Professores e Ministério da Educação voltam a sentar-se à mesa das negociações nesta manhã de terça-feira, para cumprir a ronda de negociação suplementar pedida pelos sindicatos. O último encontro entre as partes, que serviu para tentar encontrar, de novo, uma solução para a recuperação dos 9 anos em que as carreiras estiveram congeladas terminou sem qualquer avanço. Para a reunião de hoje, as dez estruturas sindicais levam uma proposta conjunta, idêntica à encontrada na Madeira e que prevê a recuperação integral do tempo faseada em 7 anos. Se voltar a falhar um acordo, as negociações ficam encerradas, já que, ao contrário do que acontece no setor privado, os professores não podem recorrer à arbitragem.

Mas caso não haja fumo branco da parte do governo — que já disse que a recuperação integral do tempo não está em cima da mesa — os professores têm um plano B. Assim que a recuperação dos 9 anos, 4 meses e 2 dias começar na Madeira, a 1 de janeiro de 2019, vão recorrer aos tribunais, já que acreditam que há violação do princípio da igualdade previsto na Constituição da República.

Como há mobilidade de professores entre regiões autónomas e continente, pode dar-se o caso de dois docentes com o mesmo percurso profissional estarem colocados em escalões diferentes, com salários diferentes. O que está previsto no diploma regional da Madeira é que qualquer docente que tenha trabalhado naquela região autónoma durante os anos em que a carreira esteve congelada irá recuperá-los. Mas, nesse bolo, não estão incluídos os anos letivos em que um professor tenha trabalhado no continente ou nos Açores.

Os três constitucionalistas ouvidos pelo Observador dividem-se sobre uma eventual violação da lei fundamental, até porque a redação da norma final não é ainda conhecida e, não conhecendo os seus contornos, é difícil avaliar a sua constitucionalidade.

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Solução igual à da Madeira ou recurso aos tribunais

“Nesta reunião, vamos apresentar uma proposta comum sobre o prazo e o modo para recuperar o tempo de serviço que esteve congelado e que vai ser idêntica à que foi aprovada pela assembleia legislativa da Madeira”, explicou Mário Nogueira. No final de novembro, depois de o governo regional dos Açores ter decidido seguir a solução da Madeira — deixando o Executivo de António Costa cada vez mais isolado –, o secretário-geral da Fenprof avançou ao Observador que no continente tudo se poderia resolver num dia, “caso o Governo não fizesse birra”. Para isso, era preciso que na reunião com a tutela fosse aceite uma proposta de recuperação igual à da Madeira — a mesma que os sindicatos vão apresentar esta terça-feira.

No entanto, a nova ronda negocial deve terminar como todas as outras: sem qualquer tipo de acordo. No último encontro, a secretária de Estado adjunta da Educação, Alexandra Leitão, foi bastante clara quando disse que “para o Governo, a negociação integral do tempo de serviço não está em cima da mesa”, que os professores estão a ser “intransigentes” e que a norma aprovada durante a discussão do Orçamento do Estado não obriga o Executivo a recuperar a totalidade dos 9 anos.

“O que diz a norma é que somos obrigados a retomar a negociação. Havia outra norma que dizia que tínhamos de negociar com base na recuperação integral e essa norma foi rejeitada“, sublinhou Alexandra Leitão. A governante referia-se às propostas do Bloco de Esquerda e do PCP que foram rejeitadas pelo PSD.

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Para os professores, o plano B em marcha é o recurso aos tribunais, através de ações individuais. “Não tenho grandes dúvidas de que a reunião de amanhã é para o Governo cumprir calendário e para na quinta-feira levar o decreto lei a Conselho de Ministros. Se assim for, depois iremos fazer pressão junto do Presidente da República. Se, ainda assim, o diploma for promulgado iremos virar-nos para a Assembleia da República”, explica Mário Nogueira. “Para já vamos ver o que acontece, e assim que a recuperação for oficializada na Madeira e nos Açores avançamos para tribunal. Sabemos que existem as autonomias regionais, mas um trabalhador não pode ser prejudicado por trabalhar em determinada região. E também não é possível travar a mobilidade de professores entre regiões autónomas e continente.”

Os diplomas regionais — só na Madeira a legislação já cumpriu todo o processo legislativo — preveem a recuperação integral do tempo para todos os professores colocados nas ilhas durante o tempo em que as carreiras estiveram congeladas. Embora todos sejam professores, as entidades patronais são diferentes. No continente, os docentes são funcionários do Ministério da Educação, nas ilhas são trabalhadores dos governos regionais. Ou seja, os vencimentos saem de orçamentos diferentes.

Embora Madeira e Açores só recuperem os anos em que os docentes lecionaram nas ilhas, se, depois de recuperarem os 9 anos, esses docentes vierem dar aulas para o continente, terão de ser pagos na sua totalidade.

Os ordenados não podem ser reduzidos. Quando os Açores assumiram a recuperação dos primeiros dois anos — ali só falta recuperar 7 anos e não 9 — houve tentativas de lhes baixarem os salários que não foram, obviamente, bem sucedidas”, explica Mário Nogueira ao Observador.

“Isto vai dar uma confusão do maior. Imagine um professor que trabalhou durante os 9 anos congelados uma parte do tempo na Madeira, outra nos Açores, outra no continente. Vão ter de arranjar uma maneira qualquer, com proporcionais, de lhe calcularem o ordenado. A polémica está instalada e parece-nos que há violação do princípio de igualdade”, refere o líder da Fenprof.

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Por isso, em janeiro, os sindicatos estarão preparados para avançar para tribunal, com ações individuais sempre que haja um caso em que um professor esteja a ser discriminado em relação a outro com base na região do país em que lecionou, já que para avançar com este tipo de ações, lembra Nogueira, é preciso casos concretos.

Para além disso, a Fenprof promete manter a pressão sobre os partidos com assento parlamentar e sobre a Provedoria da Justiça para que estes peçam a intervenção do Tribunal Constitucional. Por último, Mário Nogueira garante que no início de janeiro vão exigir ao Ministério da Educação que reabra a negociação com os sindicatos, tal como foi aprovado pelo Parlamento.

“O Orçamento do Estado entra em vigor a 1 de janeiro de 2019, esta negociação diz respeito ao processo negocial de 2018. Por isso, assim que comece o ano vamos enviar ofícios a pedir a abertura do processo negocial que foi definido pelo Parlamento. O Governo escusa de dizer que é este porque não pode estar a cumprir uma lei que ainda não entrou em vigor”, conclui Mário Nogueira.

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O Observador contactou vários constitucionalistas para tentar perceber se há violação da lei fundamental e as respostas não são unânimes. Vital Moreira, que em 2009 aceitou o convite de José Sócrates para encabeçar a lista do PS às eleições europeias, foi peremptório: “Não vejo que haja nenhuma inconstitucionalidade. Algumas questões são tão fúteis que não vale a pena discuti-las.”

Já Paulo Otero, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defende que só vendo a redação dos diplomas poderia dar uma opinião concreta. No entanto, arrisca dizer que poderá haver matéria inconstitucional, uma vez que a recuperação do tempo congelado nos Açores e na Madeira irá depender da região do território onde os docentes exerceram, havendo claro prejuízo de quem trabalhou no continente.

“Parece-me que vai gerar uma violação da igualdade, porque teremos pessoas com situação idêntica a ter tratamento diferenciado. Tenho grandes dúvidas sobre a validade da solução. Independentemente de ver a redação das normas, a minha primeira impressão é de grandes dúvidas de constitucionalidade à luz do princípio de igualdade e da proibição de discriminação em função do território”, defende o jurisconsultor.

Teresa Violante, constitucionalista da área do PSD, acha que será difícil que os juízes do Palácio Ratton encontrem inconstitucionalidades nos diplomas, embora salientando que a sua opinião é no abstrato, por não conhecer as normas em causa.

Estamos a falar de legislação regional para os Açores e para a Madeira e de legislação da República para o continente. Isso é uma questão diferente. Se fosse um diploma da República a estabelecer diferenças para as várias regiões, aí seria mais fácil falar-se de inconstitucionalidade. Neste caso, é mais difícil encontrar uma que seja censurável pelo Tribunal Constitucional, porque a situação não é a mesma. Estamos a falar de possibilidades orçamentais distintas”, defende Teresa Violante, lembrando que a Madeira teve um programa de assistência financeira específico.

“O simples facto de os professores serem pagos por orçamentos diferentes já nos dá bons indicadores de que, a existir uma diferenciação com esses fundamentos, ela poderá ser justificável à luz da Constituição. Esta questão faz diferença não pela questão formal de serem diplomas distintos, mas pela questão substancial do que isso reflete — os professores que prestam serviços nos Açores são pagos pelo orçamento dos Açores, os da Madeira pelo da Madeira. São cenários financeiros diferentes e, quando o Tribunal fiscaliza eventuais violações do princípio da igualdade, utiliza um critério muito ténue. Vai apenas ver se existe ou não um fundamento que afaste a arbitrariedade de diferenciação. É o chamado escrutínio mínimo”, defende.

Outra situação seria se fosse um diploma da República a estabelecer essa diferença. Nesse caso, explica, uma desigualdade legislativa em si mesma não é necessariamente inconstitucional, mas para isso não pode ser arbitrária. E, assim sendo Teresa Violante duvida que critérios orçamentais pudessem ser bons fundamentos para afastar a arbitrariedade.

“Com diplomas regionais é diferente. Aqui, à primeira vista, esse fundamento parece-me existir. E nesse caso, o Tribunal Constitucional não vai mais fundo, não vai escrutinar os próprios orçamentos e ver os níveis de diferença entre si”, argumenta a constitucionalista, que não vê hipótese de os sindicatos de professores puderem vencer essa luta judicial.