Ordenados de jogadores e funcionários. Divisões entre vencimentos base, outros abonos e prémios desportivos. Valores totais com comissões de todas as compras e vendas de ativos desportivos. Rácios de custo por minuto com e sem preço de aquisição de todos os elementos que passaram pela Academia nos últimos anos. Orçamentos por modalidade. Análise de partes de contratos que levantam dúvidas – a ponto de haver “risco em sede de IRS e Segurança Social”. Entre as vitórias no futebol e a aproximação dos momentos decisivos nos desportos de alta competição, a realidade do Sporting continua a ser marcada pela fuga da auditoria realizada ao período entre junho de 2013 e junho de 2018 pela Baker Tilly. Em termos externos e no plano interno.

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Os primeiros dados foram publicados pelo Record e pelo Correio da Manhã na passada quarta-feira, dia 10. Logo aí, surgiram os principais elementos apurados pela auditora em relação aos cinco anos em causa, nomeadamente informações mais dúbias que terão sido reencaminhadas pelos responsáveis verde e brancos para o Ministério Público. Poucas horas depois, as 254 páginas dessa parte da auditoria relativa apenas à SAD, a que o Observador teve acesso, começaram a circular no domínio público, o que começou a gerar grande incómodo em termos internos – até porque, de acordo com uma fonte contactada, ninguém percebeu a razão para todos os ordenados (incluindo funcionários e antigos trabalhadores) constarem nesse documento.

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Na sexta-feira, o Record publicou também alguns dados sobre a parte da auditoria relativa ao clube, onde constavam não só dados da gestão imobiliária, de fornecimentos de bens e serviços e de recursos humanos como também de toda a parte desportiva, nomeadamente os orçamentos e respetivas folhas salariais. A fuga motivou mesmo reuniões internas entre dirigentes e alguns responsáveis das modalidades, como aconteceu na passada segunda-feira, que mostraram o seu desagrado por uma situação que consideraram muito grave. Esta terça-feira de manhã, também esse extrato de 137 páginas, a que o Observador teve acesso, chegou ao domínio público. “Nos últimos anos nem o orçamento de cada uma das modalidades era conhecido pelos sócios, porque o Orçamento e o Relatório e Contas não fazia essa divisão”, explicou-nos uma das pessoas ouvidas a esse propósito.

As 254 páginas de uma auditoria que (afinal) pode trazer mais problemas ao Sporting

“O presente trabalho foi desenvolvido para o uso exclusivo da Direção do SCP, com o âmbito que se define na nossa proposta, pelo que não deverá servir qualquer outro objetivo, sem o consentimento expresso, por escrito, da Baker Tilly. Este documento assume um caráter confidencial, não podendo ser partilhado ou comentado com terceiros, sem a nossa prévia autorização por escrito. Qualquer decisão tomada pela Direção do Grupo Sporting, sócios ou outros stakeholders, com base neste documento, será da sua inteira responsabilidade”, explica a auditoria logo no início do documento. “A nossa análise não constitui uma descrição exaustiva de todas as situações anómalas que possam eventualmente ter ocorrido no período em apreço e que possam ser questionadas do ponto de vista de cumprimento das denominadas boas praticas de gestão, quer pelo facto de termos apenas efetuado as revisões e análises sobre as transações enunciadas no caderno de encargos (cuja definição não foi da nossa responsabilidade), quer pela subjetividade que a classificação de uma pratica anómala encerra”, acrescenta.

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Ainda assim, algo que deveria ser apenas apresentado em Assembleia Geral aos sócios do Sporting acabou por tornar-se numa fuga sem precedentes no clube: excetuando os contratos que saíram em 2015 via Football Leaks (como o de Jorge Jesus), apenas em 2006/07 os leões tinham enfrentado uma questão deste género, quando foram divulgados através de um portal entretanto extinto todos os vencimentos mensais dos jogadores que faziam parte do plantel então orientado por Paulo Bento. Em todas as auditorias financeiras e de gestão pedidas e apresentadas por mais do que um Conselho Diretivo este século, nunca a folha salarial do futebol e/ou das restantes modalidades tinha sido divulgada por não fazer parte do âmbito do trabalho pedido.

De acordo com o que o Observador apurou, a atual Direção liderada por Frederico Varandas estava à espera das diligências que serão conhecidas em breve pelo Conselho Fiscal e Disciplinar do clube e pelo Ministério Público para tomar uma posição, mas já avançou entretanto com “um conjunto de diligências para o apuramento das circunstâncias da fuga da auditoria”, aguardando na mesma todas as avaliações ao conteúdo do trabalho para tomar as respetivas medidas – se assim se justificar. No entanto, várias personalidades do universo leonino têm manifestado o repúdio e preocupação pelo sucedido, incluindo o próprio presidente da Mesa da Assembleia Geral, Rogério Alves. “A fuga de informação é um método de abordagem do fenómeno sportinguista que não me agrada. O Sporting não pode viver sufocado pelos fantasmas do passado nem se devia desgastar no debate público da anatomia da auditoria”, comentou este fim de semana no Núcleo de São Miguel, nos Açores.

Varandas acerta contas com o passado: negócios duvidosos, gestão irresponsável e um “mentiroso compulsivo”

Agora, três ex-candidatos à presidência assinaram uma carta em conjunto revelando toda a sua “preocupação e indignação” com o sucedido. “Como é que a Direção do Sporting e da SAD permite que se divulgue na íntegra a mesma auditoria, incluindo dados confidenciais e críticos para o negócio do nosso clube e da SAD, que expõem a vida de jogadores, treinadores e funcionários? Só uma Direção completamente irresponsável permitiria que se enumerassem num relatório, que seria sempre de acesso a muitas pessoas, logo público, listagens de ordenados, valores negociados com parceiros e fornecedores, ou quaisquer outros dados pessoais e intransmissíveis que uma instituição ou um clube de bem tem de proteger”, salientam José Maria Ricciardi, Dias Ferreira e Fernando Tavares Pereira, pedindo a Rogério Alves que tome “as medidas adequadas”.

“É tudo criticável relativamente à qualidade do relatório e detalhes que não acrescentam nada ao que se pretendia. Fazer um strip tease da realidade do Sporting é lamentável. Demos argumentos para os nossos opositores diretos poderem saber as condições financeiras que podem tentar propor a atletas e trabalhadores do Sporting. É uma coisa inaudita, nunca vi na minha vida e fui auditor. O relatório tem erros, a gravidade depende de quem os está a ler. Ainda no outro dia fiz um post onde falei da ligeireza com que não se estranhou incorreções. A divulgação devia ter sido feita formalmente através da CMVM. Já tive o cuidado de ler os dois relatórios, já me chegou o segundo que não estava na internet mas já circula. Não foge nada daquilo que eu conhecia. Orgulho-me do trabalho feito”, comentou ao Record Carlos Vieira, antigo vice do clube e administrador da SAD.