Os contornos da história, revelados numa investigação da agência norte-americana Bloomberg, fazem levantar sobrolhos e causam perplexidade: em apenas um ano — e dois meses depois de uma visita de Nicolás Maduro a Recep Erdogan — uma empresa turca abriu atividade e importou perto de 900 milhões de dólares em ouro da Venezuela.
A estranheza adensa-se quando a informação disponível sobre a empresa em causa, a Sardes, é pouca e duvidosa: de acordo com a Bloomberg, os registos financeiros de Istambul terão o capital social da empresa avaliado em apenas um milhão de dólares, quase mil vezes menos do que o valor que a empresa pagou, em menos de um ano, a empresas venezuelanas. Contactado para esclarecer e explicar este volume de negócios, um porta-voz da Sarde ter-se-á “remetido ao silêncio”.
A compra de ouro venezuelano por esta “misteriosa” empresa turca terá travado em novembro de 2018, mês em que Donald Trump assinou uma ordem executiva que impôs restrições internacionais à compra de ouro da Venezuela. As restrições decorreram do avolumar da contestação — interna e externa — a Nicolás Maduro, apoiada pelos EUA, que não lhe reconhecem legitimidade eleitoral para presidir o país. Nessa altura, o governo norte-americano terá mesmo “mandado um enviado à Turquia” para persuadir o país presidido por Erdogan a cumprir esta sanção diplomática.
Além de ter a economia mais pujante do Médio Oriente, a Turquia é um dos países internacionais que se tem mantido ao lado de Nicolás Maduro no atual contexto turbulento na Venezuela. O regime turco opôs-se à NATO e a grande parte dos países ocidentais na recusa do reconhecimento de Guaidó como presidente interino da Venezuela, perante as dúvidas internacionais sobre a legalidade dos últimos processos eleitorais no país.
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Em apenas dois meses, entre dezembro e janeiro, as boas relações diplomáticas entre Venezuela e Turquia traduziram-se em duas visitas de Estado (e todas com uma ligação ao ouro): no primeiro mês, foi o presidente turco a visitar Caracas. Erdogan visitou Maduro na companhia de Ahmet Ahlatci, presidente de uma das maiores refinarias de ouro da Turquia, a Ahlatci. No mês seguinte, foi o ministro das Indústria e da Produção Nacional da Venezuela a visitar a Turquia — mais especificamente, a sede da refinaria de ouro de Ahmet Ahlatci.
À época, na Turquia, os meios de comunicação social pró-regime noticiaram que as visitas antecipariam o início do processamento de ouro venezuelano em refinarias turcas. Tal acabou por não acontecer, alegadamente face ao receio que o presidente da refinaria turca teria de uma retaliação futura dos Estados Unidos da América, explicou à agência norte-americana “uma fonte com conhecimento direto da visita”. Nova fonte — que pediu para não ser identificada face à “sensibilidade do assunto” — relatou à Bloomberg que a solução encontrada para contornar esse problema foi a Venezuela aceder aos métodos tecnológicos das refinarias turcas, para poder levar a cabo esse processamento de matéria-prima no país de Maduro.