mundo fora, num furor de peregrinações pelas ruas, para apanhar criaturas virtuais raras.

É para estes dois públicos que Pokémon Let’s Go Eeevee e Pikachu foi criado. Por um lado, a pensar nos jogadores que depois de quase duas décadas passaram de filhos a pais e que querem partilhar a sua paixão com Pokémon. Por outro, os milhões de potenciais novos jogadores de consolas da Nintendo que descobriram a série com o jogo de RA para telemóvel. O ponto de intersecção entre os dois públicos é o remake das três versões do jogo de Pokémon original (Red, Blue e Yellow), que nos leva de volta para a região de Kanto, onde decorria a aventura.

As diversas revelações que antecederam o lançamento deste Pokémon Let’s Go deixaram perceber que o público-alvo não eram os jogadores hardcore da série. A óbvia simplificação mecânica entre este título e os principais jogos de Pokémon circunscreviam-no a uma espécie de porta de entrada de jogadores casuais para os famosos role-playing games. O primeiro ponto de estranheza para os fieis seguidores de Pokémon é que neste Let’s Go não nos é permitido combater os Pokémon selvagens com quem nos cruzamos. Se a série principal nos obriga a enfraquecê-los em combate para os podermos capturar, em Let’s Go temos apenas de mimetizar as mecânicas gestuais de atirar bolas, que aprendemos na versão de telemóvel para o conseguir.

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Se os combates e o grind (a repetição intensiva das mesmas ações) eram, na série principal, a única forma de ganharmos pontos para que os nossos Pokémon subissem de nível, em Let’s Go, tudo isso é substituído pela simples captura de criaturas. Não é de estranhar que poucos minutos depois de começarmos a jogar já tenhamos a nossa mala virtual repleta de inúmeros Pikachu e Pidgey. Esta hiper-simplificação do jogo tem o risco de retirar o desafio inerente da série, e em muitos aspetos, acaba por fazê-lo. E é nesses momentos que temos de nos lembrar que apesar de Let’s Go ser uma reinterpretação dos jogos originais, os seus destinatários — as crianças pequenas e os jogadores casuais — dificilmente conseguiriam compreender a passagem da simplicidade de Go para os jogos de consola. Let’s Go é o ponto de compromisso entre esses dois universos comuns mas tão distintos, e a forma de entendimento de duas abordagens díspares num objeto só.

O reduzido número de combates (apenas enfrentamos outros treinadores e alguns Pokémon especiais) e as mecânicas simplistas de captura acabam por ser dos poucos pontos fracos para os habituées da série principal. Em tudo o resto, Pokémon Let’s Go é o melhor prenúncio possível para o que será uma nova geração de jogos Pokémon na nova consola da Nintendo. Começando pela direção artística, brilhante, que ganha uma coesão distinta quando jogamos no ecrã da televisão. O tratamento das texturas do ambiente e das criaturas com pinceladas, todas perfeitamente visíveis pela escala do nosso ecrã de TV, deixa-nos a ansiar o novo jogo principal que sairá no próximo ano, e pela primeira vez jogável para lá do ambiente de consolas portáteis.

A introdução da cooperação com um segundo jogador é algo que não só permite o momento de partilha entre gerações que está na base do jogo, mas que deixa antever as possibilidades de jogabilidade para o futuro. Acredito que algumas destas novas ideias introduzidas em Let’s Go sejam a forma de a Pokémon Company testar as águas para o que vai ou não ser introduzido na série principal. O modo cooperativo é um dos elementos que espero que venham a ser incorporados, mas com um maior leque de ações do que o mero papel de suporte que existe aqui neste Pokémon Let’s Go.

Ao contrário dos restantes jogos de Pokémon, no qual as criaturas surgem aleatoriamente quando andamos em determinados tipos de terreno, neste spinoff, os Pokémon são visíveis no ecrã de jogo, a deambularem pelo cenário. Para cativar os jogadores de Pokémon Go a migrarem para a consola existe ainda a possibilidade de interligarmos as contas entre o nosso telemóvel e este jogo da Switch, transferindo os Pokémon da primeira Geração (até ao número 151) que apanhámos com o telemóvel.

A grande adição a nível de periféricos é a Pokébola, que funciona como um Joycon da Switch, mas que permite com os seus dois botões apenas (sendo um deles analógico para controlar o movimento) controlar o jogo todo apenas com uma mão. A depuração de controlos feito em Pokémon Let’s Go para permitir jogá-lo apenas com gestos e com os dois botões da Pokébola vêm apenas somar ao aspeto mais casual do jogo. Por outro lado, a vibração HD e a pequena coluna incorporada no dispositivo tornam a captura dos próprios Pokémon mais realista, já que os sentimos e ouvimos a mexerem-se dentro da bola.

Pokémon Let’s Go Pikachu e Eevee tem sido criticado por muitos jogadores que o consideram demasiado simplista. E têm razão em afirmá-lo, mas esquecem-se que não são o público-alvo deste título mais casual e infantil, que serve sobretudo de porta de entrada para uma fatia de consumidores que não conhecem a série. Não sendo o jogo da nova geração que tantos jogadores anseiam, Pokémon Let’s Go é um excelente prenúncio do que reserva aos famosos Pocket Monsters na consola híbrida da Nintendo. E a melhor ferramenta que uns pais apaixonados por Pokémon podem ter para passar o testemunho aos filhos.

Ricardo Correia, Rubber Chicken