Os alunos que fazem o ensino secundário sem chumbos ainda são uma minoria, mas há escolas que conseguem ser a exceção à regra. Os números mais recentes do Ministério da Educação, divulgados na quarta-feira passada, mostram que só em 15 concelhos do país, entre 243 analisados, mais de metade dos alunos conseguiu fazer o curso científico-humanístico com percurso direto de sucesso. E entre estes, só em três, Vouzela, Fornos de Algodres e Alcanena, o valor ultrapassa os 60%. Os dados referem-se ao ano letivo de 2017/18.
Os percursos diretos de sucesso, critério que passou a ser analisado desde 2016, mostram a percentagem de alunos que obtiveram classificação positiva nos exames das duas disciplinas trienais do 12.º ano, após um percurso sem retenções nos 10.º e 11.º anos. Os dados estão disponíveis no Infoescolas, portal de estatísticas do ensino básico e secundário.
No triénio de 2015-2017, eram também 15 os concelhos em que mais de metade dos alunos conseguiam percursos diretos de sucesso. Não eram, no entanto, os mesmos de agora e em nenhum deles se chegava aos 60% de alunos com sucesso. É essa marca que conseguem ultrapassar Vouzela (65%), Fornos de Algodres (63%) e Alcanena (61%).
Em Vouzela, entre 2015-2017, apenas pouco mais de um terço dos alunos (37,9%) tinham percursos diretos de sucesso, valor abaixo da média conseguida por alunos de perfil comparável (43,5%). Para analisar este indicador, os estudantes são comparados apenas com outros que tenham perfil idêntico, como, por exemplo, a mesma classe sócio-económica ou a mesma escolaridade da mãe.
No caso de Vouzela, o indicador mostrava que os alunos daquele concelho não conseguiam ter o mesmo sucesso que alunos idênticos noutras regiões do país. A surpresa deu-se no último ano letivo e em 2017/2018, a realidade mudou radicalmente: 65% dos alunos passaram a ter percursos de sucesso, um valor que compara com a média nacional de 55%. A escola não só melhorou o seu desempenho, como o melhorou também em relação à média feita a partir de alunos comparáveis.
Neste concelho, distrito de Viseu, os últimos três anos do ensino obrigatório são necessariamente feitos na Escola Secundária de Vouzela onde estudam 133 alunos nos cursos científico-humanísticos.
O mesmo crescimento se verifica no concelho de Fornos de Algodres, Guarda, que tem a variação mais significativa quando se compara os resultados do triénio de 2015/2017 com os do último ano letivo. De um quarto de alunos com percursos diretos de sucesso, a Escola Básica e Secundária de Fornos de Algodres (a única onde se pode fazer o secundário) passa para 63%. A melhoria mantém-se quando se compara estes valores com as médias nacionais. Se no triénio 2015/2017 tinha um desvio padrão de -21,5%, agora tem de 16%.
Mas, como fonte da escola explica, trata-se de um estabelecimento de ensino muito pequeno, a amostra foi de 52 alunos num total de 63 nos cursos científico-humanísticos, e qualquer alteração pode fazer variar os números drasticamente, para cima ou para baixo, traduzindo-se numa variação estatística significativa.
Artur de Oliveira, diretor do agrupamento de escolas de Fornos de Algodres, justifica a melhoria substancial com a “massa humana” da escola. “No último ano letivo tivemos um conjunto de alunos bastante melhores e isso ajudou a obter estes resultados. Também temos tido estabilidade do corpo docente e sendo uma escola de reduzidas dimensões é mais fácil acompanhar os alunos e ter uma relação personalizada. As turmas têm no máximo 20, 22 estudantes. Quanto mais pequena é a escola mais fácil é controlar o grupo de alunos.”
Filinto Lima, presidente da associação que representa os diretores, frisa que esta é, de facto, uma escola pequena. “Mas alguma coisa a escola terá de ter feito bem, tem de ter o seu mérito, porque este resultado não se obtém por obra e graça do Espírito Santo”, diz o representante da ANDAEP (Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas).
Por outro lado, a direção tem implementado em Fornos de Algodres estratégias para ajudar os estudantes a melhorar as suas aprendizagens. “Temos reforço de estudo em todas as disciplinas que prestam exames nacionais com o objetivo de ser a escola a substituir-se aos explicadores. Por outro lado, também tentamos reduzir os horários para que os alunos possam ter tempo para estudar da parte da tarde, criando espaços livres no final do dia. No 12.º ano praticamente só têm aulas de manhã”, explica o diretor.
A implementação daquilo a que chama Planos de Melhoria de Aprendizagem vai continuar no concelho. “No lançamento do próximo ano vamos ainda tentar melhorar os reforços de aprendizagem para os alunos do secundário e a nossa resposta será dar-lhes cada vez mais apoio”, explica Artur de Oliveira.
Já em Alcanena onde a diretora do agrupamento é uma grande entusiasta da autonomia e da flexibilidade curricular — uma das grandes mudanças implementadas nas escolas neste ano letivo — a explicação já será outra.
No triénio de 2015/2017, os percursos de sucesso dos alunos do secundário da escola do distrito de Santarém não fugiam muito à média nacional, estando ligeiramente abaixo (42,7% contra 44,1%). Já no ano letivo que terminou em 2018, subiam para 63%, com um desvio positivo de 6% quando comparados com a média (55%). Tal como nos outros dois concelhos, também aqui o 10.º, 11.º e 12.º ano são feitos apenas numa escola, na secundária de Alcanena, que tem cerca de 200 alunos nos cursos científico-humanísticos.
Aqui na escola sinto muito a questão da responsabilidade social e de que depende de nós, professores, o sucesso dos alunos, o seu percurso no concelho, na comunidade, no país e no mundo”, explica a diretora do agrupamento de Alcanena, Ana Cláudia Cohen.
A seu ver, a grande diferença que explica a melhoria de resultados é que os estabelecimentos de ensino de Alcanena puseram o foco na aprendizagem, mais do que nos resultados das pautas e, para isso, a flexibilidade curricular poderá vir a ajudar muito no futuro. No entanto, lembra que os alunos que já aderiram a este modelo só irão fazer exames no atual ano letivo, por isso, o seu desempenho ainda não está refletido nos dados agora divulgados pela tutela.
“Temos estado a fazer uma estratégia de prevenção logo no 10.º ano. Os professores mobilizam várias horas para acompanhar os alunos de forma facultativa. E é interessante ter professores a dizer que tinham todos os alunos na sala quando este acompanhamento não é obrigatório. Não há um enfoque no exame, há na aprendizagem. E há uma grande cultura de cooperação, de haver uma atitude positiva na sala de aula em relação à aprendizagem, de o aluno sentir empatia com o professor e sentir-se à vontade para colocar dúvidas. O que é importante é que eles aprendam”, sublinha a diretora.
Nesta escola, as salas de aulas não têm paredes. E os alunos não se queixam
Solução? Primeiro ciclo mais forte, menos foco nos exames no secundário
Apesar de, globalmente, haver melhorias nos percursos diretos de sucesso, Filinto Lima lembra que estes “ainda são a esmagadora minoria”. A solução, para si, passaria por mudar dois momentos chave do percurso académico dos estudantes. Repensar o primeiro ciclo e o ensino secundário.
“O 1.º ciclo tem de ser muito bem realizado. Se assim for, torna-se uma autoestrada do sucesso para os alunos. Quem chega mal preparado ao 5.º ano tem menos hipóteses de recuperar dos maus resultados. Para conseguir isso, um 1.º ciclo mais forte, era importante reduzir o número de alunos por turma, já que 24 ou 26 estudantes numa sala de aula continua a ser de mais, e devia-se apostar num ensino mais personalizado. Claro que não pode ser um para um, mas devíamos ter menos alunos por professor”, defende o presidente da ANDAEP.
A outra alteração, um alerta recorrente de Filinto Lima, tem a ver com o que considera ser um excesso de foco dos alunos nos exames nacionais. “O ensino secundário continua a ser um ciclo perdido, completamente focado nos exames nacionais e esse pode ser um dos motivos que leva a um menor número de alunos a conseguirem fazer percursos diretos de sucesso.”
Uma das hipóteses levantadas pelo também diretor do agrupamento de escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, é que ao focarem-se em demasia nas disciplinas a que têm de ir a exame, os estudantes acabem por descurar outras, acabando por ficar com chumbos no cadastro.
Por tudo isto, enquanto diretor, Filinto Lima encontra uma mais-valia no indicador dos percursos de sucesso dos alunos que não encontra nos rankings das escolas. Ana Cláudia Cohen concorda: “Preferia que os rankings das escolas não existem, mas temos de os monitorizar por uma questão de pressão da sociedade. Os pais querem sempre saber os resultados dos rankings. Mas, tendo em conta a forma que a escola está hoje, olhando para o sentido em que ela está a evoluir, já não faz sentido existirem este tipo de rankings.”
O diretor da ANDAEP deixa duas pergunta no ar: obteriam os alunos da escola classificada em primeiro lugar uma classificação melhor se frequentassem a escola classificada no último lugar? E conseguiriam os da escola classificada em último lugar uma classificação melhor se estivessem na escola do topo do ranking?
“Os percursos diretos de sucesso mostram o que uma escola fez por aquele aluno desde que ele entrou e têm, por isso, um leque muito mais abrangente. Os rankings são um retrato injusto, redutor, são um ranking dos melhores alunos e não dos melhores professores, dizem muito pouco sobre o efeito que o corpo docente tem sobre determinado estudante”, argumenta Filinto Lima. “Nos rankings o que interessa é marcar golo, não interessa se se jogou bem ou mal em campo.”
Na quarta-feira passada, quando anunciou as novidades do Infoescolas e do terceiro ciclo da avaliação externa das escolas que vai passar a considerar a inclusão como fator-chave, o secretário de Estado da Educação defendeu, mais uma vez, que “os rankings não dizem rigorosamente nada sobre a qualidade da escola”. Para João Costa, os resultados que os alunos conseguem nos exames são muitas vezes fruto do centro de explicações que frequentam e não da qualidade do estabelecimento de ensino onde têm aulas.
Filinto Lima concorda. “Tenho a certeza que em muitos casos, as notas dos exames são conseguidas graças ao trabalho dos explicadores. E esse tipo de informação devia ser cruzada quando falamos destes rankings.”
Para o presidente da ANDAEP, embora este instrumento de avaliação tenha vindo a aperfeiçoar-se nos últimos anos, ainda está longe de fazer jus ao nome: “Enquanto não entrarem fatores como a qualidade dos alunos, se são empenhados, estudiosos ou faltosos, o efeito da escola sobre os alunos desde que entram até que saem, o número de alunos e os seus percursos escolares, a estabilidade do corpo docente, o nível socio-económico dos pais e da região onde a escola se insere, o objetivo de comparação entre escolas não é alcançado ou é falsamente atingido.”
Os melhores e os piores
Olhando apenas para os concelhos que no triénio tiveram um desvio da média nacional positivo, acima dos dois dígitos, não é possível encontrar um padrão quando comparado com os últimos resultados. Em Ponte da Barca, os percursos diretos de sucesso diminuíram (de 48,8% para 45%), mas quando comparados com alunos de perfil idêntico, a performance teve uma melhoria residual (14,7% para 15%).
Em Esposende, tudo cai — percursos de sucesso e comparação com a média –, mas a escola continua a conseguir que os seus alunos tenham resultados melhores do que os de perfil idêntico de outras regiões do país (46% versus 40%).
Também nos concelhos de Arganil e Chamusca, a tendência é de queda, mas com uma diferença em relação ao concelho anterior. Os alunos destes dois concelhos deixaram de estar acima da média para passar a estar abaixo (33% contra 36% e 18% contra 26%, respetivamente).
Em relação aos que tiveram desempenho negativo, no triénio 2015-2017, o pior resultado era o já referido de Fornos de Algodres que teve uma evolução acentuada.
No concelho de Penamacor, os percursos de sucesso melhoraram assim como a comparação com a média nacional. O mesmo aconteceu em Sabugal, em Almodôvar, em Sines e em Mogadouro. O destaque é para Almodôvar que passou de 17% de percursos de sucesso para 52% e de um desvio negativo de 11% para os 11% positivos.
Em Miranda do Douro e Vinhais, apesar da percentagem de percursos diretos de sucesso terem caído, os alunos destes concelhos deixaram de estar abaixo para estar acima da média nacional.
Em Ourique, a amostra não tem tamanho suficiente para permitir comparações.