José Mourinho nunca foi conhecido por ser politicamente correto nas apreciações dos jogadores, dos jornalistas, dos adeptos e dos próprios jogos. Talvez por isso tenha merecido a alcunha de Special One, aquele que é especial: não só pela era de títulos no Chelsea a que terá sempre o nome intrinsecamente ligado mas também por ser único. Por não pensar propriamente nas consequências daquilo que diz por considerar que a verdade está acima de qualquer crítica à desmedida honestidade. Mourinho nunca habituou ninguém a meias palavras. Muito menos agora, quando não tem vinculação a nenhum clube e carrega nas costas 15 anos de carreira internacional.
Esta segunda-feira, o técnico português foi um dos oradores convidados do Fórum de Treinadores da Associação Nacional dos Treinadores de Futebol, em Portimão, e falou dos objetivos que ainda tem por cumprir, do futebol português, da nova geração “copinho de leite” e até de touradas. Sobre o próprio futuro, Mourinho não descarta a hipótese de treinar na Alemanha, já que tem como foco a conquista de uma terceira Liga dos Campeões por um terceiro clube diferente (depois de FC Porto e Inter Milão) e a vitória de uma quinta Liga num quinto país diferente (depois de Portugal, Inglaterra, Espanha e Itália).
“Futuro? Nem eu sei, mas acho que as pessoas se preocupam mais do que eu, eu não estou preocupado. Decidi não treinar até ao início da próxima época e mesmo assim para voltar no início da próxima época tem de ser num clube e competição que me motivem. Não estou em sofrimento por não estar a treinar. Tenho tempo para pensar em outras coisas. Gostava de voltar na próxima época”, garantiu o treinador, que voltou a sublinhar o objetivo de orientar a Seleção Nacional mas “não agora nem nos próximos tempos”. “Nunca escondi que não gostava de acabar sem treinar a Seleção mas o Fernando [Santos] que não se preocupe, não estou a pensar agora nem nos próximos tempos. Somos bons amigos. Mas é uma coisa que gostava de fazer antes de acabar mas ainda falta tempo para terminar. Não será para já e veremos se a oportunidade chegará”, acrescentou.
Mourinho, que foi despedido do Manchester United em dezembro do ano passado após uma passagem de dois anos e meio por Old Trafford em que somou mal entendidos e conflitos com jogadores — com Paul Pogba à cabeça. Sem especificar se a história tinha o internacional francês como protagonista, o treinador contou um episódio que diz exemplificar a “geração copinho de leite” que está hoje nos principais clubes europeus.
“Tive um jogador no Manchester United que queria sair do estádio após um jogo no seu novo Rolls Royce e não no autocarro da equipa. Não autorizei, apesar da insistência. Há cabeças que não se conseguem desmontar. A comunicação é ainda mais importante do que era. Eu tenho filhos da idade de jogadores e esta geração, de copinho de leite, que não aceita bem a crítica, não é uma coisa nova para nós, porque a temos em casa. Se o meu pai me mandasse comprar tabaco eu só perguntava se podia ficar com o troco e se eu pedir ao meu filho para me passar um copo de água ele pergunta-me porquê. São gerações. Mas tem de haver noção das hierarquias, de quem é quem”, defendeu o treinador.
Sobre o futebol português, Mourinho disse que o FC Porto “tem hipóteses” na eliminatória dos quartos de final da Liga dos Campeões frente ao Liverpool e que o Sporting vai estar mais motivado para o jogo desta quarta-feira, contra o Benfica para a segunda mão das meias-finais da Taça de Portugal, do que os encarnados. “Acho que é o jogo da época para o Sporting e não é o jogo da época para o Benfica. O Benfica tem coisas maiores que pode ganhar, Campeonato e Liga Europa. O Sporting se não vencer a Taça não ganha nada. Conseguirá o Benfica igualar o Sporting em motivação e superar-se? Veremos”, disse o técnico, que garantiu ainda que vê os jogos dos clubes portugueses mas não as “touradas”.
“E não falo em tauromaquia, falo de coisas que se passam no nosso futebol. Mas os jogos claro que sim, claro que vejo. Faço-o quando trabalho, quando não estou a trabalhar e tenho mais tempo”, explicou Mourinho, que revelou ainda não ter qualquer opinião sobre Rui Pinto ou o Football Leaks. “Por alguma razão vivo em Londres…sobre esse assunto não acho absolutamente nada. Foco-me no jogo e só no jogo e tento alhear-me de situações que, honestamente, não são para mim”, sentenciou o treinador português, acrescentando também que Bruno Lage “não merece” as comparações com Mourinho. “Conheço muito bem o pai mas conheço mal o Bruno [Lage]. Mas como gosto do pai, gosto do filho, e gostava de que as coisas lhe corressem bem na carreira. Por ser de Setúbal tenho carinho por ele. Mas não merece essa comparação, peso e pressão, porque eu já ganhei muito na carreira e ele está numa fase inicial”, atirou.
José Mourinho é um dos nomes maiores do futebol do século XXI e treinou alguns dos melhores conjuntos dos primeiros 19 anos do novo milénio. Nos últimos meses no Manchester United e após a saída, as vozes mais críticas disseram que estava “ultrapassado”, que se tinha deixado vencer pelo tempo e que era um treinador fora de moda e longe dos costumes atuais do futebol europeu. Mourinho terá de voltar a treinar para provar que são considerações pouco verdadeiras. Mas até lá, mostra que está atento ao que se passa à sua volta.