São 30 obras novas, quase todas em escala monumental e representam animais selvagens através de detritos produzidos por humanos. “Podemos dizer que têm uma componente escultórica, mas não são obrigatoriamente esculturas”, explicou o autor, Bordalo II, que as apresentará a partir deste sábado na exposição “Accord de Paris”, na capital francesa.

A mostra é produzida pela galeria Mathgoth, fundada em 2010 pelo colecionadores Mathilde e Gautier Jourdain, e está a ser montada por estes dias numa área de 700 metros quadrados junto ao número 10 da Avenue de France, no 13º bairro de Paris, margem esquerda do Sena. “Demorámos mais de um ano para encontrar o espaço que para mim seria perfeito para fazer algo deste género”, revelou Bordalo II.

A poucos minutos dali, no Boulevard Vincent Auriol, já se apresentaram nos últimos anos Vhils, Pantónio e outros criadores portugueses que usam a rua como espaço de criação e exibição.

Mas não é apenas a obra nova que convoca atenções, é também o facto de Bordalo II ser um dos mais populares artistas visuais portugueses do momento, com grande projeção internacional. Em novembro de 2017 exibiu trabalhos na zona de Xabregas, em Lisboa, onde tem atelier, e essa exposição, intitulada “Attero”, foi um êxito de público, com mais de 27 mil visitantes em 22 dias, de acordo com a organização. As enormes filas à porta, sobretudo ao fim de semana, terão sido apenas comparáveis à movimentação em torno de “Dissecção”, de Vhils, exposição visitada por 67 mil pessoas, em 2014, no Museu da Eletricidade, também em Lisboa.

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Ao Observador, Bordalo II preferiu aligeirar o feito. Disse que “Attero” correu “muito bem” e “superou as expectativas”. “Para mim, o mais importante em relação à visibilidade que a exposição teve foi ter tido oportunidade de passar à sociedade as minhas ideias, preocupações e o interesse ecológico.”

“Accord de Paris” parece seguir a mesma filosofia, com o título a remeter para o tratado internacional de 2015 sobre alterações climáticas. Trata-se de uma “exposição-manifesto”, assim descrita em textos promocionais, que “denuncia a devastação perpetrada pela sociedade de consumo sobre a natureza”. “Uma representação desta autofagia destrutiva, em 30 esculturas de animais ameaçados de extinção”, lê-se.

Os materiais são restos de plástico e lixo, imagem de marca de Bordalo II, e constituem o “máximo paradigma das consequências desastrosas da globalização”. “A arte é livre, não deve ser condicionada por motivações políticas ou sociais, mas para mim a arte ganha bastante se não for superficial e tiver alguma presença ativa na vida das pessoas”, explicou.

De resto, a exposição terá horários propositadamente reservados durante a manhã para visitas de crianças em idade escolar – porque a comunicação com os mais novos é muito relevante para Bordalo II.

“Arte e cultura são a base que pode mudar uma geração inteira, com todas as mensagens direcionadas para que as pessoas possam pensar sobre o que realmente interessa e eventualmente mudar algo neste mundo”, disse. “As crianças são o futuro, nascem como esponjas que absorvem tudo o que têm à sua volta. É importante que o meu trabalho tenha um interesse pedagógico, para passar mensagens importantes aos mais novos, que terão um poder importante num futuro próximo. Acho que a arte é muito importante, porque é um meio de comunicação muito forte.”

Pormenor de “Gibbon Monkey”, uma das peças escultóricas que Bordalo II apresenta no 13º bairro de Paris

Nascido em Lisboa em 1987, Artur Bordalo é neto do pintor Artur Real Bordalo (1925-2017), que aponta como a principal referência. Passou pelo curso de pintura da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa, fez grafitti e teve a primeira exposição individual em 2011, “Tornar o Banal Original”, na Montana Shop & Gallery, no Cais do Sodré.

Está hoje representado em coleções privadas em França, no Japão ou nos EUA, mas não em museus, e tem trabalhado sobretudo fora de Portugal. Só no ano passado: Brasil, EUA, Polinésia Francesa, Chile, Antilhas Holandesas, Reino Unido, Alemanha e Espanha. Apresentou várias obras de rua, muitas vezes efémeras.

“Estão sujeitas a vários agentes erosivos e à própria metamorfose da cidade: edifícios que são destruídos, outros são construídos, estradas que ocupam o lugar de casas, estradas que dão lugares a jardins”, descreveu. “A cidade tem uma arquitetura muito orgânica e algumas peças podem viver mais tempo que outras, são parte de uma época, porque, na verdade, nada dura para sempre, nem nós, nem ideias, sequer.”

A exposição que agora se inaugura em Paris – e que se mantém até 2 de março, com entrada livre – inclui peças que dão continuidade às séries “Big Trash Animals”, “World Gone Crazy”, “Half Half Animals” e “Plastic Animals“, além de algumas novidades ainda por revelar.

Nos últimos dias, o artista tem partilhado no Instagram alguns vídeos, com edição de Miguel Portelinha e música do DJ e produtor Moullinex (Luís Clara Gomes), através dos quais desvenda  a montagem das obras e o respetivo resultado. Uma das peças filmadas parece representar o presidente dos EUA, Donald Trump.

https://www.instagram.com/p/Bs3rFJ1A7_W/

O método de criação, descrito por Bordalo II como “um processo orgânico”, começa sempre pela recolha de material, ou seja, de restos e detritos, para que no estúdio haja matéria-prima disponível. “O resto é trabalho e processo criativo”, disse. No caso de “Accord de Paris”, fez uma viagem a Madagáscar há poucas semanas e divulgou imagens no Instagram.

Muito cuidadoso na comunicação, este autor de arte pública, ou arte urbana, é utilizador frequente das redes sociais na internet e costuma expressar-se em inglês. Significará isso que pretende chegar a um público internacional? Será que considera irrelevante a ideia de nacionalidade, aplicada a um artista? “Claro que não”, respondeu.

“É essencial que as pessoas que vivem na mesma zona cultural onde vivo entendam e tenham acesso ao meu trabalho, se assim não fosse, Lisboa não seria a cidade do mundo onde tenho mais peças não privadas e não comissionadas. A comunicação é feita de forma a que o máximo de pessoas possam entender, e parece-me mais fácil um português entender inglês, que outras nacionalidades entenderem português”, explicou.