Esta quinta-feira, enquanto apresentava o seu plano para o país numa sessão previamente agendada, Juan Guaidó soube que as FAES (Força de Ação Especial da Polícia Nacional Bolivariana) tinham entrado na casa dele, numa altura em que estava lá a sua filha de 20 meses e a sogra. Os vizinhos saíram a correr para a porta do prédio, para gritar contra as autoridades e a favor do homem que é, desde 23 de janeiro, o autoproclamado Presidente interino da Venezuela — e assim reconhecido pelos EUA e pelo Parlamento Europeu.

Tudo isto aconteceu na urbanização de Santa Fe Norte, bairro onde nasceu e cresceu Ines Gonçalves, empresária de 45 anos. Ficou a saber de tudo o que se passava pela mãe, uma idosa de 84 anos, e pela empregada que a acompanha. Nas próximas linhas, segue-se o relato na primeira pessoa de Ines Gonçalves, resultado de um depoimento ao Observador:

“Assim que se soube que a polícia tinha subido para ir à casa do Guaidó, os vizinhos juntaram-se todos na porta do prédio para o defenderem até onde desse. Ele estava a fazer uma apresentação do “Plan País” na Universidade Central de Venezuela, em Caracas, quando se soube de tudo. Ele escreveu logo um tweet a dizer que as FAES tinham entrado na casa dele, onde estava a filha de apenas 20 meses com a avó, a sogra de Guaidó, a tomar conta dela.

A notícia espalhou-se num instante, foi incrível. Os vizinhos começaram a gritar nas varandas: ‘As FAES vêm atrás do Guaidó!’. A minha mãe contou-me que toda a gente desceu à rua, todos aos gritos, a dizer ‘Viva Guaidó, fora FAES!’.

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A adrenalina que sentimos neste momento na Venezuela leva as pessoas a agir de maneira impensável. Nunca passaria pela cabeça destas pessoas saírem de casa a gritar contra as FAES, até porque eles estão sempre à paisana e agarram qualquer um. Fazem o que querem com quem querem, para eles tanto faz! Mas só de pensar que lhe podiam fazer alguma coisa, ou, pior ainda, à filha dele, as pessoas foram imediatamente para a rua. Se eu lá tivesse estado, tinha ido logo, sem pensar. Não quero que nos tirem esta esperança.

Militares cercam e entram na casa de Guaidó

Aquele bairro tem muitas senhoras idosas, como a minha mãe, e digo-lhe já: foram todas para a rua com a roupa que tinham no corpo só para defenderem o Guaidó. É que esta urbanização, que é Salta Fe Norte, que é da classe média, sempre foi muito opositora. É das zonas de Caracas onde há mais manifestações de repúdio ao governo. E calha que o Guaidó vive lá. Por isso as pessoas quiseram ir defendê-lo, porque ele deu-nos esperança. A minha mãe também quis ir, mas ela não pode, não tem saúde para isso. Já tem 84 anos e foi operada ao joelho. Então pôs-se a gritar da janela e mandou a empregada lá para baixo!

Depois até veio uma multidão de jornalistas para a conferência de imprensa do Guaidó. Nunca pensei que houvesse uma coisa destas no bairro onde cresci!

As pessoas ficaram lá duas horas. Não sei bem como foi com as FAES. É até possível que eles tenham saído antes de as pessoas chegarem, não sei. Mas, seja como for, foi bonito as pessoas irem para lá defender o Guaidó. Porque até há uns dias ninguém o conhecia e a verdade é que já ninguém acreditava na oposição. Mas o Guaidó é uma cara nova, não era conhecido. Por isso é que as pessoas foram. Ele agora é um símbolo! Foi uma coisa incrível as pessoas terem tido a coragem de estar ali. Os venezuelanos recuperaram a esperança na luta.

À noite, o Guaidó ligou à associação de condóminos e disse que queria falar aos vizinhos como gesto de agradecimento. E assim foi: juntaram as pessoas num campo de jogos da urbanização e ele agradeceu-lhes por terem saído em defesa da sua família. Falou da importância da esperança, foi muito bonito. Ele é uma pessoa muito corajosa por tudo o que está a fazer. Eu acho que as pessoas que não são da Venezuela não entendem totalmente o risco que ele corre, e também a família dele, por estar a fazer isto. E por isso, contou-me a empregada da minha mãe, as pessoas estavam todas emocionadas. Que emoção enorme é ser um grãozinho de areia na História do nosso país!”

[Veja o vídeo de Guaidó a agradecer aos vizinhos]