Uma olhadela aqui, uma passagem por ali e está mesmo confirmado: as análises aos jogos de futebol centram-se cada vez mais na parte tática, nas zonas de pressão, nos modelos de jogo, na capacidade de posse e circulação de uma equipa. Numa altura em que existe tanta coisa falada sobre bola que diz respeito a tudo menos isso, é um sinal positivo perceber que são cada vez mais aqueles que, na imprensa, em blogues ou nas redes sociais, comentam o jogo por aquilo que ele é e nunca deixou de ser – um jogo. Todavia, há sempre mais do que isso e esta noite, na Turquia, Sérgio Conceição voltou a demonstrá-lo. Porque se é importante a forma como se joga, tem tanto ou mais peso aquilo pelo qual se joga. E o FC Porto estava a jogar pela história.

FC Porto vence Galatasaray (3-2) e faz história com golos de Felipe, Marega e Sérgio Oliveira

O técnico dos azuis e brancos relativizou esse ponto na antecâmara da partida, preferindo enaltecer uma ideia de “normalidade” na qualificação da equipa para os oitavos de final e recordando o percurso que o clube tem vindo a fazer desde que nasceu esta competição que ocupou o lugar da Taça dos Clubes Campeões Europeus. No entanto, sabemos que esses objetivos também pesam na preparação de uma equipa para determinado jogo. Exemplo prático? Havia um treinador num dos três grandes que dizia nas conferências que passava ao lado do ruído, dos números e dos comentários que se iam fazendo nos jornais antes dos encontros mas chegou, por mais do que uma vez, a colar capas dos desportivos no balneário para “espicaçar” o grupo, além de utilizar nas palestras marcas internas que a equipa poderia alcançar. Conceição pode não ter feito isso dessa forma mas a possibilidade de entrar nos registos do clube era demasiado tentadora para passar ao lado do feito.

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Entre Campeonato, Taça de Portugal, Taça da Liga e Champions, o FC Porto somava 11 vitórias consecutivas depois da derrota na Luz, segunda e até ao momento última da temporada. A melhoria individual de alguns elementos como Óliver Torres, Corona ou Marega e o crescimento coletivo sobretudo nas dinâmicas ofensivas são duas entre muitas explicações para essa série mas existe outra que voltou esta noite a ficar patente: os dragões podem festejar os seus feitos mas procuram de imediato uma próxima meta a atingir. Na última jornada da fase de grupos, com o primeiro lugar assegurado, um triunfo igualaria a melhor prestação de sempre dos azuis e brancos na Liga milionária. E aquela roda habitual depois dos jogos realizou-se também antes.

FC Porto somou a 12.ª vitória consecutiva na noite em que igualou a melhor marca de pontos na fase de grupos (OZAN KOSE/AFP/Getty Images)

Em 1996/97, Sérgio Conceição versão jogador não falhou um único dos seis encontros da fase de grupos, incluindo aquele que foi o primeiro e mais marcante com o triunfo do FC Porto em San Siro por 3-2 frente ao AC Milan de Maldini, Weah, Roberto Baggio e companhia (bis de Jardel mais um golo de Artur). De resto, os dragões ganharam ainda os dois jogos com o Rosenborg e com o Gotemburgo, cedendo apenas um empate nas Antas frente aos transalpinos. Agora, como treinador, o filme foi parecido: uma igualdade na Alemanha, quatro vitórias consecutivas com Galatasaray, Lokomotiv Moscovo (duas) e Schalke 04. Faltava apenas um triunfo para chegar aos 16 pontos que permitiriam entrar nos registos máximos do clube e da própria Liga dos Campeões, porque apenas Barcelona, Real Madrid, Juventus e Ajax tinham conseguido isso mais do que uma vez.

Ficha de jogo

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Galatasaray-FC Porto, 2-3

6.ª jornada do grupo D da Liga dos Campeões

Ali Sami Yen Spor Kompleksi, em Istambul (Turquia)

Árbitro: Aleksei Kulbakov (Bielorrússia)

Galatasaray: Muslera; Mariano, Maicon, Ozan Kabak, Nagatomo; Ryan Donk (Onyekuru, 46′), Fernando, Badou Ndiaye; Feghouli (Çelik, 90′), Garry Rodrigues e Derdiyok

Suplentes não utilizados: Çipe; Çalik, Inan, Martin Linnes e Bayram

Treinador: Fatih Terim

FC Porto: Casillas; Maxi Pereira, Felipe, Diogo Leite, Alex Telles; Danilo, Sérgio Oliveira (Chizodie, 82′), Herrera; Hernâni (Jorge, 73′), Adrián López (André Pereira, 73′) e Marega

Suplentes não utilizados: Vaná, Bruno Costa, Óliver Torres e Brahimi

Treinador: Sérgio Conceição

Golos: Felipe (17′), Marega (42′, g.p.), Feghouli (45+1′, g.p.), Sérgio Oliveira (57′) e Derdiyok (65′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Fernando (88′) e Marega (88′)

Ainda assim, e face ao calendário mais pesado até ao Natal, o técnico dos azuis e brancos não prescindiu de promover alguma rotatividade na equipa e em todos os setores: na defesa, com Éder Militão em risco de exclusão, Diogo Leite fez a estreia em provas europeias; no meio-campo, reforçado com Herrera, Sérgio Oliveira deu descanso a Óliver Torres; no ataque, sem contar com o lesionado Aboubakar, o não inscrito Soares e o castigado Corona, Otávio também foi poupado por poder falhar os oitavos caso visse cartão e a dupla Hernâni-Adrián López surgiu no apoio a Marega. Como Sérgio Conceição costuma dizer, “não existe isso da rotatividade”, mas como em todas as equipas uns jogam mais minutos do que outros. E foi na resposta dos “outros” que esteve o segredo do FC Porto na Turquia. Nisso e na eficácia: três boas oportunidades, três golos marcados.

Os dragões até deixaram uma imagem de controlo do jogo nos primeiros minutos, ganhando o primeiro canto e tendo alguma capacidade para a posse no meio-campo adversário, mas foi o conjunto de Fatih Terim a beneficiar das primeiras duas chances de perigo: na sequência de um livre lateral, Casillas ainda defendeu, a recarga bateu na mão de Diogo Leite, os turcos protestaram muito mas já estava assinalado um forte de jogo no início do lance; depois, numa grande jogada de envolvimento pela direita, Derdiyok, isolado no coração da área tendo apenas de encostar para golo, atirou desenquadrado. O FC Porto, esse, teve 100% de eficácia: após livre lateral batido na direita do ataque por Alex Telles, Felipe subiu mais alto e inaugurou o marcador de cabeça, naquele que foi o seu segundo golo na fase de grupos e mais uma vez na Turquia (17′). A importância de Alex Telles nas assistências voltou a fazer diferença, no reencontro do brasileiro com a equipa que representou dois anos (2013-2015). Ao todo, cinco passes para golo quando ainda não chegámos a meio da temporada, o segundo na Liga dos Campeões depois de já ter sido providencial no triunfo frente aos turcos no Dragão (golo então de Marega).

O ritmo depois abrandou. O Galatasaray, que tem nomes com qualidade suficiente para fazer mais do que os quatro pontos com que terminou esta fase de grupos da Champions, tentava muitas vezes de forma atabalhoada chegar ao último terço mas, de uma forma consistente, os azuis e brancos conseguiam ir trancando linhas de passe e espaços sobretudo aos fantasistas Feghouli e Garry Rodrigues. Até que, nos últimos cinco minutos, foi bola cá, bola lá com os penáltis a fazer a diferença: primeiro Hernâni conseguiu “cavar” bem a falta de Mariano na área, aproveitando um toque imprudente do lateral, e Marega fez o 2-0 (42′); depois foi Garry Rodrigues a chegar primeiro do que Felipe, a sofrer falta do brasileiro e Feghouli a reduzir (45+1′).

Ao intervalo, Fatih Terim, o Imperador que é aplaudido de pé quando vai a caminho do banco de suplentes (e olhando para os resultados e para outras realidades, até podia ser assobiado…), fez uma única alteração e mexeu por completo no encontro: com a saída do médio defensivo Donk para a entrada do avançado Onyekuru, o Galatasaray desenhou muitas vezes um 4x2x4 que podia deixar a equipa exposta cá atrás mas que criou muitos problemas em termos defensivos aos dragões, que começaram a sofrer e viram os turcos desperdiçar duas bolas de golo isolados por Onyekuru e Derdiyok. Pelo meio, mais um golo.

Essa é a melhor forma de resumir a partida: sempre que havia uma aproximação com oportunidade mais perigosa dos turcos, os portistas iam lá abaixo e conseguiam marcar. No 3-1, o mérito começou em Marega, que conseguiu recuperar no último terço descaído sobre a direita, lançou em profundidade para Hernâni e o herói do último triunfo no Bessa foi à linha cruzar atrasado para o remate certeiro na área de Sérgio Oliveira, que marcou pela primeira vez na Europa (57′).

Foi mais um rude golpe no Galatasaray, que pareceu sempre mais perto de marcar até o FC Porto sair com critério e não perdoar em frente a Muslera, mas não o suficiente para arrumar com os turcos, empurrados pelo ambiente frenético criados pelos adeptos ao longo de todo o encontro: Derdiyok, que já perdoara duas chances claras, surgiu novamente na área isolado para encostar a contar para o 3-2 após assistência de Garry Rodrigues (65′); depois o cabo-verdiano ganhou a frente a Maxi Pereira, sofreu falta (mais uma forçada) em zona proibida mas o penálti de Feghouli acabou por bater na trave da baliza de Casillas (67′).

No final, as estatísticas confirmavam algo que se percebera durante os 90 minutos: o FC Porto teve a “estrela” do jogo, não só pela questão do penálti que podia ter empatado tudo a meio da segunda parte mas também pela forma como foi marcando nas alturas em que o Galatasaray parecia mais próximo do golo. Mas foi uma “estrela” conquistada não hoje mas nas últimas semanas, com dedo de Sérgio Conceição – pode jogar A, B ou C, pode ser mais ou menos difícil, mas a equipa azul e branca sabe sempre bem o que fazer, quando fazer e como fazer mediante o tipo de características que o jogo apresenta. Nos minutos finais, por exemplo, os portistas chegaram mesmo a desenhar uma linha de três centrais com a entrada de Chidozie e Marega acampado na frente à espera de bolas em profundidade. Não é bonito, é o que há. E o que há é uma equipa que, nesse contexto de leitura exímia de todos os momentos, soma 12 vitórias consecutivas e igualou o melhor registo na fase de grupos da Champions.