A Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa (AETPL), o maior fornecedor de mão de obra do porto da capital e o maior esteio de representatividade do Sindicato dos Estivadores e Atividade Logística (SEAL), liderado por António Mariano, está em falência técnica e à beira da insolvência, indica um relatório final da consultora EY, encomendado pelos operadores do porto e ao qual o Observador teve acesso. A “situação financeira é crítica”, o que pode levar os acionistas da AETPL a extinguir a empresa num prazo que pode ser tão curto como um mês e meio, apurou o Observador junto de um dos operadores que compõem a estrutura acionista.
”Num cenário as-is (sem alterar a atual situação), a AETPL vê-se confrontada com uma situação de insolvência iminente. (…) Considerando o plano de negócios num cenário de continuidade, isto é, sem que ocorram mudanças estruturais na Empresa, não se espera que a AETPL recupere da atual situação dado o desajuste que existe entre a estrutura fixa de trabalhadores, que comporta gastos com o pessoal elevados, e o volume de atividade que se estima para o porto de Lisboa nos próximos períodos”, considera a consultora no trabalho.
Face a esta situação a Associação-Empresa de Trabalho Portuário de Lisboa encontra-se perante uma situação de insolvência iminente, sendo necessário implementar no curto prazo medidas estruturais que permitam garantir a viabilidade económica da empresa.”
Nesta segunda-feira, este relatório final vai ser dado a conhecer às estruturas sindicais mais representadas no porto de Lisboa, nomeadamente ao SEAL, o sindicato que atualmente tem estado envolvido nos protestos no Porto de Setúbal, nomeadamente a exigir a assinatura de um novo contrato coletivo de trabalho.
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A consultora EY, que realizou o trabalho entre 24 de setembro e 25 de outubro, ressalva que 2017 foi um ano de melhorias na atividade de porto de Lisboa, “potenciado pela paz social que vigorou após o acordo que deu origem ao novo Contrato Coletivo de Trabalho em 2016”.
Em 2018, “na expectativa de continuidade dos bons níveis de atividade e crescimento (…), a AETPL chegou a propor um aumento de salários de 4,0% em 2018 e 1,5% em 2019”. Subjacente a esta medida estava “um conjunto de iniciativas comerciais que a Administração do Porto de Lisboa previa levar a cabo com o objetivo de captar novamente o negócio perdido nos últimos anos para outros portos, tanto nacionais como espanhóis”, indica.
No entanto, contrapõe a consultora, “após 8 dias da assinatura do acordo com vista aos aumentos salariais, foi anunciada pelo sindicato uma greve ao trabalho suplementar que atualmente vigora até ao final de 2018”. Esta situação, salienta, “colocou em causa os resultados do 2.º semestre do ano, agravando ainda mais a situação financeira delicada em que a AETPL se encontra, levando ao cancelamento do acordo previamente assinado”.
Como está constituída a AETPL?
A AEPTL é constituída por sete sócios, todos com 14,3% da empresa. São todas empresas de estiva. Três pertencem ao Grupo Yilport (de capitais maioritariamente turcos): a Liscont – Operadores de Contentores, a Sotagus – Terminal de Contentores de Santa Apolónia e a Multiterminal – Sociedade de Estiva e Tráfego. Três são do grupo ETE: a Atlanport – Sociedade De Exploração Portuária, a Empresa de Tráfego e Estiva e a TSA – Terminal de Santa Apolónia. O sétimo não está ligado a nenhum destes grupos: a TMB – Terminal Multiusos do Beato. Estes acionistas são, ao mesmo, tempo os clientes da AETPL.
A empresa foi criada em Julho de 1994 — na sequência da lei do trabalho portuário de 1993, alterada no período da troika, em 2012, após intensos protestos dos estivadores — e tem como objetivo a atividade de “cedência temporária de mão-de-obra portuária devidamente habilitada para a movimentação de cargas e descargas no Porto de Lisboa”.
“Atualmente, a estrutura de pessoal da AETPL é composta por 159 trabalhadores portuários e 8 trabalhadores administrativos. Adicionalmente a empresa conta também com uma pool de trabalhadores temporários externos (35)”, explica a EY.
Como é que a empresa do trabalho portuário de Lisboa chegou a esta situação?
Mais uma vez, é a própria consultora a dar a resposta. Em primeiro lugar, aponta a “instabilidade social” dentro da AETPL e dá números concretos. Por exemplo, a taxa de absentismo em 2016, de acordo com dados da gestão, foi de 45,5% (36,6 por doença ou sinistro e 9,1 por greves e outros). Por exemplo, a taxa de absentismo no Estado oscila entre os 3 e os 10%, de acordo com números de 2017.
No ano de 2017 houve, de facto, uma melhoria desta taxa de absentismo no porto de Lisboa, para um nível de 28,6%. Mas o mal poderia já estar feito: a instabilidade provocou a transferência de atividade para outros portos, principalmente o de Leixões. Esta é a segunda causa da situação atual da AETPL. “Por via da crescente instabilidade social, nos últimos anos, em especial nos picos referidos, a atividade do porto de Lisboa tem sido transferida para os outros portos portugueses, o que se traduziu numa diminuição da sua quota de 17,7% a 2010 para 12,4% a 2017”, escreve a EY. Leixões e Sines continuam a crescer em atividade, Lisboa em queda.
O terceiro fator, salienta a consultora, foi o aumento da massa salarial, resultado do novo contrato coletivo de trabalho de outubro de 2016, que surgiu na sequência de um acordo em maio entre os estivadores e a atual ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, para pôr fim aos protestos que na altura bloqueavam o porto.
Segundo a EY, “a entrada em vigor do novo CCT em Outubro de 2016, com introdução de novas tabelas salariais e o regresso das progressões automáticas” traduziu-se, de facto, “num clima de paz social em 2017”. Mas houve um senão: “apesar deste clima ter contribuído para o aumento da atividade da AETPL, tal não foi suficiente para recuperar a quota de mercado perdida em anos anteriores e compensar incremento dos custos, resultando numa deterioração do resultado da empresa”.
A conjugação dos três fatores – perda de quota, instabilidade social e aumento da massa salarial – foi este: degradação do nível de caixa da empresa, um EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações) de -170 mil euros e um resultado líquido negativo de 406 mil euros no ano passado.
Ou seja, “a performance financeira da AETPL no período em análise reflete uma situação critica, com margens operacionais negativas, devido a uma elevada estrutura de custos face ao seu atual nível atividade, o que se traduziu nos últimos anos ao consumo da caixa existente e no financiamento da atividade junto dos seus fornecedores”. A mesma, refere a EY, “é insustentável”. Dito de outra forma ainda:
A empresa encontra-se numa situação de falência técnica e a sua insolvência pode, desde já, vir a ser requerida por algum dos seus credores”.
Qual é a solução apontada?
A consultora traça três cenários, mas só recomenda um deles, porque os dois primeiros não “garantem a viabilidade da operação no curto/médio prazo”. Assim, a EY propõe adaptar a estrutura de custos “ao seu nível de atividade atual, usando como base as tabelas salariais em vigor no Porto de Leixões”. E quais as diferenças para Lisboa? Várias: além de os níveis de carreira serem diferentes, a retribuição média em Lisboa é de 1.645 euros, um valor 18% acima do praticado em Leixões (1.385 euros) e 47% da média de Sines (1.113 euros).
Para a EY, só “a adequação da estrutura de custos da AETPL à estrutura de um dos concorrentes para o qual o porto de Lisboa tem perdido maior atividade, isto é, o porto de Leixões, ainda que de forma provisória, permitiria viabilizar a atividade da Empresa e assegurar a totalidade dos postos de trabalho”. Caso contrário, conclui, “a atual situação da AETPL irá inevitavelmente resultar numa situação de insolvência”.