O dia de segunda-feira começou cedo e violento para Pedro Henriques. Às 6h00 da manhã já estava na pastelaria Orly, na Rua dos Foros de Amora, o café gerido pelos ex-sogros. Só lá encontrou Rui Cabrita, o pai da ex-mulher, Sandra, o primeiro a quem ameaçou de morte. Estaria alterado, segundo os relatos que constam na investigação contados ao Observador por uma fonte conhecedora do processo. Aliás, terá dito, antes de abandonar o café, que iria matar todos os familiares mais próximos.

Passados poucos minutos de Pedro sair da pastelaria, Rui Cabrita recebeu uma chamada da mulher, Maria. O ex-genro já tinha entrado no prédio onde viviam e estava à entrada da sua casa, na Rua do Minho, na Cruz de Pau (Seixal), a bater aos socos e pontapés na porta. Queria entrar. Rui aconselhou a mulher a não abrir. Maria obedeceu primeiro ao marido, mas depois ligou à filha Sandra, que lhe deu outro conselho. Disse à mãe que era melhor deixar entrar Pedro e tentar acalmá-lo. Ela decidiu seguir a sugestão da filha e não a do marido. E isso foi-lhe fatal.

Quando chegou finalmente a casa, Rui Cabrita começou a gritar. Maria estava caída de costas, sem sinais de vida, e parecia ter sido agredida com grande violência. A faca com que terá sido cometido o crime estava no seu corpo. Havia sangue no chão, na porta, nas paredes. O corpo, constará ainda do relato policial, terá sido arrastado para o corredor, de forma a que Pedro pudesse sair.

Rui contou que só o ex-genro e pai da neta Lara, que durante toda a manhã tinha ameaçado toda a família, e desde há muito vinha mostrando sinais de violência, podia ter feito aquilo.

Desde o divórcio que as ameaças seriam constantes. Naquele dia, o motivo da ira tinha atingido um pico. Pedro Henriques ia com Sandra ao Tribunal do Seixal para resolver a custódia da filha. Havia um diferendo sobre o tempo que cada um dos pais queria passar com Lara: a mãe pedia a custódia completa, o pai reclamava que mantivesse a custódia partilhada. Pedro estaria a fazer uma derradeira tentativa de mudar o testemunho de todas as pessoas que iriam contrariá-lo frente ao juiz.

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E não só os da ex-mulher. Pedro Henriques nem sequer tinha a própria família a seu lado. Segundo a mesma fonte próxima da investigação policial, terá ameaçado também a própria mãe, que iria ser testemunha abonatória da ex-mulher. A mãe de Pedro ter-se-ia deslocado de onde morava (não se sabe se no distrito de Leiria, de onde eram oriundos) apenas para se apresentar em tribunal e falar contra o filho.

A pastelaria dos ex-sogros cheios de homenagens a Maria Cabrita e a Lara. FOTO: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR,

O que viram as três testemunhas

Três pessoas testemunharam o crime. Um vizinho foi o primeiro a chegar à porta da vítima quando ouviu os gritos de Pedro e Maria e sons de luta. Do lado de fora da porta ainda gritou para que Pedro parasse. De nada lhe valeu a ordem: o suspeito saiu do interior da residência.

No caminho para o carro, cruzou-se ainda com a segunda testemunha que o tentou impedir de entrar. Mas Pedro foi mais forte: atirou-se para cima dele, empurrou-o e obrigou-o a desviar-se, deixando-lhe o caminho livre.

A terceira testemunha estaria num outro apartamento, onde trabalharia como empregada doméstica. Ouviu o barulho da briga entre Pedro e Maria, por isso dirigiu-se a uma janela, que dá para a rua, para tentar perceber o que se passava. Foi então que viu Pedro a entrar no carro, um Peugeot 206 preto com a matrícula 00-91-QR, a seguir em direção a Cruz de Pau. Mas reparou em algo mais. Viu também a pequena Lara, de dois anos e meio, sentada no lugar do pendura numa cadeirinha para bebés. Parecia estar a dormir com a cabeça caída e encostada no vidro lateral, segundo terá dito à polícia.

Não se sabe como, mas Pedro ou terá retirado a criança à avó, a quem a devia entregar nesse dia depois de ter passado o fim-de-semana com ela, ou nem sequer a terá retirado do carro.

Depois terá seguido viagem com a criança, com quem acabaria por estar desaparecido 24 horas, apesar de ter a polícia à sua procura.

Minutos depois de o 112 ter sido avisado do crime conta Maria Cabrita, duas equipas de cinco pessoas dos Bombeiros da Amora chegaram ao local com uma ambulância e um veículo urbano de combate a incêndios (VUCI). As equipas entraram na residência na esperança de encontrar Maria ainda com vida. Mas era tarde demais.

A morte de Maria foi então comunicada ao médico de serviço do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), que estava ocupado com outra ocorrência. Ao telefone, o médico aconselhou os bombeiros a irem buscar a Delegada Adjunta do Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central (ACES) de Almada/Seixal ao Hospital Garcia da Horta.

No meio da correria, o local do crime não ficou completamente conservado. Os bombeiros pisaram sangue, sujaram as botas de serviço e deixaram marcas dos sapatos pela casa. Só às 10h25, duas horas depois do crime, é que a médica legista chegou ao local. Cinco minutos depois confirmou o óbito.

Uma hora antes, a Polícia Judiciária de Setúbal já estava também envolvida na investigação, na Rua da Moura, chamada pela Esquadra de Investigação Criminal (EIC) da Polícia de Segurança Pública (PSP).

O prédio onde Pedro Henriques entrou para matar a ex-sogra. FOTO: JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR,

O que aconteceu nas 24 horas seguintes

Esta é a descrição do primeiro crime de Pedro Henriques segundo fonte junto da investigação. Mas infelizmente o caso estava longe de terminar. Depois de um dia atrás do carro do suspeito e à procura do local para onde tinha levado a filha, a PJ só voltou a ter sinais dele na manhã desta terça-feira. E da pior forma. Às 8h25 um telefonema que terá sido feito pelo próprio Pedro para o INEM dava conta do pior: informava a emergência médica do local onde tinha deixado a criança.

Estava dentro do porta-bagagens do carro, junto ao McDonald’s de Corroios, num parque de estacionamento em frente a uma escola secundária a apenas quatro quilómetros da casa dos ex-sogros. Não se sabe ainda de onde foi feito aquele telefonema às 8h25. Mas quando o INEM chegou, já encontrou a bebé sem vida. A causa da morte foi asfixia, mas também ainda é desconhecido se isso aconteceu por falta de ar ou por intervenção do próprio pai. No local, avançou o CM, Pedro terá deixado uma carta onde culpava a família pelos seus atos.

Menos de duas horas depois, o próprio Pedro Henriques era encontrado também sem vida a 250 km de distância. O corpo foi encontrado na zona de Castanheira de Pera, no distrito de Leiria, local de onde é natural, num cenário de aparente suicídio com arma de fogo.

Ainda antes da saber da morte do ex-marido (mas não se sabe se já conhecendo ou não o assassinato da filha), Sandra tinha-se recusado a sair da dependência de um banco na Quinta do Conde. Temia ser perseguida pelo ex-marido, como vinha acontecendo há algum tempo. Pedro Henriques tinha sido referenciado por episódios de violência doméstica quer contra o ex-sogro, quer contra a mulher, na PSP de Setúbal, conta o Expresso. O caso terá mesmo sido considerado de “violência doméstica de risco elevado”. Mas o Ministério Público confirmou ao Observador que o processo acabou arquivado porque Sandra desistiu da queixa, onde apenas se fala de um “crime de coação e ameaça”, que decorria no Tribunal do Seixal.