Marta Marques e Paulo Almeida chegaram onde nenhum outro designer de moda português chegou em nome individual. Há precisamente seis anos, começaram a cumprir o calendário londrino. Ganharam terreno, arrecadaram o Prémio LVMH para Jovens Designers e estrearam-se agora naquele que continua a ser o grande epicentro do mundo da moda, da indústria e do savoir-faire, Paris. As duas capitais podem estar a uma hora de distância, mas a mudança representa a consolidação de uma nova estratégia para a marca. “Estamos a tentar construir uma comunidade”, explica Marta, poucos minutos após o fim do desfile, esta quarta-feira, no Palais de Tokyo. “Da mesma forma que já conhecemos tantas MA girls [mais do que manequins, fontes de inspiração para a dupla] diferentes, quisemos erguer um pilar desta comunidade em Paris. Se calhar também vamos mostrar alguma coisas em Los Angeles ou em Berlim. É isso, vamos criando vários pilares”, completa.

A mudança de que Marta e Paulo falam está longe de ser só geográfica. “Estamos a aperfeiçoar a estrutura que já temos e a focar muito o investimento na venda direta ao cliente, quer com a loja online, quer com pop ups, possivelmente até com uma loja física daqui a cinco anos”, contou Marta Marques, em abril deste ano, numa entrevista ao Observador. O plano continua em marcha e o objetivo é aproximar a marca Marques’Almeida dos consumidores finais. Mais do que piscar o olho a buyers, embora, muito antes de desfilar em Paris, a marca já estivesse presente na cidade através de um showroom sazonal, a dupla quer seduzir diretamente as suas clientes.

O primeiro desfile da dupla Marques’Almeida da Semana da Moda de Paris aconteceu esta quarta-feira, dias 26 de setembro, ao fim da manhã, no Palais de Tokyo © Isidore Montag

Para isso, vir para Paris não basta, é preciso contornar o delay de seis meses que separa o desfile da chegada da coleção às lojas. Marta e Paulo fazem-no pela primeira vez. No desfile desta quarta-feira, ainda as manequins — muitas delas escolhidas via Instagram e pela relação que mantêm com a marca — experimentavam as roupas, já as imagens de algumas das peças eram produzidas para pô-las à venda pouco tempo após a apresentação. Em vez de uma coleção de primavera-verão 2019, o que Paris viu foi uma marca de moda de autor a moldar-se ao imediatismo que define uma geração. Quem preferir, pode sempre chamar-lhe “Resort 19”. “Não fazia muito sentido continuar a apresentar coleções que, depois, têm de esperar seis meses para estarem disponíveis nas lojas”, explica Paulo.

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Da Farfetch à própria loja online da marca, as roupas, sapatos e acessórios Marques’Almeida chegam aos quatro cantos do mundo. Em plena mudança e numa fase tão decisiva para a dupla de designers, regressar às origens e trazer ao de cimo as suas raízes portuguesas foi uma forma de encontrarem segurança. O xadrez da roupa dos pescadores, as franjas dos xailes minhotos, as longas saias pretas das fadistas — os elementos estão lá, só não espere uma ode ao folclore português. O ADN londrino continua lá e, por natureza, apela à mistura. “As nossas coleções são sempre um mix de influências. Agora, sentimos esse chamamento para voltar a Portugal e às nossas raízes, mas sempre do ponto de vista de quem já está em Londres há muito tempo e destas raparigas que vêm de sítios e têm estilos completamente diferentes. É tudo isso misturado numa máquina de levar e ver o que sai”, afirmam.

Paulo Almeida e Marta Marques, os designers da Marques’Almeida © Divulgação

A linguagem Marques’Almeida continua intacta, da ganga desfiada à utilização de brocados e de outros materiais nobres na construção de um guarda-roupa assimétrico e descolado do corpo. O sportswear continua a impregnar cada coordenado. No Palais de Tokyo, a banda sonora foi portuguesa, do princípio ao fim — Dead Combo, Sam the Kid com Carlos Paredes, Gisela João e Mariza (cuja versão de “Barco negro” encerrou a apresentação). E foi precisamente o fado uma das tónicas do desfile. Além da música, as longas saias pretas, usadas com camisolas de capuz oversized, introduziram uma nova silhueta de fadista. A fadista do presente, a fadista ao estilo millennial chic.

As mudanças não ficam por aqui. Com o Portugal Fashion, coorganizador do desfile em Paris, Marques’Almeida já tem regresso marcado à passerelle portuguesa. Em outubro, a dupla apresenta a coleção em solo nacional, depois de uma ausência de seis anos (participou pela última vez na ModaLisboa em outubro de 2013). Mais um pilar na comunidade que Marta e Paulo querem construir, com base em Londres, Portugal no pensamento, um pé em Paris e o outro no resto do mundo.

Na fotogaleria, veja todos os looks do desfile de Marques’Almeida, esta quarta-feira, dia 26 de setembro, em Paris.

O Observador viajou para Paris a convite do Portugal Fashion.