O boato não é novo, mas foi agora recuperado. Depois de o líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, ter confrontado António Costa no último debate quinzenal com o caso das nomeações de familiares no Governo, começou a circular nas redes sociais um boato de 2012 (no jargão atual, “fake news“) de que a ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, tinha nomeado o filho de Fernando Negrão para fazer estudos no seu gabinete. É falso e foi desmentido na altura, mas continua a ser difundido. O assunto tinha sido levantado pela primeira vez num blogue do PPM de Braga há quase sete anos e foi agora recuperado: até o ex-deputado do PCP, Miguel Tiago, caiu no engodo e retweetou este domingo a falsa acusação de um utilizador do Twitter.
#A_propósito, sabiam que a Paula T da Cruz nomeou seu assessor Ricardo Negrão dos Santos, filho de Fernando Negrão (DR 19jan2012) com o salário de 3 892,80€.
— jose marques dos santos (@josemssantos) April 7, 2019
Em várias das publicações nas redes sociais sobre o assunto — como é exemplo da que foi partilhada num grupo informal de “Apoio total a António Costa” — é utilizado o link desse blogue afeto ao Partido Popular Monárquico de Braga, que contém um despacho (verdadeiro) da antiga ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, de 19 de janeiro de 2012, a nomear um especialista na área informática por 3892,82 euros por mês.
No despacho em causa, Paula Teixeira da Cruz nomeia o “licenciado Ricardo José Galo Negrão dos Santos, para realizar estudos, trabalhos e prestar conselho técnico” no seu gabinete “no âmbito da área da informática e das novas tecnologias”. Apesar de o nomeado ter Negrão como um dos apelidos não tem ligação familiar ao antigo ministro da Justiça do PSD e atual líder parlamentar, Fernando Negrão.
Fernando Negrão conta ao Observador que já em 2012 desmentiu este boato, mas que já tinha reparado que agora voltou a aparecer. “Eu tenho dois filhos e trabalham os dois no estrangeiro”, explicou o líder parlamentar do PSD. Questionado sobre se tem algum grau de parentesco com o técnico por Paula Teixeira da Cruz, Fernando Negrão garante que “não conhece de lado nenhum” Ricardo Negrão dos Santos.
Telhados de vidro?
Algumas das publicações que falam na falsa nomeação, falam do “elefante” na sala e nos “telhados de vidro” de Negrão. Essas expressões não surgiram ao acaso. Quando introduziu tema no debate quinzenal, Fernando Negrão disse que ia começar a falar no “elefante” na sala e de seguida fez uma pequena introdução: “Sei que já entrámos na fase infantil da política no que diz respeito a este tema, que é andarmos a ver quem é que teve mais primos no Governo ou quem é que teve menos sobrinhos no Governo. Este, de todo, não é o caminho. Até pelo respeito, que creio que é comum, a uns e a outros“.
Neste momento, António Costa começa a sorrir. Negrão vê tudo menos um sorriso inocente: “Vejo pelo seu sorriso, senhor primeiro-ministro, que já estará a pensar: ‘Ele, como também tem telhados de vidro, já está com esta conversa para se precaver’.” O primeiro-ministro faz então um gesto com as mãos, revelando algum espanto. E Negrão complementa: “Mas é este o seu raciocínio, mas deixe-me dizer-lhe: eu não quero entrar por esse caminho, acho que não é o melhor caminho”. Negrão deixava no ar a ideia de existirem “telhados de vidro”, o que sugeria que podia haver uma situação que o envolvesse. Na verdade, o líder parlamentar do PSD referia-se aos casos existentes nos governos de Cavaco Silva.
O próprio Governo tem-se queixado de informações falsas no caso da endogamia política e citado alguns exemplos, nomeadamente o do diário espanhol El País, que cometeu um erro ao escrever que a ministra Ana Paula Vitorino é filha do antigo ministro António Vitorino.
El País ainda não corrigiu o erro. Costa queixou-se dele no último debate quinzenal