É uma ameaça e um ultimato. No dia em que o Governo deu por terminada a negociação com os professores sobre recuperação do tempo em que as carreiras estiveram congeladas, os diferentes sindicatos reuniram-se e prepararam o contra-ataque. Se, em janeiro de 2019, o Governo não abrir um processo negocial no qual respeite a recuperação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias, os professores irão convocar uma manifestação nacional, uma ou várias greves até ao final do ano, e desenvolver ações que podem bloquear o ano letivo. O anúncio foi feito através de comunicado conjunto das dez estruturas sindicais envolvidas nas negociações com a tutela.
Assim, o Executivo tem até ao final de janeiro para ceder à principal exigência dos professores: recuperar todo o tempo de serviço congelado, e do qual os sindicatos não abdicam um dia. Esta postura já foi apelidada de intransigente por vários membros do governo, incluindo o primeiro-ministro, acusação que nesta terça-feira os sindicatos devolveram à equipa ministerial de António Costa. Foram até mais longe, acusando o Executivo de querer manter um braço de ferro, para não passar a imagem de ter cedido aos professores.
“Até já se percebeu que o que leva o Governo a não sair da sua posição de apagar seis anos e meio das carreiras dos professores. Não tem a ver com a questão da justiça, não tem a ver com a questão da lei, tem a ver com uma coisa que foi dita ali dentro pela senhora secretária de Estado adjunta da Educação: o governo considerar o tempo de serviço dos professores seria uma cedência. O Governo coloca isto como um braço de ferro e isso jamais — foi só o que faltou dizer”, disse o líder da Fenprof aos jornalistas à saída do encontro com a tutela, horas antes de anunciar as novas formas de lutas.
Se o ultimato está feito e a marca no calendário é janeiro, a ameaça também é clara. Para além de uma manifestação “maior do que qualquer uma realizada na última década” e pré-avisos de greves, os sindicatos falam ainda em “outras ações”, não descortinando quais, que poderão parar o normal funcionamento das escolas, lê-se no comunicado.
“Se, em 2019, durante o mês de janeiro, o governo não abrir um novo processo negocial e nele não respeitar todo o tempo de serviço cumprido pelos professores, assim como, continuar a ignorar a necessidade de serem tomadas medidas que permitam a aposentação dos professores, os segundos mais velhos de toda a União Europeia, a regularização dos horários de trabalho e a resolução do problema da precariedade, que mantém um nível elevado, as organizações sindicais de docentes convocarão uma manifestação nacional de professores, que pretendem maior que qualquer uma realizada na última década, greve ou greves de professores a realizar até ao final do ano, bem como outras ações – relativamente às quais já se iniciou a discussão – que poderão levar ao bloqueamento do normal desenvolvimento do ano letivo.”
Greve a atividade fora do horário de trabalho mantém-se
Para além das formas de luta mais extremadas, os sindicatos irão manter outras formas de protesto nas escolas. Passada a atual pausa letiva e iniciado o segundo período, a 3 de janeiro, mantém-se a greve a toda a atividade que não se encontra prevista no horário de trabalho. Nesse primeiro dia de aulas, os docentes irão entregar ao governo, em mão, “um pedido de abertura de negociações, dando cumprimento ao disposto na Lei do Orçamento do Estado para 2019” já que refutam a ideia de que a ronda negocial que esta terça-feira chegou ao fim seja em cumprimento do que está estipulado no OE2019, já que este só entra em vigor a 1 de janeiro do próximo ano.
No mesmo dia, irão também lançar um abaixo-assinado nas escolas exigindo a abertura de negociações das quais resulte a contagem integral do tempo de serviço dos professores, “com o objetivo de deixar absolutamente claro que os professores não abdicarão do tempo que cumpriram”
Sobre o encontro no Ministério da Educação, os professores esclarecem que apresentaram duas propostas de recuperação dos 9 anos. A primeira, tal como o Observador já tinha avançado, “passava pela aplicação, ao continente, da solução aprovada na Região Autónoma da Madeira, com a possibilidade de, por opção, os professores poderem utilizar tempo de serviço para a dispensa de vaga no acesso aos 5.º e 7.º escalões da carreira ou para efeitos de aposentação”. O governo, lê-se no comunicado, recusou.
Outra alternativa admitida pelos sindicatos era a de introduzir mais um artigo, com dois pontos, no decreto lei proposto pelo governo: “O primeiro garantiria que o tempo prestado para além dos 2 anos, 9 meses e 18 dias seria recuperado a partir de 2020, em termos a negociar posteriormente; o segundo permitiria que, por opção, os professores pudessem utilizar esse tempo para efeitos de aposentação. O governo também recusou.”
Carreiras congeladas. Professores voltam à negociação, mas em janeiro viram-se para os tribunais
O decreto lei em causa foi aprovado em Conselho de Ministros em outubro, depois de o Ministério da Educação ter dado por terminadas as negociações sobre carreiras congeladas. Unilateralmente, decidiu devolver aos docentes 2 anos, 9 meses e 18 dias, proposta que foi formalizada no decreto lei.
Na altura, o executivo decidiu pedir um parecer sobre o diploma às regiões autónomas dos Açores e da Madeira — à semelhança do que já tinha feito com o diploma da flexibilidade curricular –, pareceres esses que foram ambos negativos. Isso fez com que o circuito legislativo do decreto lei fosse atrasado, segundo explicou o próprio ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, no Parlamento durante a discussão do orçamento da Educação.
Entretanto, na discussão do Orçamento de Estado na especialidade, os deputados da oposição aprovaram uma norma que obrigou o Governo a voltar a abrir negociações com os sindicatos. Embora o OE só entre em vigor a 1 de janeiro de 2019, o Ministério da Educação convocou os sindicatos a 5 de dezembro para nova ronda negocial. Como os anteriores, também esse encontro acabou sem solução à vista.
Questionada sobre o porquê dessa reunião, já que a proposta do governo se manteve inalterada, e sobre o seu timing, a secretária de Estado argumentou que este era “o momento ideal” para perceber se havia abertura dos sindicatos, já que existia um processo legislativo em curso do decreto lei que prevê a recuperação de 2 anos. “Achámos que era bem mais útil fazer a negociação nesse âmbito, não atrasando mais a entrada em vigor desse decreto lei”, disse no início de dezembro. “Queremos, com rapidez, aprovar o decreto lei para que mais de 10 mil professores possam recuperar 2 anos, 9 meses e 18 dias já em 2019.”
Se, na altura, o decreto lei não avançou nem para Conselho de Ministros nem para Belém, já que o governo estava obrigado a aguardar pelo pedido de negociação suplementar, agora esse procedimento está cumprido. O decreto lei deverá ir a Conselho de Ministros ainda esta semana.