O Campo das Cebolas, em Lisboa, vai passar a chamar-se Largo José Saramago, tal como pretendia o executivo de Fernando Medina. A proposta da vereadora do PS Catarina Vaz Pinto foi aprovada esta quarta-feira à tarde em reunião de câmara com o voto favorável de PS, PCP e Bloco de Esquerda, apesar do voto contra do PSD e do CDS.

O vereador João Pedro Costa explicou que o PSD votou contra porque atribuir o nome de Largo José Saramago ao Campo das Cebolas “consubstancia um desrespeito pela história e pela memória da cidade a que o nome de José Saramago não merece ficar associado.” Já a Câmara Municipal de Lisboa lembrava na proposta que a fundação do escritor é naquele local e tem parecer favorável da comissão de toponímia e da junta de freguesia.

O PSD tem um longo historial de guerra contra José Saramago. O episódio mais mediático deu-se em 1992, quando o secretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva, António Sousa Lara, se recusou a indicar o escritor para o Prémio Literário Europeu, o que levou Saramago a um “exílio” simbólico na ilha de Lanzarote, em Espanha. Um outro momento deu-se em 2009, quando Saramago publicou o livro “Caim” e o eurodeputado Mário David disse ter “vergonha” de ser compatriota do escritor e o exortou a renunciar à nacionalidade portuguesa.

Neste caso, o PSD não põe em causa o valor de Saramago e até concorda que possa ter mais homenagens. Na declaração de voto, o vereador João Pedro Costa — o único do PSD na reunião camarária devido à ausência de Teresa Leal Coelho, que se encontra nos trabalhos do Orçamento do Estado — admite que  o escritor é “um grande nome da cultura e literatura portuguesa, uma referência incontornável da literatura no mundo inteiro, e como tal, merece a atribuição do seu nome a uma rua, praça ou jardim na cidade de Lisboa“. No entanto, João Pedro Costa defende que se for retirado o nome ao Campo das Cebolas — onde já está situada a Casa dos Bicos, que é a sede da Fundação José Saramago, e uma Oliveira em homenagem ao escritor — está-se a cometer um erro histórico.

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O arquiteto e vereador explica que “o topónimo Campo das Cebolas remonta a tempos imemoriais e tem vários séculos de existência, estando referenciado em documentos anteriores ao Terramoto de 1755, bem como nas cartas da remodelação paroquial do pós-Terramoto (1770) e de Filipe Folque (1858)”. Segundo o vereador, existem ainda “referências que associam a origem do topónimo ao comércio local e produtos hortícolas desde o final do século XV, quando o mercado de viveres do Terreiro do Paço foi transferido para a Ribeira Velha 1”.

Já a Câmara Municipal de Lisboa tem a seu favor um “parecer favorável” da Comissão Municipal de Toponímica, de 9 de novembro de 2018, que permite que seja atribuído o nome de José Saramago ao que chama “Largo entre a Avenida Infante Dom Henrique e a Rua dos Bacalhoeiros.” Aqui é evitada a designação de Campo das Cebolas, mas na imagem da proposta é possível verificar que se trata do Campo das Cebolas.

A zona que se passa a chamar Largo José Saramago, segundo a proposta do executivo de Fernando Medina.

O executivo liderado por Fernando Medida disse ainda que “a junta de freguesia de Santa Maria Maior” foi”ouvida ao abrigo do disposto no art.º 1º da Postura Municipal sobre Toponímia e Numeração de Polícia” e “manifestou a sua total concordância.” A junta é liderada pelo socialista Miguel Coelho e o executivo é maioritariamente composto por elementos do PS.

A proposta de Catarina Vaz Pinto é justificada pelo facto de José Saramago ser “o único Prémio Nobel da Literatura Portuguesa” e “uma personalidade de enorme dimensão intelectual, artística e humana”. É ainda destacado que foi “um resistente à ditadura do Estado Novo nas fileiras do Partido Comunista Português desde 1969 e após o 25 de Abril” e que o escritor “produziu uma vasta obra literária, que além de romances, inclui contos, crónicas, diários, literatura de viagens, literatura infantil, peças teatrais, poesia”. Além disso, destaca o mesmo documento, “Lisboa ainda acolhe a Fundação com o seu nome na Casa dos Bicos desde 2012.

Os argumentos do executivo não chegam para convencer o PSD que diz que não tem sido prática dar o nome dar às ruas, praças ou largos o nome da instituição homónima relevante aí localizada. E destaca que o espaço “não tem ligação nenhuma com a vida de José Saramago em Lisboa” O vereador João Pedro Costa, utiliza mesmo o argumento de que José Saramago “merece” ter um nome de outro espaço que seja reconhecido pela população e não que “essa designação fique esquecida, ou mesmo desconhecida, por detrás de uma outra designação histórica que está consolidada na vida da cidade e nos costumes”.

O PSD lembra que há “vários exemplos em que essa opção de alteração da designação de topónimos tradicionais não correu bem” e acabou por desvalorizar as personalidades que se quiseram homenagear”. Isto porque as pessoas optaram por referir os nomes que já tinham sido popularizados. E dá exemplos:

  • Praça do Rossio/Praça Dom Pedro IV
  • Praça do Areeiro / Praça Francisco Sá Carneiro
  • Largo do Caldas / Largo Adelino Amaro da Costa
  • Terreiro do Paço / Praça do Comércio

Para João Pedro Costa “não faz sentido” alterar o nome do Campo das Cebolas, na mesma linha que não faria alterar nomes como Rua do Ouro, Rua da Prata, Rua dos Fanqueiros ou do Largo do Chafariz del Rei. Para o PSD deve, assim, ser “política da cidade manter viva a sua memória histórica na toponímia, pois assinala a continuidade centenária de vários dos seus espaços e a forma como estes evoluíram no tempo, mantendo vivos o seu uso e significado originais”.

E disso faz parte, segundo João Pedro Costa, a designação dos “Campos” de Lisboa, como o Campo Grande, Campo de Ourique ou o Campo das Cebolas que “mantêm vivas as memórias das ocupações agrárias e dos arrabaldes ou de espaços fora de portas de Lisboa.”

O CDS também votou contra a proposta.

Atualizado às 19h00 com o resultado da votação na reunião de câmara.