O centro de saúde norte-americano onde uma mulher foi violada e deu à luz após 26 anos em coma começou no final da semana passada uma investigação interna ao caso, noticia o jornal local Arizona Central. Essa investigação deve acontecer em paralelo, mas em cooperação, com a que está a ser conduzida pelas autoridades desde 29 de dezembro. Ambas pretendem responder a duas questões: quem violou a mulher? E como é que a gravidez passou despercebida ao pessoal médico que a acompanhava?

O que aconteceu?

A 29 de dezembro de 2018, uma mulher de 29 anos que está em coma desde os três anos deu à luz um rapaz no Hacienda HealthCare, um centro de saúde no estado norte-americano do Arizona. A chamada para o número de emergência médica (911 nos Estados Unidos) feita por uma enfermeira nesse dia sugere que a equipa que cuidava dessa mulher não sabia que ela estava grávida, relata o Arizona Central: “Uma das nossas pacientes acabou de ter um bebé e nós não fazíamos ideia que ela estava grávida”.

A chamada durou cinco minutos e 11 segundos. Quando nasceu, a criança não estava a respirar e “estava a ficar azul”, descreveu a enfermeira ao operador de socorro do outro lado da linha. De acordo com o Arizona Central, a equipa médica foi obrigada a fazer compressões no peito do rapaz na esperança de o reanimar. Isso veio a acontecer quatro minutos depois do nascimento. “Graças a Deus”, desabafou a enfermeira.

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Entretanto, o operador do número de emergência médica enviou paramédicos e a polícia para responder a uma “situação com uma criança” no Hacienda HealthCare às 15h45 locais — eram 08h45 em Portugal Continental. Tanto a mãe da criança como o bebé foram depois transportados para um hospital e ambos recuperaram bem. Assegurada a saúde dos dois, as autoridades concentram-se agora em saber quem violou e engravidou a mulher, que está “incapacitada” desde os três anos.

Quem é esta mulher?

O nome da mulher nunca foi divulgado. Sabe-se que tem 29 anos, 51 kg e que pertence à tribo índia San Carlos Apache. Segundo os registos médicos a que o Arizona Central teve acesso, a mulher sofreu uma lesão cerebral grave provocada por um afogamento que a deixou às portas da morte aos três anos. Desde então que depende de tubos para se alimentar e respirar, o que exige dos enfermeiros “um nível máximo de cuidado”. Ou seja, há 26 anos que a mulher é descrita como “incapacitada” e “incapaz de tomar qualquer decisão ou dar consentimento devido à sua deficiência”.

Os documentos médicos mais recentes da paciente dizem que sofre “frequentemente de pneumonia e convulsões”, mas os registos de 16 de abril de 2018 — os últimos a serem feitos antes do parto — diziam que nada tinha mudado no seu estado de saúde. Em todos os registos, a probabilidade de a mulher recuperar e poder sair do centro de saúde sempre foi avaliada como “baixa”. A mãe da mulher — que o Tribunal Superior do Condado de Maricopa destacou como cuidadora — visita-a duas vezes por mês desde 2009, segundo o Arizona Central.

O líder da tribo a que a mulher pertence também já reagiu ao caso: “Em nome da tribo, estou profundamente chocado e horrorizado com o tratamento dado a um dos nossos membros. Quando se tem um ente querido comprometido com os cuidados paliativos, quando eles são mais vulneráveis ​​e dependentes dos outros, confiamos nos seus cuidadores. Infelizmente, um dos seus cuidadores não era de confiança e aproveitava-se dela. A minha esperança é que seja feita justiça”.

O que diz o centro de saúde?

A chamada para o número de emergência médica aquando do parto sugere que a equipa de enfermagem não sabia que a mulher estava grávida. De facto, os registos médicos da paciente não indiciam que os médicos e enfermeiros soubessem da gravidez, mas não é claro para as autoridades se alguém tinha conhecimento da condição da mulher embora não o tenha apontado nos relatórios.

Também ninguém sabe se o centro de saúde tem câmaras de vigilância no interior do edifício ou se elas estavam operacionais. Isso ajudaria a descobrir quem violou a mulher e a perceber se isso aconteceu mais do que uma vez, explica o sargento Tommy Thompson, porta-voz da polícia: “Sei que aconteceu pelo menos uma vez e isso já são vezes demais”, concluiu o agente. De qualquer modo, o Departamento de Cuidados de Saúde do Arizona garantiu que “a segurança estava em dia” no Hacienda HealthCare, que havia “grande monitorização das áreas de prestação de cuidados aos pacientes” e que havia “grande controlo no que respeita aos visitantes”.

Gary Orman, membro da direção do centro de saúde, disse ao Arizona Central que não vai aceitar “nada menos do que um relatório completo desta situação absolutamente horrível, um caso sem precedentes que devastou todas as pessoas envolvidas, desde a vítima e a família ao pessoal do Hacienda em todos os níveis da organização”. “Quero garantir aos nossos pacientes e aos seus entes queridos, aos nossos parceiros comunitários, às agências com as quais fazemos negócios, ao governador Doug Ducey e aos residentes do Arizona que continuaremos a cooperar com a polícia de Phoenix e as agências de investigação a todos os níveis e de todas as maneiras possíveis”, concluiu.

Como é que o caso está a ser investigado?

A polícia de Phoenix está a investigar o escândalo como um caso de violação sexual. No início da semana passada, agentes policiais estiveram no Hacienda HealthCare a recolher amostras de ADN — uma molécula no núcleo das células que guarda toda a informação única de cada indivíduo — de todos os homens que trabalham no centro de saúde. Se o violador não for encontrado, então as autoridades vão analisar as visitas recebidas pela mulher. Além disso, a polícia pediu ajuda à população para encontrar o homem que violou a mulher que está em coma há 26 anos.

Após o escândalo ter chegado à comunicação social, Bill Timmons, o diretor-geral do centro de saúde, demitiu-se ao fim de “longos anos” no cargo, noticiou o Arizona Central. Entretanto, Rick Romley, antigo procurador no Condado de Maricopa (também no Arizona), foi chamado para conduzir uma investigação interna no Hacienda HealthCare. Prometeu uma averiguação “sem limites” de como é que a mulher foi violada e de como é que esteve grávida sem que o pessoal médico se tivesse apercebido. Em conferência de imprensa, Rick Romley afirmou: “O conselho de diretores garantiu que não haveria restrições. Disse-lhes que, se estavam a chamar-me para fazer uma análise superficial e dizer que está tudo bem, não estava interessado”.

O conselho de diretores também assegurou “uma investigação exaustiva” em declarações aos jornalistas. “O senhor Romley terá acesso irrestrito a todos os aspetos do negócio da Hacienda, incluindo todos os registos relacionados a esse assunto e todos os procedimentos operacionais relacionados ao centro”. O centro de saúde garante estar a fazer tudo para que “uma coisa como esta nunca mais aconteça”: “Continuaremos a cooperar plenamente com a polícia de Phoenix e as agências que investigam o assunto. A nossa maior prioridade é identificar rapidamente o violador e garantir que a pessoa é levada à justiça”.

Onde está o bebé?

O bebé ficou aos cuidados da família da mulher, revelou o advogado da família ao Arizona Central. “A família está obviamente indignada, traumatizada e em choque com o abuso e negligência sofrida pela filha no Hacienda HealthCare. Mas a família quer que eu transmita que o bebé nasceu no seio de uma família afetuosa que vai cuidar dele”, disse John Micheaels num comunicado enviado ao jornal.

O advogado também pediu privacidade para a família nos próximos tempos: “A família está bem ciente das intensas notícias e do interesse público no caso da sua filha, mas neste momento não está emocionalmente preparada para fazer uma declaração pública”. No entanto, sublinha que quer justiça para a mulher, que estava “num estado completamente vulnerável” no Hacienda HealthCare.