É a segunda vez que desfilam na Semana da Moda de Paris e já começam a conhecer os cantos à cidade. No terraço do Lycée Saint-Louis-de-Gonzague, um sexto andar com vista para a Torre Eiffel, espaço destinado a aulas de educação física, a dupla Marques’Almeida tirou partido do atípico sol de fevereiro. No final da manhã, nesta terça-feira, as 40 manequins, já vestidas, penteadas e maquilhadas, alinharam-se nas escadas do liceu.

Ensaios, marcações e ajustes de última hora — “Queres ir de ténis para ficares mais confortável”, pergunta Paula Almeida, designer da dupla, a uma das modelos, minutos antes do início do desfile. Em rigor, chamar-lhes modelos, ou manequins, não será o mais acertado. Estas miúdas não são o típico 36 (ou será 34?) de uma passerelle parisiense. Em vez de terem passado por um processo de seleção baseado em estatura e na passada confiante, estão aqui porque são amigas, amigas de amigas, ou apenas miúdas com pinta (e com lata) que um dia bateram à porta do atelier, em Londres.

O local do desfile: um ginásio de liceu, situado num sexto andar, com vista para a Torre Eiffel © Divulgação

“Mais do que a roupa, é sobre isto que gostamos de falar. Queremos transformar os desfiles em momentos perfeitamente realistas, onde existe uma relação genuína entre as raparigas e as roupas que vestem. E, para nós, é uma responsabilidade e um esforço consciente, na hora em que pomos uma imagem cá fora para e outras raparigas olham para ela, raparigas que estão a crescer, que se querem identificar e que se querem ver a elas próprias, não um formato standardizado. Depois de termos tido uma filha, há dois anos, isso ainda se tornou mais importante para nós”, explica Marta Marques, a outra metade da dupla criativa. “Cabe-nos a nós fazer com que, com as nossas roupas, qualquer rapariga fique no seu melhor”, completa Paulo.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Nesta terça de manhã, desfilaram 40 M’A girls (como lhes chamam), um número recorde. São francesas, inglesas e portuguesas e são muito mais do que uma montra de diversidade étnica e de corpos — são como um grande grupo de amigas, muitas (a maioria) sem qualquer percurso profissional no mundo da moda. Uma delas, Laurença d’Orey, regressa agora ao liceu onde estudou. “Estávamos a mostrar-lhe as opções que tínhamos e, de repente, ela diz: ‘Era onde eu fazia ginástica'”. A partir daí, não houve dúvidas de que ia ser aqui. Tínhamos essa conexão com uma das nossas raparigas. Foi aqui que viveu a adolescência, aquele período em que tudo é awkward e em que descobrimos a moda. Agora, veio e sentiu-se empoderada por voltar a este sítio numa fase diferente da vida”, conta Marta.

Radicados em Londres, os portugueses Marques’Almeida apresentaram, esta terça-feira, a coleção PV 2019, na Semana da Moda de Paris © Divulgação

Se na última coleção, uma espécie de Pre-Spring 2019, Marta Marques e Paulo Almeida foram, pela primeira vez, a fundo às suas raízes portuguesas, desta vez essa inspiração voltou a estar imiscuída num turbilhão de referências estéticas e culturais, próprio de quem vive na capital britânica há mais de dez anos. Isto sem esquecer as M’A girls, claro. “Na coleção anterior foi mais literal. Depois de tantos anos sem olhar para trás e a fazer coisas novas, tentámos perceber as nossas raízes — o folclore tradicional português, os materiais, o trabalho feito à mão. Desta vez, foi mais intuitivo. Há referências punk, que não têm nada a ver com os meios suburbanos e rurais em que crescemos em Portugal, mas das quais nos apropriámos”, resume Marta.

Um dos padrões, semelhante a um painel de azulejos minuciosamente pintado, é o ponto mais óbvio desta ponte entre Portugal e Londres. Em seguida, surge com outras cores, mais agressivo, como se fosse o negativo do primeiro. É um jogo de reinterpretação e de subversão — o dourado, espalhado por toda a coleção, é justificado com recurso à talha dourada; os padrões florais podiam ser aquela toalha de plástico na mesa da cozinha de uma qualquer avó portuguesa; as saias, armadas, dariam ótimas protagonistas para uma intriga palaciana no século XVII. Os spikes ponteagudos, as riscas verticais, os saltos altos que formam as iniciais da marca e, claro, a ganga impregnaram o ar com o jovem, porém forte, ADN Marques’Almeida.

Acontece que as M’A girls são, por norma, talentosas e uma delas está a aventurar-se no mundo da música. O desfile, no sexto andar e com vista para a Torre Eiffel (nunca é demais recordar), terminou com um tema original seu e com um QR code de acesso à loja online, onde algumas das peças acabadas de apresentar já estão à venda. “Fazer um desfile é um investimento muito grande, sobretudo para uma marca do tamanho da nossa, e não podíamos continuar a fazê-lo se não houvesse uma ligação direta com o produto e com um produto que se possa tocar, experimentar e comprar naquele momento”, explica Paulo.

Beyoncé voltou a vestir uma marca portuguesa

Para Paris, a dupla trouxe uma nova estratégia. O desfile desta terça-feira, apoiado pelo Portugal Fashion, mostrou a coleção primavera-verão 2019, disponível não só na loja oficial da marca mas também em revendedores e todo o mundo. Durante os próximos dias, num showroom reservado a buyers, será apresentada a próxima estação fria. “Na era do Instagram, ninguém espera seis meses para procurar nas lojas o que está a ver agora. A resposta a esta estratégia tem sido bastante rápida e positiva”, conclui.

Em janeiro deste ano, foi precisamente através do Instagram que Paulo e Marta foram surpreendidos por Beyoncé. A cantora exibiu um look composto por duas peças Marques’Almeida, fruto de uma compra feita em Los Angeles, possivelmente pelo stylist da cantora. Sem aviso prévio, os designers registaram um pico de acessos à loja online. As peças em questão, limitadas a um pequeno stock, esgotaram rapidamente. Quem sabe se, em setembro, quando voltarem a fazer um desfile em Paris, Beyoncé não será já também uma M’A girl.

O Observador viajou para Paris a convite do Portugal Fashion.