Apagou-se a luz. Desta vez, Rui Vitória vai mesmo sair do Benfica e dar lugar a Bruno Lage, até aqui treinador da equipa B dos encarnados. O técnico português, mestre do tetra mas rosto do falhanço do penta, não resistiu à derrota em Portimão com dois auto-golos dos dois centrais e sai pela porta pequena, depois de três anos e meio. Numa fase de rescaldo em que ainda é necessário ouvir declarações, explicações, reações análises, impõe-se uma pergunta: esta época do Benfica estava mesmo a correr assim tão mal? Resposta curta: sim. A resposta longa segue dentro de momentos.
Para perceber o mau momento da equipa encarnada – que parecia ter terminado aquando da experiência do quase despedimento de Rui Vitória, depois da goleada em Munique –, é preciso olhar para os números. Contas feitas, e apesar das melhorias – nos resultados, entenda-se – nos últimos encontros, a derrota em Portimão (primeira de sempre, em 41 jogos frente aos alvinegros) fez com que o Benfica tenha a pior classificação à 15.ª jornada dos últimos dez anos, quando o espanhol Quique Flores estava no comando do clube, com 66,6% de vitórias nos encontros disputados.
Ao perder com o Portimonense, Rui Vitória registou a 30.ª derrota ao serviço do clube da Luz – sendo que 60% ocorreram nos últimos dois anos. Desde janeiro de 2017, o Benfica perdeu 18 vezes em 103 jogos; até aí, os encarnados tinham perdido apenas 12 vezes em 77 jogos. Num raio-x às três épocas e meia em que Vitória foi dono e senhor dos destinos do Benfica depois de um reinado de seis anos de Jorge Jesus, é notória a queda de rendimento a partir da segunda metade da temporada 2016/17 e a introdução de reforços que pouco ou nada acrescentaram à equipa.
2015/16
Rui Vitória chegou ao Benfica no verão de 2015 para substituir Jorge Jesus, que tinha acabado de se mudar para o outro lado da 2.ª Circular. O objetivo era simples: manter o ritmo implementado, aproveitar o bicampeonato acabado de conquistar e tentar estendê-lo para um tricampeonato que escapava há 39 anos. Apesar de ter perdido o primeiro troféu em disputa para o Sporting de Jesus, a Supertaça Cândido de Oliveira, Vitória garantiu a conquista do Campeonato e terminou a época com 40 vitórias em 58 jogos – e uma diferença de golos de 126 marcados para apenas 51 sofridos.
Este foi o ano em que André Gomes, Rodrigo e João Cancelo saíram para Valência, Maxi Pereira não renovou contrato (mudando para o rival FC Porto) e o goleador Lima trocou o Benfica pelo Al Ahli dos Emirados Árabes Unidos. No primeiro ano a contratar com milhões a sério, Rui Vitória optou pelo guarda-redes Ederson, então a atuar no Rio Ave após passar pela formação encarnada, pelos médios Taarabt e Carcela, pelos avançados Raúl Jiménez e Kostas Mitroglou e por ÁlexGrimaldo, lateral esquerdo, posição tantas vezes em crise no clube da Luz. Ora, Ederson foi vendido a peso de ouro para o Manchester City, Jiménez está emprestado ao Wolves e é titular indiscutível da equipa de Nuno Espírito Santo, Mitroglou marcou 27 golos no ano de estreia e Grimaldo é ainda uma peça fulcral do onze encarnado, tantas vezes melhor elemento em campo.
Na Liga dos Campeões, os encarnados chegaram aos quartos de final depois de terem ficado na segunda posição do Grupo C, atrás do Atl. Madrid e à frente do Galatasaray e do Astana, e de terem eliminado o Zenit da Rússia nos oitavos, com duas vitórias em dois jogos. Na fase seguinte, o Benfica apanhou o “tubarão” Bayern Munique e o empate a duas bolas na Luz acabou por não ser suficiente para eliminar a derrota na Alemanha. Ainda assim, Rui Vitória deixava a alta roda europeia com um saldo positivo de cinco vitórias, dois empates e três derrotas e ainda 15 golos marcados contra 12 sofridos.
Na Taça de Portugal, o destino não foi tão risonho. Tal como tinha acontecido na Supertaça, o Sporting de Jesus voltou a ser mais forte e o Benfica ficou de fora da prova rainha do futebol português logo na quarta eliminatória. Rui Vitória compensou ao conquistar a Taça da Liga, com cinco vitórias em cinco jogos e um 2-6 inequívoco imposto ao Marítimo na final da competição.
No Campeonato, os encarnados só conseguiram carimbar o primeiro lugar na última jornada mas acabaram por sagrar-se campeões nacionais com 88 pontos, mais dois do que o Sporting. Nos 34 jogos do Campeonato, Vitória venceu 29, empatou um e perdeu apenas quatro.
2016/17
O ano seguinte foi o ano de consagração de Rui Vitória. Se em maio de 2016 ainda muitos adeptos o consideravam “treinador de equipas pequeninas”, em maio de 2017 esses mesmos adeptos correram para o Marquês de Pombal para comemorar um inédito tetracampeonato no mesmo dia em que o Papa estava em Fátima e Salvador Sobral venceu a Eurovisão. Naquela que foi a melhor época de Vitória ao serviço do Benfica, o treinador conseguiu ganhar 42 dos 62 jogos da temporada, perder apenas oito e encerrar o ano com um saldo impressionante de 136 golos marcados e 48 sofridos. O feito ganha maior relevância quando recordamos que este foi o ano em que os encarnados perderam Renato Sanches, Sílvio, Nico Gaitán, Talisca e Gonçalo Guedes; mas chegaram Franco Cervi, Rafa e Zivkovic, ainda hoje tantas vezes titulares.
Na Liga dos Campeões, o Benfica voltou a conseguir ultrapassar a fase de grupos mas, desta feita, ficou apenas pelo oitavos de final. Depois de terminarem o Grupo no segundo lugar, atrás no Nápoles e à frente do Besiktas e do Dínamo Kiev, os encarnados ainda venceram o Borussia Dortmund em Lisboa pela margem mínima mas foram à Alemanha perder por 4-0 e ser eliminados da competição. Na avaliação final, três vitórias, três derrotas, dois empates e 11 golos marcados contra 14 sofridos. Era o início do descalabro europeu do Benfica.
Além do Campeonato, que o Benfica conquistou com mais seis pontos do que o FC Porto, 25 vitórias em 34 jornadas e apenas 18 golos sofridos, os encarnados foram ainda os vencedores da Taça de Portugal, com seis vitórias e um empate, ao vencerem o V. Guimarães por 2-1 na final do Jamor. Faltou a Taça da Liga, onde o Moreirense foi mais forte e eliminou o Benfica nas meias-finais da competição (a equipa de Moreira de Cónegos acabaria por conquistar o troféu ao bater o Sp. Braga na final).
2017/18
O primeiro ano sem Campeonato, o primeiro ano de falhanço, o primeiro ano de contestação. Falhou o objetivo do inédito penta, que só o FC Porto conseguiu, e ficou a oito pontos dos dragões de Sérgio Conceição, que voltaram a festejar depois de quatro anos de vazio. Rui Vitória viu sair Ederson para o City, Lindelöf para o United, Nélson Semedo para Barcelona , Mitroglou para o Marselha, Lisandro López para o Inter Milão e ainda o fim de contrato com Júlio César. Em comparação, as contratações foram poucas, de baixo peso e de baixo impacto: de todos os jogadores que ingressaram no Benfica em 2017/18, apenas Seferovic, Krovinovic, Bruno Varela e Svilar se mantêm no atual plantel (e destes, dois são guarda-redes e suplentes). A lista de jogadores contratados na janela de transferências do verão de 2017 é demasiado extensa para a contrapartida mínima – Martin Chrien, Chris Willock, Cristian Arango, Salvador Agra, Mato Milos, Douglas, Gabriel Barbosa e Erdal Rakip.
Na Liga dos Campeões, o Benfica bateu recordes: mas todos eles negativos. Os encarnados terminaram o Grupo A com seis derrotas e zero pontos, incluindo uma pesada goleada por 5-0 na Suíça, aos pés do Basileia, e falharam não só a passagem aos oitavos de final como a repescagem para a Liga Europa.
Rui Vitória conseguiu, ainda assim, manter as 25 vitórias para o Campeonato (apesar de ter perdido mais uma vez) e terminou a principal competição interna com apenas 22 golos sofridos contra 80 marcados, mais oito do que no ano anterior. A temporada, ainda assim, foi vazia em conquistas, títulos e alegrias: na Taça de Portugal, os encarnados não foram além dos oitavos de final, onde perderam com o Rio Ave, e na Taça da Liga não conseguiram mesmo passar da fase de grupos, onde empataram os três jogos disputados e sofreram tantos golos como os que marcaram (cinco).
O lema para a temporada que vai agora a meio estava lançado e tinha laivos de confiança desmedida. A #Reconquista, palavra e hashtag tantas vezes repetida pela comunicação oficial do Benfica, era o único caminho possível e a única maneira de Rui Vitória procurar a redenção.
2018/19
O ano de todas as decisões. A contestação sanada com a conquista do tetra tinha regressado e era – ou é, nesta altura – impensável voltar a deixar escapar o título para o rival FC Porto. A saída por empréstimo de Raúl Jiménez, para o Wolverhampton, deixava espaço para a entrada de novos avançados que fizessem companhia a Seferovic na luta pela titularidade com Jonas. Além disso, Luisão decidiu terminar a carreira numa fase embrionária da temporada e era necessário encontrar alternativas para o eixo da defesa, onde só Rúben Dias e Jardel pareciam merecer a confiança de Rui Vitória. A ida ao mercado foi intensa, dispendiosa e prometia ser frutífera: mas só dois os dois primeiros adjetivos se confirmaram.
O Benfica contratou Odysseas Vlachodimos, Ebuehi, Germán Conti, Nicolás Castillo, Facundo Ferreyra, Cristian Lema, Alfa Semedo, Sébastien Corchia e Gabriel. Muitos nomes, vários milhões, poucos resultados. Destes nove, Vlachodimos é titular, Alfa é opção recorrente para saltar do banco e Gabriel esteve no onze inicial durante alguns jogos, até Rui Vitória se decidir de forma permanente por Gedson Fernandes. Ferreyra não aparece nas convocatórias, Castillo teve alguns minutos mas pouco ou nada mostrou, Ebuehi lesionou-se assim que chegou, Conti foi expulso na estreia, Corchia não impressionou e o agente de Lema já garantiu que o argentino não está satisfeito na Luz e quer sair.
Na Liga dos Campeões, apesar de nada se comparar ao registo negativo de 2017/18, o Benfica voltou a não conseguir apurar-se para a fase de grupos e terminou o Grupo E no terceiro lugar, atrás de Bayern Munique e Ajax e à frente do Fenerbahçe, e caiu para a Liga Europa, onde vai encontrar os turcos do Galatasaray nos 16 avos de final. No final dos seis jogos, os encarnados somavam duas vitórias, um empate e três derrotas – para além dos parcos seis golos marcados contra onze sofridos.
Assobios, lenços brancos e cadeiras a arder na bancada: as reações após nova derrota do Benfica
Apesar de estar na final four da Taça da Liga e nos quartos de final da Taça de Portugal, o Benfica está no quarto lugar do Campeonato, a sete pontos do FC Porto, dois do Sporting e um do Sp. Braga. Em 15 jogos, Rui Vitória conseguiu ganhar dez, empatou dois e perdeu três, ou seja: em 15 jornadas, o Benfica tem já tantas derrotas como as que sofreu em toda a temporada 2017/18, mais uma do que em toda a temporada 2016/17 e apenas menos uma do que em 2015/16. Na generalidade das competições, os números tornam-se ainda mais gritantes. Desde agosto, em cinco meses, os encarnados perderam sete vezes e empataram nove – na totalidade da época passada, perderam 14 e empataram nove; em 2016/17, perderam oito e empataram 12; e em 2015/16, perderam 12 e empataram seis.
Rui Vitória é despedido do Benfica depois de três épocas e meia e seis títulos conquistados, incluindo dois Campeonatos nacionais que carimbaram um inédito tetracampeonato. O treinador que nunca foi consensual e só foi querido enquanto foi cumprindo deve agora partir para a Arábia Saudita, onde a comunicação social o dá como certo no Al Nassr.
Obrigado, Rui Vitória. pic.twitter.com/C2pKOg0k2r
— SL Benfica (@SLBenfica) January 3, 2019