Rui Vitória já não é o treinador do Benfica: é oficial. Depois de vários meses de pesada contestação, o português que assumiu o comando das águias a 15 de junho de 2015 abandona o comando técnico da equipa encarnada, deixando o clube no quarto lugar do campeonato nacional a sete pontos do líder FC Porto. Apesar do veredito só ter sido anunciado esta quinta-feira à noite, já em novembro de 2018 se dava como certa a saída de Vitória. Luís Filipe Vieira, porém, não deixou que isso acontecesse, fez finca pé e deu ao treinador que conquistou dois campeonatos nacionais um balão de oxigénio que agora vazou por completo.
A relação entre o presidente encarnado e o agora ex-treinador benfiquista é quase digna de um romance épico. Contra tudo e contra todos, Vieira manteve-se fiel e dedicado a Vitória, fazendo com que a relação entre os dois ultrapassasse um sem fim de barreiras: o fogo cerrado de Jesus e Bruno de Carvalho nos primeiros meses na Luz em 2015, a perda do pentacampeonato em 2018, as últimas duas (desastrosas) campanhas europeias na Champions. Acontece que a corda já não esticava mais e o presidente do Benfica teve de fazer o que há umas semanas evitou. Se dúvidas existissem que o líder benfiquista sempre defendeu o seu treinador, elas dissipam-se completamente ao analisar a posição que sempre manteve.
Rui Vitória fazia parte de um grupo restrito de treinadores cujo trabalho acompanho há vários anos. Ele é aquele que sempre senti estar melhor preparado para vir a ser o melhor treinador para o Benfica.”
Estávamos no mês sete de 2015 quando Vieira falou pela primeira vez, mais a fundo, sobre o homem que escolheu para dar seguimento ao trabalho de Jorge Jesus, antigo técnico tornado Judas aos olhos da nação encarnada. Numa longa entrevista dada ao jornal desportivo Record, quando LFV ainda estava longe de saber que o bicampeonato deixado por Jesus iria virar “tetra”, o presidente afirmava: “[Ele] superou as expectativas que tinha. Está num patamar acima daquilo que esperava e creio que vamos poder ver isso dentro de campo”. Apesar de Vitória ainda ser uma grande incógnita para os adeptos das águias – que ainda estrebuchavam com o peso da sombra de Jesus –, o otimismo foi reinando.
Ele é um treinador que assume a dimensão europeia do Benfica, um treinador sem medo e decidido a lutar a levar o Benfica ao ‘tri’.”
Luís Filipe Vieira: “Jiménez vai ser a transferência mais cara em Portugal”
A realidade quase que se cruzou com a ficção nos primeiros dias de Vitória na Luz. A época 2015-2016 ainda estava a ser preparada quando o novo treinador assumiu os comandos do Benfica, mas todos só pensavam no jogo da Supertaça. De forma quase hollywoodesca, o primeiro jogo oficial de Rui Vitória seria contra o Sporting... De Jorge Jesus. Um duelo entre passado e presente, um David contra Golias que na hora da verdade resultou numa vitória dos Leões. Esta primeira derrota pareceu pôr em causa a mudança técnica do Benfica e os jogos que se seguiram em nada ajudaram a mudar essa visão. Vieira teve de agir e em setembro de 2015 deu uma entrevista ao jornal A Bola onde defendeu, pela primeira vez, o novo treinador dos encarnados. Ideias como a “mudança de paradigma” e a “aposta na formação” serviram como justificação para as “dores de crescimento” que se sentiram no início do reinado Vitória.
“Rui Vitória tem capacidade para ficar aqui muitos anos. Vai deixar a sua marca no Benfica.”
Na mesma entrevista em que Vieira defendia Vitória pela primeira vez, o presidente encarnado fazia a primeira de muitas juras de longevidade. Olhando para o decorrer dessa época desportiva, tudo isso ganhou validade: apesar de estar longe do futebol com “nota artística” de Jesus, este Benfica conseguiu garantir o tricampeonato e a convicção de Vieira permaneceu inabalável – Rui Vitória era mesmo o “treinador corajoso” que as águias precisavam.
“O Benfica tem uma estrutura profissional e Rui Vitória faz parte. Tem contrato de três anos e vai cá ficar muitos e bons anos. Se um dia sair, passado 24 horas apresentamos um novo. Mas estamos tão felizes e o Rui está tão apaixonado por aquela casa que nem pensamos nisso.”
A Luz brilhava forte quando em setembro de 2016 Luís Filipe Vieira deu uma grande entrevista à TVI onde reforçou a sua confiança no, até então, brilhante trabalho que Rui Vitória ia fazendo. A grande vingança dos encarnados pela mudança de Jesus para o Sporting foi terem-lhe tirado o título que muitos pensavam já estar garantido. Apesar de ter passado toda a temporada a conviver com as pressões do ex-treinador encarnado e de Bruno de Carvalho – recorde-se o episódio do “cérebro” e do “Ferrari”, por exemplo –, Vitória demonstrou fibra e quis logo apontar armas ao “tetra”.
“Não há resultado que retire o Rui Vitória deste projeto. Tem mais três anos de contrato e irá cumpri-los.”
Luís Filipe Vieira: “Não há resultado que retire Rui Vitória deste projeto”
Jorge quem? A memória dos sucessos de Jesus tinha desaparecido quase totalmente na fase inicial da época 2017/18 – em novembro, mais concretamente –, depois de Rui Vitória ter conquistado mais um Campeonato e do “penta” começar a parecer mais que um sonho. Nessa mesma altura, Luís Filipe Vieira deu uma enorme entrevista à Benfica TV (quase duas horas e meia) e voltou a reforçar a sua confiança pessoal no técnico português, que tinha renovado contrato até 2020 sete meses antes. A aposta de Vitória em jogadores da formação como Ederson, Lindelof, Renato Sanches, Nélson Semedo e Gonçalo Guedes comprovava que a viragem de paradigma na estrutura do SLB tinha sido aposta ganha e, à medida que os jovens talentos se consolidavam e davam o salto (a troco de largos milhões), o Seixal parecia uma mina sem fim – algo que trouxe muita coisa boa ao Benfica mas que, aos poucos, acabou por levar ao desastre. A confiança de que “os da casa” bastavam para conquistar o ambicionado pentacampeonato e a oportunidade para tapar fossos financeiros fizeram com que muitos desses jovens talentos fossem vendidos e que o número de contratações baixasse drasticamente. No final da temporada, essa receita revelou-se desastrosa e começou o princípio do fim: o FC Porto roubou o quinto título consecutivo e os adeptos do Benfica começaram a hesitar.
“Rui Vitória continuará a ser o nosso treinador. Depois de reflexão entendi que ele devia continuar. É o homem certo no lugar e vamos ver se o tempo dirá se tenho razão ou não.”
O Apocalipse parecia bater à porta do Estádio da Luz ainda antes do Natal de 2018. O futebol pobre e as consecutivas exibições (e resultados) dececionantes pareciam ter ditado o fim do reinado Vitória em terras da águia. Na noite de 28 de novembro de 2018 a comunicação social começou a dizer que o treinador do Benfica ia sair do comando técnico das águias, tudo parecia estar praticamente certo e até já se apontavam nomes como o de Luís Castro, Rui Faria e Jorge Jesus (claro) como possíveis substitutos. O que aconteceu a seguir só prova o quão inesperado é o futebol português: no dia seguinte, Luís Filipe Vieira garantia que Rui Vitória ia ficar. Numa frontal e transparente conferência de imprensa, o presidente do Sport Lisboa e Benfica veio defender a sua aposta pessoal dizendo que já “havia uma decisão tomada” mas que a meditação e uma noite mal dormida no Seixal o fizeram manter-se fiel à decisão que tinha tomado em 2015. Muitos ficaram perplexos com a decisão, mas Luís Filipe Vieira estava convicto. Aliás, o próprio voltou a demonstrá-lo uns dias mais tarde, numa entrevista dada à TVI onde afirmou: “Rui Vitória continuará a ser o nosso treinador. Depois da reflexão entendi que ele devia continuar. É o homem certo no lugar e vamos ver se o tempo dirá se tenho razão ou não”.
Nos tempos que se sucederam pareceu haver algumas melhorias e uma generosa goleada de 6-2 ao Sp. Braga fez mesmo acreditar que ainda ainda havia esperança. Mas não. O recente desaire contra o Portimonense (os encarnados perderam 2-0 com autogolos de Rúben Dias e Jardel) ditou o fim de Rui Vitória enquanto treinador do Benfica. Até ao momento em que este texto foi terminado ainda não havia declarações oficiais de Luís Filipe Vieira sobre o fim do reinado Vitória. Mantém-se por isso a dúvida sobre como lidará o dirigente encarnado com o falhanço (ainda que parcial, não se deve esquecer os seis títulos conquistados por Rui Vitória) desta que sempre foi uma aposta pessoal. E, tão ou mais importante, quem escolhe para a sucessão.