O médico do INEM do helicóptero de Évora que terá dito que estava indisposto para não transportar um doente, a 29 de outubro de 2017, esteve mesmo na tourada que decorreu na arena da cidade, naquele dia e por volta da mesma hora. É isso que mostra a reportagem fotográfica feita pela página dedicada à tauromaquia Toureio.pt.
Em três das várias fotografias disponíveis no site, datadas precisamente de 29 de outubro de 2017 e publicadas no mesmo dia, é possível ver António Peças na “teia”, o espaço que separa a arena e as bancadas, apoiado na vedação de madeira.
[Veja nesta fotogaleria as imagens que mostram António Peças na arena de Évora, a 29 de outubro de 2017]
As imagens desmentem, assim, o médico que, depois da denúncia de outros colegas do Hospital de Évora, garantiu ao Observador que não tinha sido o médico oficial da corrida de touros e que apenas tinha passado na Arena de Évora antes do espectáculo para emitir o parecer de segurança, à falta do médico oficial que chegaria depois. Por um acaso, enquanto o fazia, o diretor da corrida queimou-se com a água do chuveiro e António Peças assistiu-o.
É verdade que prestei assistência ao diretor da corrida, mas eu não estava de serviço à corrida de touros”, disse ao Observador na semana passada, garantindo que, depois disso, tinha regressado de imediato ao heliporto, já que estava de serviço ao helicóptero do INEM.
A versão, ainda assim, não batia certo com os registos do próprio INEM. Segundo relataram, na altura, alguns sites, incluindo o próprio Toureio.pt, o médico tinha assistido Marco Gomes, diretor da tourada, “alguns minutos antes do início do espectáculo”, que estava marcado para as 17h.
Marco Gomes foi prontamente assistido na enfermaria da praça pela equipa médica afecta ao espectáculo: o Dr. António Peças, José Ribeiro da Cunha, técnico de emergência médica pré-hospitalar e o enfermeiro Gonçalo Louro”, escreveu o site dedicado à tauromaquia.
Não se compreendia, assim, como é que pouco depois, às 17h36, contactado pelo CODU para fazer o transporte de um doente para Lisboa, António Peças dizia estar em casa, muito indisposto e em grandes dificuldades por causa de uma gastroenterite.
CODU: Há aqui um pedido de Évora para S. José…
António Peças: Eh pá… é o quê?
CODU: É um hematoma subdural.
António Peças: Oh Dr. Marcão [o médico do CODU], é uma coisa… eu estou aqui em casa, vim aqui… acho que isto é uma gastroenterite. Das duas uma, vou aqui ver… ou vou ver se isto me passa aqui um bocado, ou se vou ao hospital que é para eles me fazerem lá uma medicação. (…) Se isso pudesse ser de carro [ambulância], eu agradeço. Se não puder ser, eles têm que aguardar isso um bocadinho, que eu estou… estou aqui um bocadinho aflito.
CODU: OK. Está.
António Peças: Obrigado, Dr. Oiça lá uma coisa: eu vou ao hospital que é para ver se me fazem lá uma medicação, mas se eles puderem fazer por terra [de ambulância], eu agradeço. Depois eu digo-lhe alguma coisa depois de fazer a medicação lá no hospital. Está bem?
Não há registo de que tenha ido ao hospital. O doente acabou por ser enviado para Lisboa de ambulância. Ao Observador, António Peças insistiu que “não houve nenhum pedido de transporte”, alegando que o helicóptero não chegou a ser ativado. Na queixa assinada por um “grupo de médicos do Hospital de Évora preocupados”, é dito que António Peças só abandonou a Arena de Évora por volta das 21h, indo jantar com os organizadores da corrida. E o parecer médico do espectáculo, enviado à Inspeção Geral das Atividades Culturais e citado pela SIC, que o próprio assumiu ter assinado antes da corrida, também diz que Peças ficou até ao final e deu assistência a quatro pessoas.
O caso faz parte do processo encaminhado pelo INEM para a Inspeção Geral das Atividades em Saúde e para a Ordem dos Médicos. Junta-se às suspeitas de que trabalhava, várias vezes, em dois sítios em simultâneo — no Hospital de Évora e no helicóptero do INEM — sobrepondo horários e recebendo a remuneração das duas entidades.
Esta quarta-feira, a Procuradoria Geral da República confirmou também que foi aberto um inquérito para investigar esses factos, no Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora.